América Latina | O poder estatal cotidiano no Brasil
Salvador/Bahia, a quinta maior cidade do Brasil, com 2,5 milhões de habitantes: uma rodovia de quatro pistas, o sol tropical vertical queimando a pele. Até mesmo a caminhada até o sindicato das empregadas domésticas, o Sindoméstico, transmite uma ideia das relações de classe no país mais populoso da América do Sul. Embora 7 milhões de brasileiros trabalhem como empregadas domésticas – o número total de trabalhadores industriais regularmente empregados não é muito maior, 11,5 milhões –, o sindicato deles é difícil de encontrar. A pequena casa onde o Sindoméstico está sediado fica espremida entre uma ponte rodoviária e uma favela construída na encosta; ela não aparece corretamente no Google Maps. Mas os transeuntes estão surpreendentemente familiarizados com o Sindoméstico. Repetidamente, eles dizem: "Siga em frente aqui, depois, pouco antes da grande entrada de veículos, vire à direita."
Milca Martins, a presidente do sindicato, de 55 anos, não se surpreende. O Sindomésticos atende apenas uma fração dos 7 milhões de brasileiros que trabalham como faxineiros, babás, jardineiros ou motoristas de famílias ricas. No entanto, a sala de espera no prédio do sindicato está lotada: mais de uma dúzia de pessoas – todas mulheres, quase todas negras, algumas com filhos – estão sentadas sob um grande ventilador, aguardando aconselhamento jurídico e assistindo a uma televisão que transmite reportagens sobre violência de gangues e batidas policiais.
"É muito difícil para as trabalhadoras domésticas se organizarem", explica Martins, enquanto abre um canto do escritório para a entrevista. Sob os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), social-democrata, e especialmente por meio de uma lei de 2015 que integrou as trabalhadoras domésticas ao direito trabalhista, algumas coisas melhoraram. "Mesmo assim, a maioria ainda trabalha sem carteira assinada", explica Martins. "Muitas desconhecem seus direitos — ou têm medo de perder o emprego caso se registrem no Estado." De fato, o número de trabalhadoras domésticas com carteira assinada caiu desde 2015: de 1,64 milhão para 1,34 milhão atualmente.
O maior obstáculo à organização sindical, diz ele, é o isolamento. "Muitos de nós, idosos, fomos levados para as famílias para as quais trabalhamos quando crianças. Isso significa que fomos praticamente sequestrados e vivemos entre estranhos, sem quaisquer direitos." A atividade mais importante do sindicato, portanto, é uma reunião aberta aos domingos, onde as pessoas podem conhecer outras trabalhadoras domésticas.
O tesoureiro do Sindomésticos, que se junta à entrevista alguns minutos depois, concorda imediatamente. Francisco Xavier de Santana, também negro e com mais de 50 anos, é o único homem no sindicato esta manhã: "Como trabalhadora doméstica, você mora sozinha, quase como uma sombra. Você não fala muito, nunca te perguntam nada. Por causa do isolamento, muitas não conseguem nem constituir família. Para mim, foi muito libertador encontrar uma comunidade aqui." No entanto, como 90% das trabalhadoras domésticas são mulheres, os homens muitas vezes têm vergonha de se filiar ao sindicato.
Quando questionados se veem seu trabalho na tradição dos movimentos abolicionistas, ou seja, nas lutas pela abolição da escravidão, os dois sindicalistas entendem imediatamente o que fazer. A realidade das trabalhadoras domésticas não pode ser dissociada da história da escravidão, que só foi abolida no Brasil em 1888. "Nas fazendas, havia dois tipos de escravos: alguns tinham que trabalhar na lavoura, outros no lar", explica Martins. Depois da escravidão, pouca coisa mudou para muitos: nas fazendas e plantações, eles permaneceram à mercê de seus patrões.
Para Martins, que não esconde que, como muitas trabalhadoras domésticas, sofreu violência sexual nas mãos de um de seus empregadores, as relações de classe estão intrinsecamente ligadas ao racismo e ao sexismo: "Dois terços de nós somos negras ou pardas, muitas ganham menos do que o salário mínimo legal de R$ 1.500 (233 euros). E por muito tempo, moradia e alimentação foram descontadas do nosso salário – por um quarto abafado e sem janelas."
Como as trabalhadoras domésticas raramente conseguem resolver conflitos trabalhistas com sucesso, as reformas políticas são ainda mais importantes. Essa é uma das razões pelas quais os sindicalistas se identificam fortemente com os governos do PT. "Antes da reforma de 2015, tínhamos que trabalhar o dia todo se o patrão quisesse", explica Martins. "A nova lei estipula jornada de trabalho fixa, horas extras remuneradas, férias remuneradas e seguro-desemprego."
"Muitos de nós fomos levados ainda crianças para as famílias para as quais trabalhamos. Isso significa que fomos essencialmente sequestrados e vivemos entre estranhos, sem quaisquer direitos."
