O império publicitário do Google em julgamento

Em uma das batalhas mais significativas entre um estado e uma grande empresa de tecnologia, o Departamento de Justiça dos EUA (DOJ) indiciou o Google por monopolizar tecnologias de publicidade digital.
O caso desafia o modelo de negócios de uma das empresas mais poderosas do mundo da tecnologia e busca redefinir as regras do jogo nos mercados digitais. O Departamento de Justiça ordenou que o Google desfaça o investimento em seu navegador Chrome, o mais utilizado no mundo. A medida desmantelaria uma das redes mais sofisticadas e lucrativas do capitalismo digital moderno.
O processo, aberto em 2023 junto a vários estados, incluindo Nova York, Califórnia e Virgínia, acusa o Google de "corromper a concorrência legítima no setor de tecnologia de publicidade" por meio de um plano sistemático para controlar todas as ferramentas-chave no ecossistema de publicidade digital.
Este ecossistema é baseado em três elementos: servidores de anúncios para editores , ferramentas de compra para anunciantes e exchanges onde o espaço publicitário é leiloado em tempo real. O Google controla todos os três.
O Departamento de Justiça alega que o Google, com sua plataforma Google Ads, seu servidor de anúncios DoubleClick for Publishers (DFP) e sua plataforma AdX, atua simultaneamente como comprador, vendedor e leiloeiro. É como se o Goldman Sachs controlasse simultaneamente a Bolsa de Valores de Nova York e as ferramentas para compradores e vendedores.
Além disso, o Google supostamente manipulou seus sistemas para favorecer seus próprios produtos e cobrar comissões inflacionadas: de acordo com documentos internos, a empresa fica com 35% de cada dólar gasto em publicidade digital.
Entre as práticas monopolistas identificadas estão tornar o acesso ao Google Ads (a maior demanda) exclusivo para sua bolsa AdX; manipular leilões e preços para limitar a concorrência; impedir que os editores escolham livremente em quais plataformas vender seu inventário; e eliminar ameaças emergentes, como a AdMeld, uma plataforma de gerenciamento de rendimento, por meio de aquisições e, em seguida, desabilitar sua interoperabilidade com outros sistemas.

O Departamento de Justiça sustenta que essas ações impediram a concorrência, sufocaram a inovação e aumentaram os custos para editores e anunciantes.
O Google respondeu que o processo ignora a dinâmica real do mercado publicitário e os riscos à privacidade do usuário. Argumenta que suas ferramentas são eficazes e populares, e que anunciantes e editores escolhem seus serviços porque são os melhores, não porque são obrigados a isso. Além disso, forçá-lo a dividir seus negócios, incluindo uma potencial venda ou cisão do Chrome, representaria um risco à segurança do usuário e impactaria sua experiência na internet.
Segundo o Google, seus serviços democratizaram a publicidade online. Permitiram que milhões de pequenos anunciantes acessassem públicos globais e tornaram o conteúdo digital mais acessível. A empresa afirma que o ecossistema da publicidade digital é altamente competitivo, com players como Amazon, Meta e TikTok conquistando rapidamente participação de mercado.
A defesa do Google aborda um antigo dilema antitruste: um produto melhor é uma dominância ilegal? Nos mercados digitais, a linha divisória é tênue. Tamanho e integração vertical proporcionam eficiência, mas podem impedir a entrada de novos concorrentes. Quando o Google impede que concorrentes acessem as mesmas informações ou tráfego, ele protege seus negócios, mas também dificulta o surgimento de alternativas.
De acordo com o Departamento de Justiça, o Google usou seu acesso privilegiado aos dados de navegação através do Chrome para fortalecer seu domínio na publicidade. Seu controle sobre cookies e dados do usuário (que devem estar sujeitos ao consentimento do usuário e à concorrência leal) cria uma vantagem injusta sobre seus rivais. Ao mesmo tempo, limita os dados que seus concorrentes podem ver, como se estivesse criando uma "caixa preta" que somente o Google entende e controla.
O caso também expõe as dificuldades de aplicação das leis antitruste tradicionais aos mercados digitais. Ao contrário dos setores tradicionais, onde os preços são visíveis e a concentração é facilmente mensurada, os mercados digitais operam com algoritmos, externalidades de rede e modelos freemium difíceis de auditar.
As ações anticompetitivas do Google nem sempre são apresentadas como tal, mas sim justificadas. A integração de ferramentas equivale à eficiência operacional; o bloqueio de tecnologias de terceiros é justificado em nome da segurança e da privacidade; a limitação do acesso de concorrentes é entendida como otimização de desempenho.
As questões centrais são: uma empresa pode dominar toda a cadeia de valor sem prejudicar a concorrência? Como podemos garantir que tal domínio não prejudique o interesse público?
Embora o Departamento de Justiça (DOJ) esteja solicitando a cisão de partes essenciais dos negócios do Google, como o Ad Exchange e o Chrome, a solução também não é simples. Separar o Chrome de seus negócios de anúncios resolveria práticas invasivas de rastreamento de usuários, mas fragmentaria sua experiência e comprometeria recursos de segurança. Os efeitos colaterais no ecossistema digital de financiamento de anúncios e seu impacto sobre os usuários não são previstos.
Uma solução estrutural, como a cisão de empresas, é considerada eficaz e definitiva pelos reguladores, mas é custosa, lenta e imprevisível. No passado, casos como os da AT&T e da Microsoft acabaram criando novos players dominantes. Independentemente do veredito, a questão fundamental permanece: quem controla o mercado digital e em benefício de quem?
Twitter: @beltmondi
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