Os riscos que o decreto anunciado por Gustavo Petro para o seu referendo representaria para a democracia

O "truque" com que o governo do presidente Gustavo Petro pretende convocar um referendo por decreto , apesar de o Senado já ter negado tal mecanismo, fez soar o alarme na maioria das forças políticas do Congresso, reconhecidas vozes de juristas e sindicatos, que pedem respeito à Constituição Política de 1991.
Há até quem acredite que convocar a população às urnas, quando o Senado já negou essa possibilidade por 49 votos a 47, poderia constituir um golpe de Estado e um atentado à separação de poderes.

Foi assim que aconteceu o fracasso do referendo no Senado. Foto: Néstor Gómez. EL TIEMPO
Foi o ministro do Interior, Armando Benedetti, quem apresentou a polêmica hipótese na semana passada. O governo, que inicialmente alegou fraude na votação de 14 de maio no plenário do Senado, agora argumenta que a decisão foi inválida porque o relatório submetido à apreciação do plenário não foi lido.
O presidente Petro a endossou por meio de X no fim de semana, ao mesmo tempo em que começou a se distanciar da reforma trabalhista que avança no Senado em meio ao consenso entre as diferentes forças, exceto o Pacto Histórico.

Jaime Berdugo, Vice-Ministro, e Armando Benedetti, Ministro do Interior. Foto: Nestor Gómez. O TIEMPO
Mas o que até terça-feira era uma possibilidade começou a ganhar força quando o chefe de Estado, em discurso, garantiu que emitiria o decreto convocando o referendo, argumentando que o Senado ainda não havia se manifestado.
"Vou decretar um referendo. O Tribunal Constitucional , sem dúvida, decidirá, e poderá decidir ou não, de acordo com as regras vigentes. Por que decretei um referendo? Porque nunca houve parecer favorável no Senado; eles trapacearam", afirmou o presidente, que foi assessorado, entre outros, pelo ex-procurador e ex-presidente do Tribunal Constitucional Eduardo Montealegre, um dos poucos ex-juízes que adota a posição de Benedetti.

O presidente Petro disse que o referendo poderia ser convocado por decreto. Foto: Presidência - Arquivo EL TIEMPO
Os alarmes estão soando porque essa medida, que especialistas descreveram como um "balão jurídico", ocorreu poucas horas após o anúncio da Casa de Nariño (Câmara dos Deputados de Nariño). A Casa de Nariño (Assembleia Nacional) insistiu que os colombianos iriam às urnas dentro de, no máximo, dois meses. Oito partidos políticos, aqueles com mais assentos na legislatura, emitiram um comunicado alertando sobre os riscos que essa medida representa para a democracia, o que desencadeou um amplo debate político e jurídico que, até o momento, deixa mais perguntas do que respostas sobre o caminho a seguir.
“O presidente Gustavo Petro anunciou sua intenção de assinar um decreto convocando um referendo, que já foi rejeitado pelo Senado da República. Essa decisão, se implementada, representaria uma violação grave, flagrante e direta da Constituição, uma violação da separação de poderes e um golpe direto ao Estado de Direito. O Congresso da República, como pilar da nossa democracia, exerceu sua função constitucional ao não aprovar o referendo, e essa decisão deve ser respeitada”, diz a carta assinada por Mudança Radical, Centro Democrático, Partido Conservador, Mira, Colômbia Justa Livre, Partido Liberal, Partido U e ASI.

Este foi o documento enviado ao Presidente Petro anunciando a rejeição do referendo. Foto: Arquivo privado
Esses grupos pediram ao secretário nacional, Hernán Penagos, que tenha em mente que o Senado já rejeitou o referendo caso este decreto seja promulgado — o que pode ocorrer nos próximos 10 dias, segundo estimativas do Palácio Presidencial. De fato, uma comunicação oficial foi enviada a ele nesta quarta-feira reiterando que a decisão já está registrada.
Caso seja emitido um decreto convocando um referendo, confiamos que o Registrador Nacional, no exercício de sua autonomia e independência funcional, agirá com pleno respeito à ordem constitucional e democrática, avaliando cuidadosamente a legalidade e a legitimidade de tal ato antes de estabelecer qualquer calendário eleitoral. O Registrador Nacional deve verificar o cumprimento dos requisitos e procedimentos legais estabelecidos antes de tomar qualquer decisão sobre o referendo", acrescentaram os partidos.
O presidente Petro respondeu aos alertas de um golpe de estado, dizendo: "Qualquer um que pense que pedir ao povo para decidir é um golpe deve ter dois cérebros".

Gustavo Petro apresentou seu referendo no Senado no dia 1º de maio. Foto: Néstor Gómez. O TIEMPO
O apelo dos sindicatos segue a mesma linha, pedindo que o diálogo e o consenso prevaleçam para avançar nas reformas estruturais por via legislativa, com parlamentares eleitos pelo povo.
"Apelamos ao governo para que respeite o quadro constitucional, as instituições e os canais democráticos estabelecidos e promova um diálogo genuíno, sem desqualificações ou imposições, que permita construir consensos em benefício do país", afirmou o Conselho Comercial em um comunicado.
O voto que negou o referendo existiu, como foi anunciado pelo presidente do Senado, realizado e certificado pelo secretário do Senado. Outra questão é se ele poderia ser invalidado devido à falha apontada por Benedetti (o que não acredito ser o caso).
“Expressamos nossa solidariedade ao Congresso da República e fazemos um apelo firme e sereno a todas as instituições do Estado para que assumam seu papel histórico na defesa da Constituição, da legalidade e da ordem democrática”, disse Jaime Alberto Cabal, presidente da Fenalco.
"Espero que o governo não continue nesse caminho. Isso pode estar criando uma violação gravíssima da ordem democrática do país", afirmou o presidente da Andi, Bruce MacMaster.
Os ex-presidentes, exceto Ernesto Samper, que era próximo do presidente Petro, cerraram fileiras e insistiram nos perigos que representava esse chamado da Casa de Nariño.
E se houve erro processual, não cabe ao governo agir como juiz. O caminho correto é recorrer ao Judiciário e deixar que ele tenha a palavra final sobre a validade ou não do voto, e não sobre a legalidade da convocação do referendo por decreto.

Benedetti garante que o decreto será publicado em breve . Foto:
“O voto que negou o referendo existiu, conforme anunciado pelo presidente do Senado, realizado e certificado pelo secretário daquele órgão. Outra questão é se ele poderia ser anulado devido à falha apontada por Benedetti (o que não acredito que seja). Mas enquanto não houver decisão judicial anulando o voto, ou o próprio Senado decidir reconsiderá-lo e repeti-lo, não há dúvida de que o voto existe, produz efeitos jurídicos e deve ser respeitado pelo presidente e pelo Ministro do Interior. Qualquer coisa menos do que isso constitui violação de prevaricação e grave violação da separação de poderes”, opinou o renomado jurista e colunista Rodrigo Uprimny.
Se o governo concretizar sua intenção, o controverso decreto será editado nos próximos dias — enquanto o Senado aprova (tudo indica que sim) a reforma trabalhista. Dezenas de ações judiciais já estão sendo movidas para tentar impedi-la como medida para proteger o Estado de Direito e a Constituição de 1991.
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