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Sócrates vai ser mesmo ser julgado duas vezes?

Sócrates vai ser mesmo ser julgado duas vezes?

Após cerca de 45 minutos de leitura numa sala do segundo piso do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC), a juíza Sofia Marinho Pires concluiu a decisão instrutória do ‘mini-processo’ da Operação Marquês com a pronúncia do ex-primeiro-ministro José Sócrates e do empresário Carlos Santos Silva por três crimes de branqueamento de capitais. A magistrada confirmou ainda a prescrição dos três crimes de falsificação de documento que eram anteriormente imputados aos dois arguidos.

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A decisão, que já se adivinhava ao longo da leitura com a validação da existência de indícios suficientes de cada um dos crimes de branqueamento — relacionados com a utilização de contas bancárias da sociedade RMF Consulting, de Inês do Rosário (companheira de Carlos Santos Silva) e de João Perna (ex-motorista de José Sócrates) —, trouxe, porém, um novo dado: a eventual junção destes autos ao processo principal da Operação Marquês.

“É essencial à boa decisão da causa que estes factos sejam julgados conjuntamente, sendo também necessário para evitar a repetição de produção de prova e a eventual contradição de julgados”, afirmou a magistrada do TCIC, que, nesse sentido, determinou que seja dado “conhecimento da presente decisão ao processo 122/13.8TELSB [processo principal da Operação Marquês] para os fins tidos por convenientes”.

"É essencial à boa decisão da causa que estes factos sejam julgados conjuntamente, sendo também necessário para evitar a repetição de produção de prova e a eventual contradição de julgados"

Sofia Marinho Pires, juíza de instrução

Com essa declaração, a juíza Sofia Marinho Pires acabou por acrescentar vários pontos de interrogação ao futuro imediato da Operação Marquês. O ‘mini-processo’ vai mesmo juntar-se ao processo principal? O julgamento que tinha início agendado para 3 de julho vai ser adiado? Quem vai decidir sobre essa matéria? E quando poderá ser conhecida essa decisão? O Observador responde a oito perguntas e respostas sobre o caso.

Quando o juiz Ivo Rosa tomou em abril de 2021 a decisão instrutória sobre a acusação original da Operação Marquês, dividiu o processo em dois blocos:

O Bloco B, sobre o qual versou o acórdão da Relação de Lisboa de janeiro de 2024 que recuperou a maior parte da acusação e pronunciou para julgamento 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, diz respeito ao julgamento cujo início está marcado para 3 de julho no Juízo Central Criminal de Lisboa.

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Já o Bloco A deu lugar a um recurso do Ministério Público (MP) e de vários arguidos para a Relação de Lisboa por alteração substancial dos factos. Ou seja, Ivo Rosa teria alterado os factos da acusação original — ato expressamente vedado a qualquer juiz de instrução. A Relação de Lisboa veio dar razão aos recorrentes em março de 2025 e anulou a decisão de pronúncia de Ivo Rosa, obrigando o Tribunal Central de Instrução Criminal a tomar uma nova decisão — o que só aconteceu esta quarta-feira.

O tribunal validou a acusação do MP contra José Sócrates?

Sim, reconheceu que existem “consistentes indícios de que José Sócrates é o ‘homem de fundo’ e que Carlos Santos Silva é a pessoa nomeada para agir no seu esquema de branqueamento. Está suficientemente indiciada a acusação, razão pela qual se decide pronunciar os arguidos nos exatos termos da acusação”, afirmou Sofia Marinho Pires durante a leitura da decisão instrutória.

A lei impõe que um juiz de instrução criminal só deve pronunciar um arguido para julgamento se estiver convencido de que existe uma elevada probabilidade de ser condenado com as provas indiciárias reunidas pelo MP.

A juíza Sofia Marinho Pires reconheceu que existem "consistentes indícios de que José Sócrates é o homem de fundo e que Carlos Santos Silva é a pessoa nomeada para agir no seu esquema de branqueamento. Está suficientemente indiciada a acusação, razão pela qual se decide pronunciar os arguidos nos exatos termos da acusação

Certo igualmente é que a juíza Sofia Marinho Pires considera que este processo deve ser junto ao processo principal da Operação Marquês — o tal que tem julgamento marcado para 3 de julho e que reúne José Sócrates e mais 21 arguidos, acusados da alegada prática de 118 crimes.

