Leonardo Sakamoto: Com 'diplomacia das armas', Israel evita embargo do Brasil, diz pesquisador

Na conversa com o UOL, o professor detalha os vínculos entre Israel e os governos de Brasil, Chile, México e Colômbia, incluindo as tensões internas enfrentadas por líderes de esquerda ao adotarem posições críticas em relação aos crimes contra a humanidade em Gaza. Mostra como setores militares, religiosos e econômicos atuam para bloquear embargos e romper relações, e como a pressão dos Estados Unidos ainda funciona como força dissuasiva para medidas mais contundentes.
O ataque terrorista do grupo Hamas a Israel deixou mais de 1,1 mil mortos, em 7 de outubro de 2023, segundo o governo Netanyahu. Desde então, a reação de Israel produziu mais de 58,4 mil mortos em Gaza, segundo o serviço de saúde local controlado pelo Hamas. O número, contudo, pode ser maior. Estudo da Universidade de Londres apontou uma estimativa de 75 mil óbitos até janeiro deste ano, com 56% das vítimas sendo mulheres, crianças ou idosos.
Você aponta contradição entre o apoio político da América Latina à Palestina e os fortes laços militares e econômicos com Israel. Como explica essa dualidade?
Ela se construiu na época da Guerra Fria e das ditaduras aqui na região. Israel atuou nos países auxiliando os governos, provendo armas e treinamento e outras técnicas de repressão social, que desenvolveu nos conflitos com países árabes. Também atuou como representante de interesses norte-americanos, onde os EUA não podiam atuar. O governo Jimmy Carter, por exemplo, fez uma política externa de direitos humanos e, consequentemente, Israel entrou como seu substituto. Tornou-se parceiro militar do Chile, da Argentina, da América Central, onde nos anos 1980, as guerrilhas eram fortes. E também aqui no Brasil, Israel era um parceiro relevante. As relações militares eram uma forma de manter sua relevância em regiões disputáveis, na qual as oposições socialistas apoiavam a causa palestina, mas não tinham relevância regional. E as elites políticas, particularmente, os militares, partilhavam de uma mesma visão de mundo que os generais israelenses, vendo os palestinos de uma forma semelhantes aos guerrilheiros.
E como isso se manteve após a Guerra Fria?
Vai se manter na Guerra às Drogas e na Guerra ao Terror. O Brasil e a América Latina têm políticas de repressão militarista contra o comércio de substâncias consideradas ilícitas em regiões periféricas. A Colômbia vai ser o principal parceiro militar israelense, mas o Brasil, no contexto do primeiro governo Lula, se aproxima muito de Israel porque queria se apresentar como mediador da paz no Oriente Médio. Para tanto, Israel exigiu contrapartidas do país. E, aproveitando os grandes eventos internacionais que estávamos realizando, o Brasil acabou se tornando um dos dez maiores compradores de armas de Israel no século 21.
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