Chimamanda Ngozi Adichie: "Nos anos 70 e 80, a literatura era mais irritante; hoje, há muita cautela."

Chimamanda Ngozi Adichie (Enugu, Nigéria, 1977) olha para fora da tela — com os olhos arregalados, o lenço vermelho na cabeça, a expressão grave — e diz: "Se um dos meus alunos escrevesse sobre o que aconteceu comigo, eu diria que é inacreditável". Ela fala da morte dos pais. Ele morreu repentinamente primeiro, e ela morreu alguns meses depois, no aniversário dele: às vezes, coisas assim acontecem, como se a dor estivesse chamando o infortúnio para uma ceia final.
A escritora encerra sua intimidade neste ponto, embora acrescente: "Por muito tempo, pensei que nunca mais escreveria um romance. O impulso se foi, eu tinha uma sensação horrível de bloqueio: tentei várias vezes, perseverei, mas não consegui. Depois da perda da minha mãe, no entanto, senti o impulso novamente, como se ela estivesse de alguma forma me ajudando. Parece estranho, mas foi assim." O resultado é "A Few Dreams" (Random House), seu retorno à ficção depois de mais de uma década.
— Não é a primeira vez que você passa anos sem escrever. Mais de cinco anos se passaram entre seu segundo romance, "Half of a Yellow Sun" (2006), e o terceiro, "Americanah" (2013).
—O medo de perder a capacidade de escrever é um medo recorrente na minha vida. Depois de perder meus entes queridos, é o meu maior medo. E não acho que seja um medo infundado; há algo misterioso na criação; você nunca sabe de onde vem. Então esse medo... esse medo talvez seja inerente ao ato de escrever.
"Alguns Sonhos" é um romance de histórias entrelaçadas. E o que é uma história? Uma mulher com um desejo, por exemplo. Ou melhor ainda: quatro mulheres com seus respectivos desejos. Aqui temos uma escritora em busca de amor, uma mãe de primeira viagem ("esta é a primeira coisa que escrevo como mãe"), uma empresária que deixa tudo para trás para lutar contra a injustiça e uma vítima de estupro. E há suas obsessões habituais, como sua condição de estrangeira. A personagem principal, Chiamaka, uma nigeriana de família rica com aspirações literárias, conhece um coreano na universidade e diz: "Ele não era americano; tínhamos essa semelhança, então seus dias, como os meus, devem ter sido dominados pela solidão." "Há uma solidão que tem a ver com imigração, com a condição de estrangeira, com estar longe de casa. Não sei se é sempre negativo, mas é algo que está lá. Eu pertenço a dois mundos, Nigéria e Estados Unidos, mas de certa forma, eu não pertenço." Em ambos os mundos, sinto — e isso também se deve ao meu status de escritora — como se estivesse sempre um passo atrás, observando a realidade à distância", explica ela.
Em certo momento do romance, Chiamaka diz a um editor de Nova York que quer escrever um livro sobre anedotas em restaurantes africanos. Ela responde que deveria se concentrar em algo mais interessante, como um estupro no Congo. Relembrando a cena, a autora sorri. Isso já aconteceu com ela? "Uma vez eu disse que queria escrever um romance sobre Hitler, e alguém me disse algo parecido... Mas escritoras africanas também se interessam pela Segunda Guerra Mundial. Eu me interesso muito por ela [uma pausa]. O mundo editorial é muito conservador", conclui, com o mesmo sorriso. Mais tarde, ela diz que as editoras só dão aos leitores o que presumem que lhes interessará: histórias de violência na América Latina, histórias de racismo africano... "Agora sou bem-sucedida e não tenho essa pressão, ou lido melhor com ela, mas penso nos jovens e..."
Você acha que eles estão se arriscando cada vez menos? "De fato, estamos vivendo com muita cautela, e não acho que isso seja bom para nós. Sinto-me praticamente em luto pelas histórias que não estão sendo contadas e não serão contadas, pelo conhecimento que não teremos porque as pessoas são tão cautelosas: é muito triste. Quando leio romances publicados nos anos 70 ou 80, encontro mais complexidade, mais coisas que podem incomodar ou perturbar. Porque a vida, a vida é uma bagunça: é contraditória, incoerente, ambígua, imperfeita. E precisamos ser adultos o suficiente para aceitar essa complexidade."
—O sucesso dá liberdade, mas a fama não traz pressão?
— Essas perguntas sempre me surpreendem, porque não me considero uma celebridade. Mas não leio notícias sobre mim. Não vou ler esta entrevista. Não me pesquiso no Google há anos. Criei uma distância entre meu eu privado e o público.
No epílogo, relembrando o caso de Nafissatou Diallo, que em 2011 acusou o diretor do FMI, Dominique Strauss-Kahn, de agressão sexual, ela volta a defender a complexidade: “Ser humano no dia a dia não é, nem deveria ser, uma procissão infindável de virtudes. Uma vítima não precisa ser perfeita para merecer justiça.” “Nesse sentido, pioramos, pelo menos nos Estados Unidos. Pensar que o #MeToo aconteceu há alguns anos e que agora estamos na situação em que estamos... Foi um movimento muito promissor e importante, mas não conseguiu alcançar o que poderia. Hoje, assistimos ao triunfo de ideias retrógradas sobre qual deve ser o lugar da mulher, o lugar que uma mulher deve ocupar em seu lar ou na sociedade. É um resultado interessante, mas não em um sentido positivo, é claro.”
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