Quais os argumentos da juíza para defender a junção dos processos?

A magistrada Sofia Marinho Pires invocou vários argumentos para defender a junção dos processos, depois de ter considerado que devia pronunciar José Sócrates e Carlos Santos Silva “nos exatos termos da acusação” pelos três crimes de branqueamento. Com efeito, além de ter recordado que a separação processual na Operação Marquês se deveu à anterior decisão instrutória assinada pelo juiz Ivo Rosa, em abril de 2021, a juíza do Tribunal Central de Instrução Criminal elencou os seguintes aspetos:

  • “É essencial à boa decisão da causa que estes factos sejam julgados conjuntamente, sendo também necessário para evitar a repetição de produção de prova e a eventual contradição de julgados”, justificou a juíza de instrução;
  • Os crimes de corrupção precedentes dos crimes de branqueamento pelos quais os arguidos estão pronunciados nestes autos são objeto do processo 122/13.8TELSB;
  • Nos autos do processo principal estão pronunciados para julgamento os arguidos Inês do Rosário, João Perna, Rui Mão de Ferro e a sociedade RMF Consulting pela prática em coautoria dos mesmos crimes de branqueamento pelos quais José Sócrates e Carlos Santos Silva respondem no ‘mini-processo’;
  • A advogada do empresário, Paula Lourenço, referiu inclusivamente no debate instrutório (realizado no passado dia 3) que o arguido já se defendeu dos crimes de branqueamento deste ‘mini-processo’ na contestação apresentada para o julgamento do processo principal;
  • A prova testemunhal e documental (seja documentação bancária ou escutas) recolhida pelo MP é comum aos dois processos.

A junção dos processos não foi uma determinação formal da juíza Sofia Marinho Pires, mas antes uma sugestão para a juíza de julgamento do processo principal: Susana Seca.

Fontes judiciais ouvidas pelo Observador dividem-se sobre o futuro relativamente a esta eventual junção dos processos, sendo neste momento impossível adivinhar qual será a posição da juíza Susana Seca.

Por um lado, argumenta-se que a junção dos dois processos “teria toda a lógica”, em função dos factos interligados que estão em jogo nos dois processos, com factos, arguidos e crimes em comum.

É igualmente invocado o argumento de que uma junção dos processos não teria um efeito significativo sobre o andamento do processo principal. Apesar de ter o início do julgamento marcado para 3 de julho, um adiamento seria pouco expressivo e, devido à “natureza urgente” dos autos dos dois processos, os prazos para a entrega de contestação pelas defesas continuariam a correr durante as férias judiciais, pelo que o julgamento poderia estar em condições de “começar em setembro ou outubro”.

O empresário Carlos Santos Silva, à chegada para o terceiro dia de audição no Tribunal Central de Instrução Criminal, durante a fase de instrução da 'Operação Marquês', em Lisboa, 29 de novembro de 2019. RODRIGO ANTUNES/LUSA

Carlos Santos Silva

RODRIGO ANTUNES/LUSA

Outra fonte judicial ouvida pelo Observador acredita que a juíza do julgamento não irá querer esperar por uma junção, “até porque haverá crimes no processo principal que podem prescrever no início de 2026 e essa situação iria atrasar ainda mais o julgamento” da Operação Marquês.

“Com a junção, o julgamento nunca começa antes de outubro ou novembro. E isso com os prazos a serem cumpridos rapidamente”, alega a mesma fonte conhecedora do processo, que prevê ainda que o julgamento possa não arrancar logo a 3 de julho, mas numa das outras datas já marcadas, reajustando a calendarização após ouvir o Ministério Público e as defesas dos arguidos.

Todavia, importa lembrar que a magistrada que vai presidir ao coletivo de julgamento já recusou em março deste ano um pedido do MP para separar os factos relacionados com Vale do Lobo para um julgamento à parte. A fundamentar essa decisão de Susana Seca esteve o desejo de celeridade — que levou à marcação de mais de 50 dias de julgamento até ao final do ano — e o argumento de que uma separação não anularia o risco de prescrição que pende sobre vários crimes na Operação Marquês.

Ou seja, se Susana Seca não quis separar processos por considerar que tal não evitaria prescrições, uma hipotética junção dos autos poderá traduzir-se num risco acrescido de que mais crimes possam prescrever até haver uma decisão final.

Se houver junção dos processos, o julgamento pode começar a 3 de julho?

