A Esquerda atropelada pela realidade

As políticas de esquerda, e os seus respetivos partidos, foram derrotadas de forma histórica e devastadora. O Partido Socialista (PS), que nos últimos 50 anos tinha sido a força dominante, viu o apoio ruir a valores embaraçosos, podendo ainda ser ultrapassado pelo Chega no que toca a número de deputados. Este resultado deve-se sobretudo à incapacidade de compreender as frustrações do eleitorado, alheado das suas “bolhas” e preocupações com a estabilidade de um governo que eles próprios quiseram derrubar.
Para ajudar a este cenário aterrador, várias foram os comentadores que se apressaram a apontar todos os dedos das duas mãos, lastimando os resultados, a Pedro Nuno Santos, responsabilizando-o pela “catástrofe”, esquecendo-se que o mesmo PS, com a governação de António Costa, e se quisermos ser mais profundos, com a governação de Sócrates, já tinha lançado as sementes da sua própria decadência.
O resultado destas eleições é um indicador claro do cansaço dos portugueses com o modelo político que não consegue gerar crescimento económico nem progresso social. A teoria da esquerda não se traduziu em ações políticas com resultados palpáveis e o eleitorado cobrou o preço nas urnas.
Por estes dias, ouve-se e lê-se sempre a mesma ladainha de que a esquerda é a única origem de mudanças respeitáveis, mesmo que a factualidade dos últimos 50 anos contrarie essa teoria, e que qualquer outra escolha feita pelos eleitores não é legitima e indica que os eleitores são ignorantes. Mas essa narrativa caiu por terra. O país onde os órgãos de comunicação social absorveram e propagandearam a falácia de que um Estado forte poderia ser um instrumento de mudanças, viu-se confrontado com a verdade de que a mudança não foi provocada por eles. E, ainda mais importante, não foi percebida por eles.
As projeções falharam, os comentadores, que diziam que o Chega não cresceria mais, falharam, porque o desfasamento entre a bolha político-mediática e um país real é cada vez maior.
A possível consolidação do Chega como a segunda maior força parlamentar, com 1.345.575 votos e uma subida percentual de 18,1% para 22,5%, não é um fenómeno isolado, mas sim um reflexo de uma tendência mais ampla que afeta toda a Europa, onde partidos de direita têm vindo a ganhar terreno.
Não perceber este fenómeno e continuar a desvalorizar este resultado, classificando os seus eleitores como “grunhos” ou “iletrados” é a visão distorcida muito habitual de comentadores e da comunicação social que vivem numa bolha, alheios à realidade da maioria do país.
O voto no Chega não é mais do que um voto consciente à procura de uma solução para a vida de cada português e de cada família. É um voto de descontentamento profundo com um sistema que não soube responder às suas necessidades.
São os trabalhadores que deixaram de acreditar nas promessas dos comunistas, os jovens que têm de emigrar por falta de oportunidades, são as famílias que não ganham o suficiente para pagar as suas contas apesar de terem trabalho, muitas vezes até mais do que um, são os que vivem na periferia das grandes cidades e que enfrentam horas infinitas em transportes públicos escassos e degradados, são os cidadãos que dependem de um serviço nacional de saúde que não dá resposta, são os que enfrentam uma burocracia que sufoca qualquer negócio, são os que esperam por justiça durante décadas, são os que veem a imigração descontrolada bater-lhes à porta com impacto direto nos bairros onde vivem, sem ouvirem uma palavra de apoio dos políticos mais importados com o politicamente correto, ao invés de resolver os problemas reais. A imigração é um tema que era tabu até o Chega o ter trazido à mesa do debate, obrigando, inclusive, a que Pedro Nuno Santos tenha tido um ato de contrição quando assumiu que o PS não fez tudo bem na questão da imigração.
Nesse sentido, é de extrema importancia que a AD perceba que enquanto não tratarem do problema da pressão sobre os serviços públicos, o Chega terá “via verde” para crescer. O PS não percebeu isto, a AD já percebeu, ainda que envergonhadamente, e tem agora uma boa oportunidade para, em conjunto com a maioria de direita parlamentar, resolver.
Engane-se quem acha que o eleitorado do Chega é inculto. É um eleitorado que sente na pele os problemas que existem, por exemplo na Almirante Reis, e que os “iluminados” da Lapa nem sabem o que significa, ou simplesmente ignoram.
Pela primeira vez em democracia há uma maioria parlamentar que ultrapassa os dois terços, a Aliança Democrática (AD) e a Iniciativa Liberal (IL) enfrentam, por isso, um desafio e uma oportunidade histórica. Falar com o Chega. Não podem, nem devem, ignorar a vontade dos portugueses expressa nas urnas. Seria um erro estratégico e um desrespeito pela democracia.
A direita parlamentar tem agora a coragem e a força para fazer as reformas necessárias. Não há desculpas de “linhas vermelhas” ou “não, é não”. Não podem ir na conversa do PS que tenta a todo o custo que a AD não converse com o Chega, esquecendo-se que em 2015, António Costa, ignorando o resultado eleitoral, saltou para os braços da extrema esquerda apenas para obter o poder, dizendo alto e em bom som que o PSD não servia para nada…
Estes resultados são esclarecedores quanto ao pedido dos eleitores. Portugal quer um sim à convergência entre toda a direita, um sim à libertação do socialismo e o fim do assistencialismo, da imigração descontrolada e da delapidação dos serviços públicos.
Cabe agora à AD e à IL dialogar com o Chega e contar com este partido nas soluções de governação. A questão central é saber se André Ventura está disposto a fazer parte da solução e cooperar para encontrar soluções para os problemas reais dos cidadãos, que tão bem identifica e deles faz bandeira.
Desde 18 de maio que a forma como a esquerda tem reagido à derrota é reveladora da sua incapacidade de lidar com a realidade. Estão de mão estendida a pedir misericórdia ao PSD, e a desenterrar figuras como Sócrates que vêm a público ameaçar Montenegro dizendo que este tem de decidir as suas alianças “entre democracia e populismo, entre decência e fanatismo”. Decência e Sócrates na mesma frase é, no mínimo, risível. Toda essa narrativa é uma hipocrisia gritante vinda da ala socialista. Mesmo com a nova liderança do PS, provavelmente a de José Luís Carneiro, que se apresenta mais moderado que Pedro Nuno Santos, a AD não deve negociar absolutamente nada com o PS. Não foi isso que os portugueses expressaram no voto, e se o fizer, arrisca-se a ser “comida” pelo Chega nas próximas eleições. Os portugueses querem uma maioria de direita e o afastamento definitivo do socialismo/comunismo, independentemente do seu líder.
O PS, e todos os partidos de esquerda em geral, precisam de uma reflexão profunda sobre os seus erros. Os oito anos de António Costa não só alimentaram o Chega nos debates, como permitiram a degradação dos serviços públicos – o SNS e a escola pública – com a concordância do PCP e do BE.
Portugal votou e mudou. O país dos comentadores e da comunicação social, em pânico por ter perdido a capacidade de manipular a opinião, precisa de perceber que a sua opinião não é a verdade da realidade do nosso país. O ato eleitoral foi democrático e sereno, mas foi incompreendido por quem não quer mudar.
A oportunidade está lançada. Se a direita parlamentar, liderada pela AD, não souber sair da bolha das elites, se não souber resolver os problemas do quotidiano que afetam as famílias de classe média e os “esquecidos” das periferias, mais cedo ou mais tarde, o país terá um governo do Chega. A bola está do lado da direita para provar que esta mudança é para valer e que é capaz de trazer as reformas que Portugal tanto anseia.
observador