Khalida Popal: pioneira do futebol no Afeganistão

CIDADE DO MÉXICO (apro) - Apesar dos obstáculos que as mulheres enfrentaram no Afeganistão, a paixão pelo esporte as impulsionou e permitiu que crescessem, não apenas como atletas, mas também como indivíduos. E um nome que não pode faltar quando se fala em futebol feminino e na luta pelos direitos das mulheres é o da afegã Khalida Popal.
Popal é a fundadora e capitã da primeira Seleção Afegã de Futebol Feminino (formada em 2007) e uma das principais promotoras do futebol no país. Nascida em 21 de maio de 1987, em Cabul, Afeganistão, Khalida começou a praticar o esporte ainda criança e aprendeu a dividir a bola com seus irmãos. Ela também descobriu que jogar futebol era uma forma de escrever sua própria história. Apesar da situação cultural no Afeganistão e do regime talibã sob o qual vivia, ela recebeu total apoio da família para continuar perseguindo seu sonho de jogar futebol: tornar-se jogadora de futebol.
“Eu incentivava outras meninas a jogar comigo. Foi assim que tudo começou. Logo éramos o suficiente para formar dois times e começamos a organizar partidas. Não pensávamos que isso poderia ser mal visto ou ter consequências; só queríamos aproveitar o jogo e a vida. Éramos apenas crianças!”, explicou Khalida em uma entrevista ao El Periódico em 2019.
O futebol feminino como ferramentaKhalida Popal, junto com suas amigas, encontrou um lugar para brincar e se divertir: o pátio da escola, que mal era visível do lado de fora porque era cercado por muros que o cobriam, o que as impedia de serem gritadas, punidas e humilhadas.
Nos divertimos tanto que gritamos e rimos, e foi assim que descobriram que jogávamos futebol. E quando a notícia se espalhou para fora da escola, os professores começaram a dificultar a nossa participação no futebol e também começaram a nos intimidar. Eles me bateram e me insultaram na frente de toda a turma por jogar futebol, e eu não entendi o que tinha feito de errado.
"Grupos de homens começaram a nos assediar do lado de fora da escola porque não queriam que jogássemos futebol. Eles ficavam na nossa frente e nos insultavam, nos chamavam de prostitutas e diziam que tínhamos que ficar na cozinha e encontrar um marido", disse Popal na mesma entrevista.
Exílio para continuar lutandoApesar de tudo isso, Khalida percebeu que o futebol não era mais apenas um esporte ou uma forma de entretenimento, mas poderia servir como uma estratégia para empoderar as mulheres. Então, ela e suas amigas começaram a usar a bola para empoderar mulheres e defender a igualdade e os direitos humanos.
Após a queda do Talibã, as coisas começaram a mudar, embora não completamente. As mulheres conquistaram e lutaram por seus direitos. Na mesma linha, Popal continuou a correr com a bola e, em 2007, nasceu a primeira Seleção Afegã de Futebol Feminino.
Pela primeira vez, homens conviviam com mulheres que lutavam por seus direitos e trabalhavam arduamente para desenvolver o futebol feminino, além, é claro, de terem maior participação na sociedade. No entanto, o desfecho da história não foi o esperado.
Popal começou a receber advertências para se manter longe de um esporte "masculino", seguidas de ameaças de morte. Ela chegou a ser espancada. Decidiu deixar seu país, o que significou deixar sua família, amigos, emprego, carreira e os programas e atividades que havia criado para outras mulheres.
“O sexismo está ligado à história do Afeganistão; é uma cultura moldada pelos homens. As mulheres que crescem lá e nunca conheceram outra coisa são como se tivessem sofrido uma lavagem cerebral, e é por isso que se opõem a outras mulheres, por causa da ideologia. É um problema profundamente enraizado”, comentou a jogadora de futebol.
Ela deixou o Afeganistão em 2011 e foi para a Dinamarca. Ela está longe de seu país há 14 anos, mas não parou de lutar. Fundou a Girl Power, uma organização que busca ajudar refugiados por meio do futebol e de outros esportes, com o objetivo de promover sua integração social. Ela também não abandonou suas companheiras de equipe, pois, mesmo à distância, começou a usar a mídia para denunciar os abusos aos quais eram submetidas e aos quais estavam sendo expostas.
O que acontecerá com o futebol feminino no Afeganistão?Com o retorno do Talibã ao poder, parece que a violação sistemática dos direitos das mulheres se tornará ainda mais prevalente. E, claro, isso acabará impactando o futebol feminino de uma forma ou de outra. Khalida Popal deixou claro que nem todas as jogadoras da Seleção Feminina Afegã vivem no Afeganistão. Justamente por causa dos ataques que têm sofrido por parte dos homens, algumas decidiram buscar refúgio em outros países, enquanto outras permanecem no país.
Khalida Popal disse que, em agosto de 2021, recebeu ligações, mensagens de texto e mensagens de voz de colegas que temiam por suas vidas por causa do Talibã, mas, no final, elas também faziam parte da luta pelos direitos das mulheres por meio do futebol.
