Turismo de verão: o sol que ilumina… e também queima

À medida que o turismo se consolida como um dos motores da economia portuguesa, é importante questionar até que ponto esta dependência é desejável. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, em 2023, a atividade turística — incluindo efeitos diretos e indiretos — representou 12,7% do Produto Interno Bruto (PIB), num total de 33,8 mil milhões de euros, contribuindo assim com 1,1 pontos percentuais para o crescimento real deste indicador, que se situou nos 2,3%. A acentuar da nossa dependência é algo de expressivo: em 2021, o sector do turismo foi responsável pela criação de “apenas” 7,8% da nossa riqueza.
Será de destacar que o verão é o epicentro desta vitalidade económica. Entre junho e setembro de 2024, Portugal recebeu mais de 13 milhões de hóspedes, dos quais cerca de dois terços eram estrangeiros. Em apenas quatro meses, o setor hoteleiro gerou quase 40% da sua faturação anual. No entanto, o verão turístico cria um verdadeiro “efeito onda”, o qual beneficia áreas tão distintas como a logística, os seguros, o imobiliário e até o setor tecnológico, que tem visto crescer a procura por soluções digitais para reservas, mobilidade e experiências turísticas. Este impulso estival tem, inegavelmente, mérito. Gera emprego — cerca de 7% do total nacional —, dinamiza regiões periféricas e reforça as receitas fiscais. Funciona ainda como uma poderosa montra internacional. Muitos visitantes regressam aos seus países levando consigo uma imagem positiva da gastronomia, do artesanato, do vinho, da hospitalidade e até da inovação portuguesa. Esta exportação simbólica tem valor económico real.
Ao mesmo tempo, desprezar os efeitos colaterais deste fenómeno seria irresponsável. Desde logo pela precariedade laboral que marca o setor turístico, a qual não pode continuar a ser ignorada. Na verdade, a sazonalidade que caracteriza o turismo do sul da Europa leva a vínculos frágeis, mal remunerados e concentrados num curto espaço de tempo. Tal gera desequilíbrios regionais e contribui para a instabilidade económica de milhares de trabalhadores. Há, também, a questão das infraestruturas. A pressão exercida sobre os serviços públicos nos meses de verão é, por vezes, insustentável. Aeroportos, transportes, hospitais e redes básicas de abastecimento são levados ao limite. Assim, ou se investe em infraestruturas sobredimensionadas para responder ao pico da procura — com custos elevados para os contribuintes — ou aceitamos falhas sistemáticas de funcionamento durante os períodos de maior afluência. Também o mercado habitacional tem sido profundamente afetado. A (legítima) transformação de habitações em alojamento local e a compra massiva de imóveis por estrangeiros têm contribuído para a subida dos preços e a redução da oferta disponível para os residentes. Este impacto é particularmente sentido nas grandes cidades e em zonas turísticas, agravando a crise de habitação que já afeta milhares de portugueses. Finalmente, importa lembrar que uma economia excessivamente dependente do turismo é vulnerável. A pandemia da covid-19 foi uma lição dura. Em 2020, a quase total ausência de turistas provocou um colapso parcial em vários sectores e expôs os riscos da monocultura económica.
Em suma, o verão e o turismo são, sem dúvida, aliados poderosos da economia portuguesa. O seu impacto é visível nas estatísticas, nos territórios e no quotidiano de milhares de trabalhadores e empresas. Porém, é fundamental que esta aliança seja ponderada estrategicamente. A dependência excessiva de um único setor — e de um único ciclo temporal — deixa o país exposto a riscos significativos e limita o seu potencial de crescimento equilibrado. Assim, o desafio está em garantir que o impacto económico positivo do verão se prolongue para lá de setembro, contribuindo para uma economia mais coesa, justa e resiliente. Investir em turismo sustentável, na qualificação da força de trabalho, na redistribuição territorial da procura e na criação de sinergias com outros setores são caminhos possíveis — e cada vez mais necessários. O verão continuará a ser sinónimo de sol e mar, mas pode também passar a significar inovação, coesão e desenvolvimento a longo prazo.
NOTA: Este artigo apenas expressa a opinião do seu autor, não representando a posição das entidades com as quais colabora
sapo