Cirurgia para depressão é um marco na Colômbia: 'É o último recurso' e é coberta pelo EPS.

Lorena Rodríguez tem 38 anos e luta contra a depressão há mais de duas décadas, uma condição que nem mesmo seis tratamentos diferentes conseguiram tratar. Durante esse tempo, Rodríguez correu risco de vida, passando dias sem conseguir sair da cama, trabalhar ou interagir com ninguém. Tudo mudou há poucos dias, quando uma equipe de médicos e neurocirurgiões implantou vários eletrodos em seu cérebro, um marco cirúrgico para o país.
O procedimento inovador, chamado Estimulação Cerebral Profunda (ECP), foi realizado no Hospital Internacional da Colômbia (HIC) e envolveu a implantação de quatro eletrodos em diferentes regiões profundas do cérebro. Esses eletrodos foram conectados a uma bateria no tórax, que emitia impulsos elétricos contínuos para regular a atividade cerebral, ajustável por controle remoto.

Todo o procedimento foi realizado com o paciente acordado e monitorado. Foto: HIC
Neste caso, foram feitas quatro perfurações no crânio. Até agora, normalmente, eram feitas apenas duas, pois eram implantados apenas dois eletrodos, mas neste procedimento, colocamos quatro — o que, em termos técnicos, são seis. Foram feitos quatro pequenos furos, de aproximadamente 4 milímetros cada, e a cirurgia foi realizada com o paciente deitado e acordado. Antes da implantação do eletrodo final, é inserido um cateter que atua como um para-raios e registra a atividade elétrica dos neurônios na área específica a ser atingida", explica o Dr. William Omar Contreras, neurocirurgião funcional e pesquisador associado do HIC.
O procedimento envolveu um planejamento preciso, utilizando técnicas avançadas de imagem cerebral, como a tractografia, que permite o mapeamento de circuitos emocionais. "É como enviar um míssil para um local específico", observa o especialista. A cirurgia é realizada com a paciente acordada para monitorar os efeitos imediatos da estimulação cerebral. "Ela estava sorrindo durante a cirurgia. Foi um resultado lindo", acrescenta o médico.
Em última análise, todo o sistema permanece dentro do corpo do paciente, que viverá com os eletrodos pelo resto da vida e continuará sob monitoramento médico. De tempos em tempos, Lorena precisará passar por uma cirurgia para substituir as baterias dos eletrodos, que permanecem presas ao peito do paciente. "O paciente pode ir para o mar, voar ou seguir sua vida normal. Nada fica exposto", explica Contreras.

Todo o procedimento foi realizado com o paciente acordado e monitorado. Foto: HIC
O procedimento não é uma cura definitiva, mas oferece uma alternativa funcional para pacientes cuja qualidade de vida é severamente limitada. "Não curamos nada, mas melhoramos a qualidade de vida da paciente. Ela pode voltar a sair, trabalhar, socializar e se interessar por um parceiro", explica o especialista. Lorena havia tentado seis tipos de antidepressivos, terapias cognitivo-comportamentais, estimulação magnética transcraniana e outros tratamentos, sem resultados duradouros. "Ela era uma pessoa com quase certeza de que cometeria suicídio. Ela já havia tentado suicídio. Passamos por um processo de dois anos para determinar se conseguiríamos realizar a intervenção com eficácia", acrescenta Contreras.
O especialista enfatiza que esse tipo de cirurgia só é considerado em casos extremos, após esgotadas todas as alternativas convencionais. "Os pacientes devem ser avaliados por pelo menos dois psiquiatras independentes. Ambos devem concordar que todas as alternativas possíveis foram tentadas", explica Contreras. Além disso, outras intervenções, como terapia eletroconvulsiva ou estimulação transcraniana repetitiva, devem ter sido realizadas. Como a cirurgia é minimamente invasiva e tem efeito contínuo, ela representa uma opção promissora para aqueles que convivem com depressão incapacitante há décadas.