A possibilidade de viver“Eu as incentivei a apagar suas redes sociais e fotos, a fugir e se esconder. Isso me parte o coração, porque todos esses anos trabalhamos para aumentar a visibilidade das mulheres, e agora estou dizendo às minhas mulheres no Afeganistão para se esconderem e desaparecerem. Suas vidas estão em perigo”, explicou a jogadora de futebol afegã.
Em novembro de 2021, Kim Kardashian West, juntamente com o rabino Moshe Margeretten, fundador da Associação Tzedek, e o Leeds United, uniram forças para fretar um avião para transportar 30 jogadoras de futebol afegãs, com idades entre 13 e 19 anos, do Paquistão para Londres. Suas famílias viajaram com as jogadoras, permitindo que um total de 130 pessoas escapassem do regime talibã.
Talibã?Em 15 de agosto de 2021, militantes do Talibã retomaram o controle de Cabul, capital do Afeganistão. Isso ocorreu duas décadas após a intervenção das tropas americanas e seus aliados naquele país. Esse evento desencadeou uma nova onda de violência contra as mulheres afegãs que cresceram e conquistaram direitos após a queda do Talibã.
É um movimento político e paramilitar afegão com ideologia islâmica fundamentalista. São sunitas e, em sua maioria, de etnia pashtun. Caracterizam-se por seu islamismo ultraconservador, ou seja, defendem a aplicação radical dos princípios islâmicos nas esferas política, jurídica e social. O termo "Talibã" vem do pashto "talib", que significa "estudante".
Eles têm uma visão rigorosa da vida muçulmana, por isso buscam abertamente combater a influência dos valores ocidentais. O Talibã surgiu em 1994, durante a Guerra Civil Afegã (1991-2001), e foi em 1996 que assumiu o controle de Cabul, a capital do Afeganistão. Ao fazê-lo, acabaram dominando praticamente todo o país e fundaram o Emirado Islâmico do Afeganistão.
O nome "Talibã" está relacionado às origens do movimento, que surgiu nas madrassas paquistanesas, financiadas pela Arábia Saudita, onde estudavam os refugiados afegãos que fundaram o grupo.
Cinco anos após assumir o controle, em 2001, os Estados Unidos e seus aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) intervieram para derrubá-los. Daquele momento em diante, os militantes do Talibã travaram uma guerra de guerrilha contra o governo afegão. Mas agora, eles retomaram o poder. A invasão do Afeganistão fez parte da "Guerra ao Terror" declarada pelo ex-presidente americano George W. Bush após os ataques de 11 de setembro de 2001.
Um acordo de paz que gerou uma guerraNo entanto, o Talibã conseguiu derrubar o aparato governamental; tudo começou em 29 de fevereiro de 2020, quando, durante o governo Donald Trump, assinaram o Acordo para Trazer a Paz ao Afeganistão (também conhecido como Acordo de Doha). Este acordo estabeleceu um prazo de 14 meses, a partir do seu anúncio, para a retirada gradual das tropas americanas e de seus aliados da OTAN do Afeganistão.
"Este acordo testará a sinceridade do Talibã", disse o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, ao El País em 2020. Ele também os alertou para "não declararem vitória", porque o pacto não significará nada se eles não cumprirem sua parte.
Entre outros pontos do acordo, os Estados Unidos se comprometeram a suspender as sanções impostas aos líderes do Talibã. Em troca, o Talibã se comprometeu a não permitir que "nenhum de seus membros, ou outros indivíduos ou grupos, incluindo a Al-Qaeda, use o território afegão para ameaçar a segurança dos Estados Unidos e de seus aliados".
Meses se passaram, e o prazo expirou. Na época, Donald Trump, e agora Joe Biden, repetiram uma retórica na qual garantiam que, após a retirada completa das tropas, as forças de segurança afegãs assumiriam o controle. No entanto, isso não aconteceu. Com a retirada das tropas, as cidades afegãs caíram nas mãos do Talibã. O governo acabou entrando em colapso, e até o presidente Ashraf Ghani fugiu para o exterior. O motivo? Desde a queda do Talibã em 2001, eles nunca reconheceram o governo em Cabul.
De acordo com Susana George, que escreveu no The Washington Post em agosto de 2021: “Vários comandantes militares e policiais afegãos concordaram em se render ao Talibã em troca de dinheiro, assim que o Acordo de Doha deixou claro que a retirada das forças dos EUA era iminente”.
Dias escurosAlém da escassez de alimentos, do aparente conflito armado e do colapso governamental que assola o Afeganistão, há outro medo: o retorno (forçado) das mulheres à obscuridade pelo Talibã.
Entre 1996 e 2001, sob o regime do Talibã, as mulheres eram obrigadas a usar uma vestimenta que cobria todo o corpo, conhecida como burca, sempre que saíssem em público. Elas também não tinham permissão para ir a locais públicos sem a companhia de um homem. A educação também era restrita para meninas com mais de 10 anos, e elas também não tinham permissão para trabalhar.
Casamentos arranjados, sem a escolha das mulheres, tornaram-se normalizados. Além disso, punições brutais foram impostas, incluindo execuções, apedrejamento, apedrejamento e açoites em praças públicas. "Não sei como será o nosso futuro. Isso me fez perder a esperança. Estou procurando uma saída do Afeganistão porque não há esperança para as mulheres", disse uma mulher não identificada à BBC em agosto de 2021.
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