Ator Manolo Zarzo morre aos 93 anos

Há tantas maneiras de lembrar Manolo Zarzo quantos espectadores de cinema (teatro e televisão), não só na Espanha, mas em grande parte do mundo, já que poucos atores são tão viajados, tão talentosos, com uma voz mais grave, cabelos mais brancos e uma expressão mais marcante. Em entrevista recente a este mesmo jornal, ele confessou ter atuado em 127 filmes durante sua longuíssima carreira; uma carreira que começou quando ele tinha apenas 16 anos e continuou até o limite da respiração, até sua morte em 16 de junho, em Madri. Ele disse que anotou cada uma de suas obras, uma a uma, em um caderno, desde o início. Sua mãe, ele mesmo contou em mais de uma ocasião, vestia as crianças da vizinhança e as fazia encenar histórias que ela inventava. Uma crença que o maestro, aparentemente, não compartilhava. "Um dia ele disse ao meu pai: 'Faça o menino virar palhaço, ninguém o suporta'", contou o ator no documentário em vídeo #MuchaVidaQueContar . E assim foi, até que ele e sua irmã mais velha, Pepi, se juntaram ao grupo juvenil Los Chavalillos de España, com o qual viajaram pelo país por três anos. "Um novo mundo para um garoto de um bairro operário", comentou ele no mesmo documentário.
Foi graças a essa companhia que Antonio del Amo o notou para interpretar o "garoto meio manco do Rastro que gosta de futebol" — suas próprias palavras — em Día Tras Día (1951). Esse, aos 19 anos, seria seu primeiro filme, e esse papel selou, à sua maneira e para sempre, um capítulo memorável na história do cinema espanhol. Quando, em 1960, Saura o colocou no centro de Los Golfos, Zarzo se tornaria, talvez inconscientemente, a imagem mais clara de uma nova maneira de entender o cinema. Nesse retrato severo de uma Espanha essencialmente dura e censurada, ele foi o único ator profissional ou com alguma experiência em um filme que, como epígono do neorrealismo transalpino, propôs uma verdadeira revolução. O filme esteve em Cannes, conquistou Buñuel e fez de seu diretor estreante a última grande referência para um cinema que queria ser diferente. A linha que conecta Day After Day com The Scoundrels é, na verdade, a linha que separa o velho do novo, a ditadura ameaçada, ou apenas um sonho, de algo diferente. E no meio, Zarzo. Para sempre.
Mas esta, apesar de sua relevância, é apenas uma das infinitas maneiras de lembrar Manolo Zarzo. As páginas de seu livreto escondem um universo; um universo inteiro tão pessoal quanto compartilhado. O caçula de uma família de oito irmãos, ele acabaria se tornando uma das figuras essenciais em qualquer cinema. E a lista de diretores com quem ele eventualmente trabalhou varia de populistas como Mariano Ozores e Pedro Lazaga a nomes como Jaime de Armiñán, Juan Antonio Bardem, José Luis Garci, Mario Camus e o já mencionado Saura. E Pedro Almodóvar. Filmes emblemáticos como The Hive , The Holy Innocents e Between Darkness aparecem em seu livreto.
Mas não só isso. Zarzo era, à sua maneira, um aventureiro e um cidadão do mundo. Quando surgiram as coproduções, ele foi o primeiro. Filmou na França, na Itália e até na selva cambojana ("Passei por maus bocados lá. Cheguei a remover 17 sanguessugas da minha perna com um cigarro", comentou). Em Angola, filmou com Ettore Scola. Será que Nossos Heróis Conseguirão Encontrar Seu Amigo Misteriosamente Desaparecido na África? (1968). O herói era Alberto Sordi, e Zarzo foi o encarregado de ajudá-lo em sua busca por Nino Manfredi. Scola então o levou para a Itália para trabalhar com Marcello Mastroianni em O Demônio do Ciúme (1970).
E tudo isso sem contar o tempo que passou na televisão, na televisão de todos. Foi Segismundo Ballester em Fortunata y Jacinta (1980), Bernardo Álvarez em Juncal (1989), Tomás Alberti na primeira temporada da série Compañeros (1998), Eugenio em El Súper (1999), Constantino em La verdad de Laura (2002) e Rafael em La Dársena de Poniente (2006). Ele está no caderno e na memória de todos.
Pai de cinco filhos, sua vida não foi isenta de acidentes, pois, à sua maneira, a vida de um ator é puro acidente. Na homenagem que lhe foi prestada há pouco pela Academia de Cinema, ele relembrou o dia de setembro de 1960 em que se dirigia à Puerta del Sol para carimbar o passaporte, pois precisava rodar um filme na Itália. No caminho, deparou-se com um incêndio na Rua Carretas, no centro da cidade, e juntou-se a um grupo de pessoas que seguravam cobertores para que as vítimas presas pudessem descer do prédio. Uma das jovens que pulou estava prestes a cair do cobertor, e Zarzo recuou para segurá-la. "Senti o peso dela cair sobre meu ombro. Fiquei clinicamente morto por duas horas e depois com o tronco engessado por dois meses. Saí disso com determinação. Disse a mim mesmo: 'Vou ficar bem', e aqui estou."
elmundo