“Aqui encontrei a paz”: em residência artística no Mónaco, a artista marfinense Lætitia Ky esculpe a beleza com o cabelo

Uma montanha-russa, é assim que Lætitia Ky define sua carreira. Seu trabalho tem sido reconhecido no mundo da arte pela originalidade e força de suas fotografias. Imagens que ela compõe sozinha, posicionando-se diante da câmera, cercada por formas que ela trança e esculpe com seus cabelos: uma pomba, um guarda-chuva, um rosto, um logotipo. Por trás da diversão, sua abordagem reconta ainda mais as reviravoltas de seus pensamentos.
O fio condutor sempre foi a defesa da beleza negra. Uma beleza que rejeitei por muito tempo porque cresci na Costa do Marfim, em um ambiente que me pressionava a rejeitá-la. Ao meu redor, todas as mulheres alisavam o cabelo com um produto químico. Uma rotina que me obrigaram a começar aos cinco anos de idade. E construí minha personalidade em torno do fato de que o cabelo ideal deve ser liso. Não é muito positivo para a autoestima, e eu era uma adolescente muito insegura.
“Eu queria ultrapassar os meus limites”
Os ditames são tenazes na cultura marfinense, onde cabelos crespos e naturais são vistos como antiestéticos. A adolescente começou a se questionar no dia em que perdeu um quarto do cabelo devido a um penteado muito apertado para um couro cabeludo dolorido. "Pesquisei no YouTube como fazer meu cabelo crescer e me deparei com vídeos de mulheres da comunidade afro-americana. Eu tinha dezesseis anos e foi a primeira vez que vi mulheres negras com cabelos naturais e felizes. Isso me fez pensar por que estávamos tentando alterar nossa natureza."
Lætitia Ky decidiu então raspar a cabeça, para começar do zero. E foram as imagens — mais uma vez — de penteados usados por mulheres na África Ocidental pré-colonial que a guiaram em direção às tranças naturais. "Eram como esculturas abstratas feitas com cabelo. Nessas sociedades, o cabelo não era apenas estético; permitia que as pessoas comunicassem sua classe social, sua etnia, sua profissão. Isso me fez querer experimentar."
Ela se tornou sua própria modelo, trançando o cabelo com extensões de acordo com suas ideias e dificuldades, para criar formas na cabeça com as quais se fotografava. Ela publicou o resultado no Instagram. "No início, eram formas geométricas, depois eu quis desafiar meus limites imaginando coisas mais sofisticadas, mesmo que eu fizesse tudo de forma caseira, me fotografando com meu celular, usando o temporizador e as paredes coloridas da nossa casa como pano de fundo."
Um dia, uma série de imagens em que ela imaginava um segundo par de mãos com os cabelos em volta do rosto viralizou. Como costuma acontecer no mundo digital, a máquina rapidamente saiu do controle. A jovem abandonou os estudos de marketing no momento em que as portas para o mundo das artes se abriram. "Ser artista não era uma carreira para meus pais. Mas trabalhar em um escritório não era a vida que eu queria, e minha mãe entendia isso. Com aquela primeira série de fotos virais, senti, no fundo, que estava no caminho certo para viver disso."
A agência Elite a convidou para representar seu país em um concurso. Em seguida, uma galeria italiana a selecionou para participar da prestigiosa Bienal de Veneza em 2022, onde Lætitia Ky descobriu suas obras pela primeira vez penduradas nas paredes de um salão de exposições.
"Muitas coisas me revoltam"
O episódio de Veneza funciona como um impulsionador da autoconfiança, o que se reflete em seu trabalho, que agora é seguido por meio milhão de pessoas no Instagram. "Quando vi minhas primeiras imagens, não havia nada de político, mas assim que algumas viralizaram, recebi muitas mensagens de mulheres negras, especialmente dos Estados Unidos e da França, que me disseram que ver minhas fotos lhes deu a confiança para amar seus cabelos e pele. Eu não tinha consciência desse efeito e queria dar mais propósito a ele. Sempre fui uma boca grande, isso veio naturalmente, porque muitas coisas me revoltam, especialmente o tratamento dado às mulheres africanas. Africanas ou não, aliás. A desigualdade feminina está em toda parte. Já testemunhei tantas injustiças que me revoltaram."
Suas tranças contam uma história em cada foto, denunciando direta ou sutilmente a predominância masculina. E enaltecendo o corpo feminino negro, em um caminho marcado em particular pelas icônicas Naomi Campbell, Beyoncé e Rihanna, que fizeram sua parte pela aceitação da beleza negra. "Mesmo que", qualifica a artista, "essas mulheres sejam obrigadas a se conformar a certos padrões que não são os da beleza negra. Nunca veremos Beyoncé ou Rihanna, que eu adoro, com um afro. E isso não é um problema, porque elas são livres para usar o que quiserem, mas diz muito que mesmo ícones negros adotem códigos que não são o que somos naturalmente. Gosto da atriz Lupita Nyong'o, que se mostra naturalmente. Quando pequena, não tive um exemplo de mulher que aceitasse completamente tudo o que representa ser negra."
"Em Mônaco, encontrei a paz"
Em Mônaco, onde reside até setembro em um dos estúdios nacionais cedidos a artistas de diversas origens, Lætitia Ky produziu uma série de fotografias combinando suas técnicas. "Gosto de me definir como uma artista versátil. Utilizo vários meios, pinto, escrevo, mesmo sendo conhecida por esculpir meu cabelo", lembra ela.
Fotografando-se no estúdio ou nas ruas de Mônaco, adornada com seus penteados, ela então reelaborou as imagens, intervindo com tinta para criar peças entre a fotografia e a tela, que se destacam. Um novo formato de expressão se libertou no Principado, onde a artista se estabeleceu. "Aqui encontrei a calma, respirei, recarreguei as energias."
Ela também pôde ir a Cannes em maio passado, onde o filme " Promised Heaven" , no qual ela estrela, foi selecionado para o Festival de Cinema. Outra trança em seu cabelo, a de uma atriz. Qual direção para sua carreira? "Tenho muito pouca visão de longo prazo", ela avisa. "Eu sigo o fluxo, mas tenho pequenas coisas que me dizem que estou no caminho certo."
Nice Matin