Sindicato das Trabalhadoras Domésticas Milca Martins
Os dois sindicalistas, portanto, têm uma relação surpreendentemente dialética com o Estado: quando falam do presidente Lula, referem-se a ele como "nosso presidente". Quando se trata de poder político em geral, porém, o termo "Estado assassino" vem rapidamente à mente. De fato, a polícia militar brasileira está travando uma guerra mal disfarçada contra a população negra. Só na Bahia, o estado com a maior proporção de afro-brasileiros, a polícia atirou em mais pessoas em 2023 do que em todos os Estados Unidos: 1.700 pessoas, a maioria jovens negros.
O sindicalista Martins vê uma conexão clara aqui: quase não há infraestrutura social nas favelas, enquanto, ao mesmo tempo, grandes quantias de dinheiro são gastas com a presença armada do Estado. E durante suas incursões, a polícia militar atira impiedosamente nos moradores. O fato de os documentários sobre crimes reais que passam pelas telas na sala de espera do Sindomésticos criarem aceitação para esse terror policial nem sequer é percebido pelos sindicalistas. A violência do Estado se tornou tão normalizada.
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A antropóloga Juliana Borges, que trabalha em São Paulo, descreve a situação de forma muito semelhante à do sindicalista Martins. Embora a maior metrópole industrial do Brasil seja significativamente menos negra do que Salvador, o sistema penal e policial local também é direcionado principalmente contra a população não branca. Borges, que cresceu em um bairro pobre e é ativa no movimento abolicionista, considera o encarceramento em massa de negros uma característica central do capitalismo brasileiro. "Com 800 mil presos, temos a terceira maior população carcerária do mundo. Quase todos estão presos por causa da guerra às drogas", explica Borges. "Paradoxalmente, o estado penal e policial foi expandido durante um período de relativa prosperidade. Quando o maior progresso social foi efetivamente possível durante o segundo governo Lula, de 2007 a 2011, graças aos programas de alimentação e moradia, a guerra às drogas se intensificou ao mesmo tempo." De fato, a população carcerária aumentou quase dez vezes desde a década de 1990.
Na perspectiva de Borges, a política de drogas serviu como ferramenta de controle da população negra desde o início do século XIX. "É impressionante que a proibição da maconha, imposta na década de 1830, tenha se concentrado exclusivamente nos usuários. A maconha era aceita. O que preocupava as elites era o uso espiritual, medicinal e recreativo da população racializada. Esperava-se que os escravizados superassem isso."
Borges vê a intensificação da guerra às drogas nas últimas duas décadas como um reflexo dessa tradição. A população estigmatiza os jovens das favelas como máquinas de matar da máfia do tráfico. "Na realidade, a maioria dos presos são jovens que nunca foram condenados. Apenas 15% cumprem pena por crimes violentos. E quase todos vêm de bairros pobres."
Nesse contexto, Borges fala de um "populismo punitivo" de direita importado dos Estados Unidos. A criminalização em massa da classe trabalhadora negra está sendo facilitada pelo fato de que depoimentos de testemunhas policiais agora são considerados suficientes para uma condenação. "Isso não leva mais em conta o fato de que os policiais têm interesse em condenações porque elas contam para sua promoção."
Borges considera absurda a ideia de que o crime organizado, que controla muitas favelas, possa ser contido por meio de aparatos penais. "A organização mafiosa mais conhecida do Brasil, o Comando Vermelho, foi fundada nas prisões no final da década de 1970. As prisões brasileiras são campos de recrutamento para esses grupos. Os jovens são presos pelos menores delitos e saem como criminosos."
Nesse contexto, Borges considera que a acusação feita por muitas organizações afro-brasileiras de que o Estado estaria cometendo um verdadeiro "genocídio" contra a população negra não é de todo descabida. "Das quase 50 mil pessoas mortas no Brasil a cada ano, 80% a 90% são afro-brasileiros. Quase todos os presos são jovens negros." Tanto as organizações criminosas quanto a repressão policial são mecanismos de controle da população pobre.
A alternância de governo entre o PT e a extrema direita em nível nacional teve pouco papel nesse desenvolvimento. Para Borges, isso só pode ser contido por um movimento abolicionista. "Os objetivos políticos mais importantes para mim seriam a legalização das drogas, o que minaria a militarização das favelas, e uma reforma da política fiscal. Em vez de ficarmos sempre debatendo a polícia, deveríamos lutar pela obrigatoriedade de certos gastos sociais." A Constituição brasileira já exige que os municípios destinem pelo menos um quarto de seus orçamentos à educação. Outros gastos sociais também poderiam ser estabelecidos. "Teríamos que deixar claro que o dinheiro atualmente gasto em armas e tecnologia de vigilância também poderia financiar uma casa ou ligações de água."
Borges espera que até mesmo policiais aprendam que o reforço militar não garante segurança. "No Brasil, hoje, policiais se matam com mais frequência do que são baleados por estranhos. Quem se beneficia com esse sistema?" No maior país da América do Sul, fica claro, como em nenhum outro lugar, quão intimamente a expansão dos aparatos estatais de violência e desigualdade social estão interligadas.
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