O dia em que Granada se tornou a capital da música

Os granadinos dizem que Federico García Lorca encontrou sua voz em outras artes, como a música, antes de encontrá-la na literatura. Em Granada, o poeta amadureceu sua forma de se comunicar com o mundo, inebriado pelo flamenco e seus ritmos, pelas danças ciganas, pela poesia e arte sefarditas e pela influência deixada pelos árabes, que, séculos depois, continua a ser sentida em inúmeros cantos da cidade de Alhambra. Tudo isso, segundo relatos locais, converge no Sacromonte, um ponto estratégico para a compreensão da herança e da idiossincrasia nasridas.
Ali, em 21 de junho, o poeta reapareceu sob o sol de verão de Granada para contar seu relato comovente sobre esse enclave mágico, que ainda exala sua influência lírica. "Esta montanha é sagrada e também sangra pela dor, pelo sofrimento que a raça de bronze suportou aqui por muitos anos", recitou o ator que o interpretou, vestido com paletó e camisa brancos, gravata borboleta vermelha, calças xadrez plissadas e sapatos derby marrons, antes de convidar a multidão a um passeio: "Este bairro é encantado, e eu os guiarei para que não se percam no encantamento."

Transformada em cicerone e guia excepcional, esta Lorca reencarnada foi a primeira surpresa do evento Soundhood SON Estrella Galicia, que transformou Granada na capital da música por um dia. Esta é a segunda edição de um festival exclusivo, que já foi realizado em anos anteriores em cidades como A Coruña, Madri, Barcelona, Londres e, em breve, Berlim, com um objetivo claro: trazer a música de volta aos locais e bairros e focar em uma combinação de talentos musicais consagrados e emergentes. Mas a experiência não se limitou à música; o Soundhood SON Estrella Galicia oferece uma maneira de vivenciá-la, projetando uma experiência completa que une cultura, gastronomia e cerveja.
A iniciativa começou com este passeio por Sacromonte para aprender sobre a história e o patrimônio cultural do bairro e da cidade nasrida. O dia culminou com um festival de música no Lemon Rock, local localizado na Rua Montalbán, 6, no coração de Granada.

Após a mágica visita a Sacromonte, a expedição Soundhood SON Estrella Galicia seguiu para o Lemon Rock, um espaço de quatro andares construído no coração de Granada, no local de uma antiga mansão do século XVII. Este ano, o Lemon Rock comemorou seu décimo aniversário, e por isso foi escolhido pelo Estrella Galicia para sediar seu festival. "Somos uma empresa familiar e a relação com o Estrella Galicia tem sido a mesma", afirma Vicente de Luna, proprietário. "Não poderíamos ter tido mais sorte em sermos escolhidos, pois eles se preocupam muito com a qualidade dos músicos que comparecem. Sou um pouco místico, e as boas vibrações que estou sentindo hoje me deixam muito feliz."

O festival contou com artistas nacionais como TulsayMujeres, além de artistas internacionais: os roqueiros Ash, da Irlanda; KhanaBierbood, da Tailândia; Los BESOS, da Argentina; e Prima Queen e Tim Burgess, do Reino Unido. A música de Granada também marcou presença no lineup, com artistas como Antonio Arias, Juan Mutante, Dark Libra e Paulina del Carmen. A jovem cantora, que mistura ritmos R&B e pop com influências de sua terra natal, encerrou sua apresentação emocionada: "Granada, além de ser meu lar, significa esperança. É uma cidade onde muitas culturas convergem, e isso transparece na música."
Escolhida como um talento emergente de Granada pelos organizadores do festival, algo que a deixou "muito animada, dada a quantidade de talentos na cidade", ela relembrou suas origens e sua conexão com o local. "Meu pai era músico amador e também tocava aqui. É um sonho realizado para mim cada vez que venho", diz ela, antes de acrescentar: "Aqui em Granada, tudo é possível."

Assim como ela, o foco do festival em músicos emergentes responde a uma demanda dos organizadores, como atesta Víctor Mantiñán, diretor da Activación Iberia do Hijos de Rivera, grupo empresarial ao qual a Estrella Galicia pertence. "O objetivo é fazer com que as pessoas voltem às casas de shows para descobrir música. Há uma proliferação de festivais tradicionais, e parece que as casas de shows ficaram um tanto marginalizadas, mas todas as bandas que conquistaram algo começaram em casas de shows", afirma. Uma tese reforçada por algumas das bandas que participaram do Soundhood SON Estrella Galicia, como Mujeres. "Somos o tipo de pessoas que sempre assistimos a shows em casas de shows pequenas, tanto como banda quanto como público. É nelas que os projetos crescem."

Entre os shows, que aconteceram das 14h30 às 23h30, a música foi harmonizada com um menu gastronômico com produtos locais e uma oficina chamada "Qual o som da sua cerveja? ", na qual um mestre cervejeiro e um violonista exploraram as semelhanças entre diferentes estilos de fabricação de cerveja e música, enquanto os participantes apreciavam a degustação. Essa experiência foi projetada para reunir diferentes formas de patrimônio cultural em um único espaço. "As casas de shows fazem parte da estrutura de um bairro e geram identidade", explica Mantiñán. "Um bairro sem casas de shows se torna um conjunto habitacional, então nossa ideia foi resgatar sua importância com este evento."

Para o proprietário do Lemon Rock, participar do Soundhood SON Estrella Galicia é o ápice de "muitos anos de trabalho", reconhece este arquiteto de formação e músico amador. Durante os tempos difíceis, Luna pensou em desistir, mas sua paixão por artistas emergentes o levou a dar uma nova chance. "Hoje estou incrivelmente animado, especialmente porque uma das minhas bandas favoritas está chegando: Ash. Para mim, é um sonho, mas você sabe o que dizem: aqui em Granada, tudo é possível."

Como parte da proposta exclusiva de unir cultura, arte e música, o tour SON Estrella Galicia Soundhood incluiu uma visita a um enclave mágico em Sacromonte: uma caverna convertida na casa — comum no bairro desde o início do século XX — de Curro Albaicín, dançarino de flamenco, poeta e memória viva de Sacromonte. "Eu era uma criança muito rebelde que lutou pela democracia", diz ele ao final da visita, cujas paredes estão repletas de fotos de algumas das 12.000 famílias ciganas que viviam no bairro antes da expropriação que sofreram durante o regime franquista.
O artista foi acompanhado pela renomada cantora Irene Molina, pelo violonista Marcos Palometas e pelo flautista Eloy Heredia. Os três formam o grupo Clavel Flamenco, que apresentou uma versão flamenca da famosa obra Hallelujah, do canadense Leonard Cohen, para encerrar a turnê. O Clavel Flamenco completou a apresentação musicando outra de suas obras, Muerte de Antoñito Camborio, recitada por Curro Albaicín:
“E quando os quatro primos chegaram a Benamejí, as vozes da morte cessaram
perto do Guadalquivir”
Barcelona será a próxima parada do Soundhood SON Estrella Galicia. Uma cidade com uma cena musical vibrante, mas também marcada pela perda progressiva de casas de shows. Lá, a iniciativa da Estrella Galicia ganha ainda mais significado: resgatar os espaços onde a cultura nasce. Não perca esta oportunidade e garanta seu ingresso aqui (aguardando link).
EL PAÍS