A operação exigiu uma equipe multidisciplinar de especialistas liderada pelo Dr. Contreras. Foto: HIC
Mais de 400 cirurgias semelhantes a esta já foram realizadas no mundo todo — a primeira no Canadá. Mas a realizada no HIC se diferencia pela complexidade e pela multiplicidade de abordagens. "Até agora, a abordagem usual era implantar apenas dois eletrodos. Implantamos quatro, com estimulação direcionada a seis estruturas diferentes. É uma cirurgia pioneira", ressalta Contreras. A abordagem busca modular não apenas a tristeza profunda, mas também sintomas associados, como ansiedade, culpa e ruminação mental. "Os circuitos emocionais não passam apenas pela Rodovia 25 no cérebro. Outras 'vias' também devem ser estimuladas para obter resultados mais abrangentes", acrescenta.
Este avanço é resultado da experiência prévia de Contreras e sua equipe em procedimentos complexos, como cirurgias para agressividade grave, pacientes com transtornos do espectro autista e doenças como Parkinson. "Trabalhei em diferentes partes do mundo e liderei pesquisas sobre microdiálise cerebral. Tudo isso permitiu que esta cirurgia adotasse uma abordagem diferente", afirma o neurocirurgião. A operação simboliza não apenas uma evolução técnica, mas também uma mudança de paradigma no tratamento de doenças psiquiátricas graves por meio da neurocirurgia funcional.
É importante destacar que o marco alcançado também é reflexo do trabalho colaborativo entre diversas disciplinas. Este foi um esforço de um grupo funcional composto por neurologistas, psiquiatras, neuropsicólogos, epidemiologistas e eletrofisiologistas, incluindo, por exemplo, a Dra. Paula Millán e o Dr. Juan Esteban Rosales. Essa integração foi fundamental para o planejamento e a individualização da intervenção, desde a seleção dos pacientes até o acompanhamento pós-operatório.

O sistema de eletrodos permanecerá implantado no paciente por toda a vida. Foto: HIC
E, apesar da complexidade, a cirurgia é coberta pelo sistema de saúde colombiano. “Os pacientes têm direito à cirurgia por meio do seu EPS (Convênio Médico), desde que atendam aos requisitos clínicos e passem pela junta médica. O problema é que muitos desconhecem a existência do procedimento e, às vezes, nem os médicos responsáveis pelo tratamento os encaminham”, explica Contreras. O apelo do especialista é educar e desestigmatizar: “Isso não é falta de caráter. É uma tempestade interna que muitas vezes não se enfrenta sozinho. Há esperança, há ciência por trás disso e há acesso”, conclui.
Depressão: uma doença global que exige atenção Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão afeta 5% da população adulta global, com aproximadamente 280 milhões de pessoas sofrendo dessa condição, um número que está aumentando. Destes, 70 milhões são casos refratários, ou seja, não aderem ou apresentam melhora com nenhum tratamento, e estima-se que 350.000 possam ser candidatos à ECP em todo o mundo.
A estimulação cerebral profunda para depressão ainda é um procedimento raro, mas com resultados promissores, segundo Contreras. Ainda estamos muito longe de um estudo em que possamos avaliar claramente seu impacto em pacientes em números comparáveis. No entanto, é uma alternativa disponível para casos extremos, o que também coloca a Colômbia como exemplo global em neuromodulação e intervenções desse tipo.
Nesse sentido, Lorena, a paciente operada, fez um apelo aos que lutam contra a doença mental: “A vida que temos sempre valerá a pena ser vivida. Não nos subestimemos, não pensemos que somos fracos. Temos que conversar, temos que buscar ajuda. Todos nós deveríamos ter um psicólogo de atenção primária. A saúde mental é debilitante, às vezes mais do que uma doença física.”
Jornalista de Meio Ambiente e Saúde
eltiempo