Portugal na CEE: A banda sonora de uma transformação

Em 1981, os GNR lançavam uma canção que viria a ser premonitória e, para muitos, a trilha sonora de uma mudança de era. Portugal na CEE ressoava como desejo e destino. Quatro anos depois, a profecia pop ganhava forma solene: a 12 de junho de 1985, no imponente cenário do Mosteiro dos Jerónimos, Portugal assinava o Tratado de Adesão às Comunidades Europeias. A 1 de janeiro de 1986, a entrada era oficial. Estávamos, finalmente, “na Europa”.
Quarenta anos volvidos, o país é outro. E, ao contrário do que tantas vezes acontece com bandas sonoras, esta ainda não acabou, continua a tocar, com remisturas, altos e baixos, e algumas pausas para afinação.
O processo de adesão começou formalmente em 1977, apenas três anos após a Revolução de Abril. Portugal ainda tentava perceber como se constrói uma democracia e já tinha o olhar voltado para o continente. Entre descolonização, crise económica, eleições constituintes e uma sociedade em fermentação, a integração europeia foi vista, desde o início, como uma âncora de estabilidade e uma alavanca para o desenvolvimento. Como sublinhou Mário Soares, ainda em 1977, “ignorar esta realidade só aumentaria as diferenças… com todos os perigos de desintegração”. A Europa era, para Portugal, tanto um horizonte político como uma necessidade prática.
Curiosamente (ou talvez não) o projeto europeu conseguiu juntar no mesmo refrão figuras com visões ideológicas opostas. Mário Soares e Francisco Sá Carneiro, dois dos protagonistas da política pós-25 de Abril, viam na Europa um desígnio nacional. A criação de consensos à volta da adesão à CEE, sobretudo entre PS e PSD, é um dos raros momentos de “bloco central” que resultaram em algo mais do que pragmatismo político: foi estratégia com visão.
E os resultados, com todas as reservas e atrasos, são palpáveis. Em 1985, o PIB per capita português correspondia a 53% da média da então Comunidade Económica Europeia. Em 2022, esse valor situava-se nos 76% (e nos 82%, se incluirmos paridade de poder de compra, segundo o Instituto +Liberdade).
Ao longo destas décadas, Portugal beneficiou de mais de 100 mil milhões de euros em fundos europeus. Estradas, ferrovias, saneamento, programas de juventude, digitalização, ensino superior — o país modernizou-se com apoio europeu. Só em autoestradas, foram construídos mais de 1900 km. A rede de saneamento cobre hoje mais de 90% da população. Projetos como a Ferrovia 2020 ou a Iniciativa Emprego Jovem são herdeiros diretos desse investimento.
Claro que nem tudo soa a melodia bem afinada. A taxa de execução dos fundos, particularmente no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), continua a desafinar. No final de 2023, apenas 21% dos fundos tinham sido executados. Além disso, a perceção pública sobre os fundos europeus permanece surpreendentemente vaga, como se estivéssemos a ouvir uma música importante, mas em fundo, enquanto fazemos outra coisa.
E é aqui que o tom da canção muda. Porque se os efeitos estruturais da integração são visíveis, os efeitos estratégicos, a capacidade de planear, reformar, mobilizar, continuam abaixo das potencialidades. Quarenta anos depois, Portugal ainda hesita entre ser protagonista na União ou mero figurante num palco que não entende bem como funciona.
Mas mesmo com todas as notas trocadas, há algo que permanece: o espírito do projeto europeu como uma promessa de convergência, modernização e futuro partilhado. A Europa de 2025 não é a de 1985, e Portugal também não. Mas os princípios continuam válidos: abertura, cooperação, confiança nas instituições e aposta nos cidadãos.
Celebrar o 12 de junho de 1985 é mais do que recordar um momento histórico. É relembrar que a entrada na CEE foi uma escolha. E que essa escolha se renova, ou se esquece, todos os dias.
A canção dos GNR pode ter sido irónica. Mas hoje soa mais a crónica de um caminho ainda em aberto. Cabe-nos decidir se continuamos a cantá-la por nostalgia… ou por convicção.
Mestrando em Economia Internacional e Estudos Europeus no ISEG. Licenciado em Estudos Europeus pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
sapo