Não. Esta é a questão mais fácil de responder por uma razão muito simples: uma decisão de juntar o ‘mini-processo’ ao processo principal da Operação Marquês — repondo o único processo, conforme existia antes da decisão instrutória de Ivo Rosa em 9 de abril de 2021 — implica que seja dado um novo prazo às defesas de José Sócrates e Carlos Santos Silva para apresentarem as suas contestações por estes ‘três novos crimes’ de branqueamento de capitais. Ou seja, o início do julgamento teria, nesse cenário, de ser sempre adiado.

Juiz Ivo Rosa na leitura da decisão instrutória de 9 de abril de 2021

MÁRIO CRUZ/LUSA

O prazo normal para a apresentação de contestação para um julgamento é de 20 dias. No entanto, esse prazo pode ser prorrogado, mediante o reconhecimento da especial complexidade do processo. Nos autos do processo principal, a juíza de julgamento concedeu inicialmente 50 dias às defesas para entregarem as suas contestações, acedendo posteriormente a pedidos de prorrogação que acabaram por estender o prazo para 65 dias.

Quem tem de decidir sobre uma eventual junção dos processos?

A decisão está agora nas mãos da juíza de julgamento, Susana Seca. Uma vez que a junção defendida pela magistrada Sofia Marinho Pires não foi formalmente determinada, mas sim remetida à juíza de julgamento “para os fins tidos por convenientes”, a juíza presidente do coletivo que vai julgar o processo principal da Operação Marquês tem liberdade para se pronunciar.

Segundo as fontes contactadas pelo Observador, caso a juíza Susana Seca decida que a junção de processos é inconveniente para a tramitação do processo principal, pode fazê-lo sem sequer ouvir o MP ou as defesas. Tudo porque essa decisão não altera nada relativamente ao estado atual dos dois processos.

No entanto, caso Susana Seca esteja efetivamente a ponderar uma junção processual, poderá querer ouvir o que o Ministério Público ou as defesas dos arguidos têm a dizer sobre essa situação.

Paralelamente, até ao momento nenhuma das partes pediu essa junção dos processos, mas isso pode, em teoria, ser ainda efetuado até ao início do julgamento do processo principal. Em teoria e em abstrato, até José Sócrates pode pedir a junção dos processos.

A decisão sobre a junção dos processos é recorrível?

Sim, quer o Ministério Público, quer as defesas de José Sócrates e de Carlos Santos Silva podem recorrer da decisão que Susana Seca venha a tomar sobre a questão da junção do ‘mini-processo’ da Operação Marquês aos autos do processo principal, no qual estão os 22 arguidos pronunciados por 118 crimes económico-financeiros, na sequência do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em janeiro de 2024.

Um hipotético recurso dessa decisão tem, à partida, efeito devolutivo. O que quer dizer que não suspende a marcha do processo.

Quando poderá ser conhecida a decisão sobre a junção dos processos?

Uma decisão da juíza Susana Seca sobre a junção dos processos deverá ser conhecida nas próximas três semanas, tendo em conta o início do julgamento do processo principal marcado para 3 de julho.

Por agora, o advogado Pedro Delille, que representa José Sócrates no processo, anunciou que vai arguir nulidades num prazo de oito dias (aos quais pode acrescer mais três dias com o pagamento de multa) e ainda recorrer de uma alegada alteração substancial dos factos. As decisões instrutórias não são, por norma, recorríveis, exceto quando seja reconhecida a existência de uma alteração substancial dos factos imputados aos arguidos.

O advogado do antigo primeiro-ministro, José Sócrates (ausente da foto), Pedro Delille, à chegada ao Tribunal Central de Instrução Criminal, para a audição no debate instrutório de processo secundário da Operação Marquês, onde responde por seis crimes, em Lisboa, 03 de junho de 2025. Em causa está um processo que acabou por ser separado da Operação Marquês e no âmbito do qual o juiz Ivo Rosa mandou para julgamento, em abril de 2021, José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva pela alegada prática, em coautoria, de três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documento. ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Pedro Delille à entrada do tribunal

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

No entanto, as fontes judiciais ouvidas pelo Observador não anteveem futuro a este recurso, ao alegarem que a defesa do ex-primeiro-ministro já recorreu por uma alteração substancial dos factos na decisão instrutória de Ivo Rosa e que a decisão desta quarta-feira não representou uma situação deste tipo.

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