Desfiles, bandeiras e canções: a campanha para forçar as crianças ucranianas a amar a Rússia

Aprender a amar a Rússia começa cedo para as crianças nas áreas ocupadas do leste da Ucrânia.
Em uma creche em Luhansk, mais de 70 jovens fazem fila segurando uma longa faixa militar russa preta e laranja no formato da letra Z, símbolo da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Do outro lado da cidade, sete meninas pulam e gesticulam em frente a uma bandeira russa ao som da música estridente "Eu sou russa", que ecoa pelos alto-falantes. Quando a música para, elas gritam juntas: "Eu sou russa".
Em uma cidade ocupada chamada Antracite, crianças da creche fizeram velas de trincheira e cobertores para soldados russos.
Tudo faz parte de uma campanha que busca não apenas apagar a identidade nacional da Ucrânia, mas também colocar os jovens ucranianos contra seu próprio país.
Para fazer isso com crianças, você precisa de professores e, como muitos professores ucranianos fugiram, o governo em Moscou começou a oferecer quantias fixas de 2 milhões de rublos (£ 18.500) para professores russos dispostos a se mudar para partes ocupadas da Ucrânia.
A maior e mais poderosa organização russa envolvida com crianças é a Yunarmia (Exército da Juventude).
Afiliada ao Ministério da Defesa da Rússia, aceita membros a partir de oito anos. Opera em toda a Rússia e agora possui filiais em áreas ocupadas da Ucrânia.
"Estamos fornecendo às crianças algumas habilidades básicas que elas acharão úteis caso decidam ingressar no serviço militar", diz Fidail Bikbulatov, que dirige a seção da Yunarmia nas áreas ocupadas da região de Zaporizhzhia, no sudeste da Ucrânia.
Bikbulatov foi enviado do Bascortostão, na Rússia, onde chefiou a divisão "Guarda da Juventude" do partido no poder, Rússia Unida.

A UE sancionou Yunarmia, e Bikbulatov pessoalmente, pela "militarização de crianças ucranianas". Yunarmia também é alvo de sanções do Reino Unido por participar da campanha russa de "lavagem cerebral" de crianças ucranianas.
A Yunarmia não está sozinha. Outras organizações estatais russas que se mobilizaram incluem o "Movimento dos Primeiros" e o "Guerreiro", uma rede de centros para "treinamento militar e atlético, e educação patriótica de jovens", criada por ordem do presidente russo Vladimir Putin.
Esses grupos organizam competições como os jogos Zarnitsa, originários da era soviética, onde crianças ucranianas precisam demonstrar "conhecimento militar geral, conhecimento do estado russo e da história militar, além de habilidades de tiro com armas de fogo".
À medida que as crianças progridem no sistema educacional, elas são ensinadas em russo, usando o currículo russo e livros didáticos que justificam a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Um desses livros retrata a Ucrânia como pouco mais que uma invenção ocidental criada para irritar a Rússia e argumenta que a civilização humana possivelmente teria acabado se a Rússia não tivesse invadido a Ucrânia em 2022.
Lisa, que frequentava uma escola na Donetsk ocupada, diz que os alunos eram forçados a participar de eventos que celebravam a Rússia e a URSS.
"Quando estavam preparando algum tipo de desfile, eu, toda a minha turma e todo o meu ano fomos obrigados a comparecer todos os fins de semana e treinar. Tínhamos que segurar cartazes. Eu não podia dizer não, não era minha escolha. Disseram-me que eu tinha que fazer isso para me formar", conta Lisa.
"Toda vez que as aulas começavam, nossa professora nos fazia ficar de pé, colocar a mão no coração e ouvir o hino russo, que ela também nos fazia decorar."
Lisa agora mora nos EUA e tem postado sobre suas experiências no TikTok.

Soldados russos em serviço também desempenham um papel na campanha de doutrinação, visitando escolas para dar as chamadas "aulas de bravura". Eles glorificam seus feitos na guerra e retratam as forças ucranianas como neonazistas violentos e indisciplinados.
Pavel Tropkin, um funcionário do partido governista Rússia Unida, atualmente sediado na parte ocupada da região de Kherson, diz que essas aulas são realizadas "para que as crianças entendam os objetivos" do que o Kremlin chama de "operação militar especial" na Ucrânia.
Fora da escola, crianças ucranianas são levadas para ver exposições especialmente organizadas que glorificam a Rússia e a "operação militar especial".
Um centro que organiza essas viagens está sediando exposições chamadas "Rússia - Minha História" e "Heróis da Operação Militar Especial" em Melitopol, na região de Zaporizhzhia.
As viagens não param por aí.
O Kremlin também lançou uma grande campanha para levar crianças ucranianas em passeios pela Rússia como parte dos esforços para incutir sentimentos pró-Rússia.
A ministra da Cultura da Rússia, Olga Lyubimova, afirma que mais de 20.000 crianças de territórios ucranianos ocupados foram levadas para a Rússia por meio de um único programa, denominado "4+85". De acordo com a agência de concertos do governo russo, Rosconcert, que administra o programa, ele busca "integrar a nova geração a uma sociedade russa unificada".
No entanto, a campanha de "integração" da Rússia vai muito além da doutrinação.
Milhares de crianças ucranianas levadas para a Rússia durante os três anos de invasão em grande escala não foram autorizadas a retornar.
Segundo o governo ucraniano, mais de 19.000 crianças ucranianas foram deportadas à força para a Rússia. O governo do Reino Unido estima que cerca de 6.000 crianças ucranianas foram realocadas para uma rede de "campos de reeducação" na Rússia.
O direito internacional humanitário proíbe atividades como essa. Por exemplo, a Quarta Convenção de Genebra estabelece que uma potência ocupante não pode alistar crianças "em formações ou organizações a ela subordinadas" e que não pode aplicar "nenhuma pressão ou propaganda que vise garantir o alistamento voluntário" de moradores de áreas ocupadas em suas forças armadas ou auxiliares.
Em 2023, o TPI emitiu um mandado de prisão contra o presidente Putin , em parte pela deportação ilegal de crianças. Putin e seu governo negam as acusações.
Ao travar sua guerra contra a Ucrânia, a Rússia não busca apenas território. Ela também tenta deixar sua marca nas pessoas que vivem lá, não importa quão jovens sejam.
BBC