Crime no SNS?

Foi noticiado na Comunicação Social que um dermatologista do Hospital de Sta Maria em Lisboa recebeu 417 mil euros por 10 dias de trabalho, tendo passado parte do resto do tempo de baixa médica.
O dermatologista em causa tem 33 anos, portanto, recém especialista recebeu mais de 51 mil euros num só dia de trabalho.
A dermatologia sempre foi uma especialidade médica que, só nos últimos anos, começou a fazer pequenas cirurgias que são um procedimento simples com uma duração média de cerca de 10 minutos e podem ser realizadas num consultório ou num gabinete anexo. Nunca em codificação pode ser considerada uma cirurgia ambulatória para a qual ( está na lei) é necessário um/a anestesista, uma sala de recobro e portanto estes pequenos procedimentos dermatológicos só podem ser considerados pequena cirurgia não entendendo como pode entrar no sistema SIGIC .
Esta notícia não foi uma surpresa para mim, a não ser pelos valores exorbitantes pagos e como um diretor de serviço entregou o programa e a codificação ao médico mais novo do serviço que também teria a total responsabilidade da distribuição do trabalho aos médicos mais antigos. Tudo isto foi feito sem qualquer controle inclusivamente como foi feita a codificação se esta correspondia realmente ao trabalho realizado. Era o próprio individuo que introduzia os dados da codificação, sendo ele o único codificador do serviço!
Mas a realidade e o mais preocupante é que os gestores do Sta. Maria pagaram esta importância sem qualquer auditoria prévia, e o montante devia ter feito soar imediatamente os alarmes.
Duas conclusões:
Ou realmente assinam de cruz sem qualquer avaliação, o que demonstra incompetência e desleixo, ou já estão habituados a pagamentos de importância idênticas sem qualquer controle prévio, o que é muito grave. Neste caso, parece ter havido fraude e falsificação de documentos digitais e portanto crime público, a investigar pela Ordem do Médicos e principalmente pelo Ministério Público.
Estão reunidos todos os ingredientes para realizar um filme policial série B em que o realizador não sabe é como vai terminar o filme. Se fosse eu o realizador fazia o seguinte:
1 – suspensão imediata do suspeito de toda a actividade hospitalar enquanto decorria a investigação, que tem de ser rápida pois o caso é claro;
2 – O mesmo tratamento para o diretor de serviço;
3 – Demissão do Conselho de Administração que autorizou o pagamento sem qualquer controle e se não fosse a denúncia da Comunicação Social o caso passaria despercebido, todos ficariam incólumes com a possibilidade de continuar a praticar atos semelhantes ( quantos outros casos semelhantes existirão??)
4 – Possível demissão da Ministra da Saúde que se limitou a dizer que o programa SIGIC tem lacunas e reiterou plena confiança no Conselho de Administração ( o qual declarou, só agora, que vai fazer uma auditoria ao serviço após ter de autorizado e realizado o pagamento);
5 – A realização de uma investigação imediata feita pela Ordem dos Médicos e pelo Ministério Público.
Este programa dos SIGIC tem cerca de 20 anos, e é aplicado de um modo absolutamente descontrolado sem avaliações periódicas que no mínimo deviam ser feitas anualmente, para se saber quantos Milhões foram gastos e quais os benefícios que realmente trouxeram às populações, isto é, um estudo metódico chamado custo/benefício, porque tudo é pago pelo contribuinte, que tem o direito de ser informado.
Embora o chamado SNS tenha problemas muito mais graves ( serviço de urgências hospitalares) as listas de espera têm sido usadas por ignorância política e hipocrisia, como arma de arremesso político, principalmente, neste século que já vai longo ( 1/4 ). Será mais grave que o desastre das urgências hospitalares?
Fui diretor de serviço de cirurgia e diretor hospitalar durante cerca de 25 anos, e as listas de espera nunca foram uma preocupação para nós. Um cirurgião antes de ser técnico, é um médico que faz clínica cirúrgica, e, portanto, as listas de espera podem e devem ser seletivas, isto é, há patologias que devem ser prioritárias e outras que podem esperar sem qualquer prejuízo para os clientes. E se por acaso essas patologias não prioritárias estão a incapacitar o doente no trabalho, por exemplo, podem então tornar-se prioritárias. É tudo uma questão de bom senso !!!
Os políticos, na sua ignorância, principalmente, por interesses partidários estão sempre a inventar leis, sem sequer tentar copiar o que existe há décadas noutros países avançados, e essas invenções levam normalmente a gastos incomportáveis que nada resolvem e só complicam.
Saiu uma lei para resolver as listas de espera,em que se o doente/cliente estivesse mais que um certo período em espera podia escolher ser operado num hospital privado (que neste século nasceram como cogumelos) qualquer que fosse a patologia, ficando os custos atribuídos às Administrações Hospitalares. Isto trouxe gastos incomportáveis aos Hospitais e houve mesmo casos de patologias ridículas que foram operados em a Espanha! Um dia, estando já fora do Hospital Público, fui operar um doente meu a um Hospital Privado. Era uma segunda-feira, e quando registava a cirurgia no livro vi, com espanto, que um médico não muito conhecido pela sua ética tinha operado dezassete varizes no sábado e dezasseis no domingo.Trinta e três doentes operados no fim de semana!! Isto trouxe vantagens para quem? Para as listas de espera não certamente, e para os doentes operados duvido muito. A única vantagem foi para o médico e para o hospital privado onde foram realizadas.
Como isto se tornou economicamente incomportável para a gestão dos hospitais do Estado, foi pensado que as listas de espera fossem resolvidas nos Hospitais Públicos, em horas adicionais de trabalho, pagando “à peça” com uma codificação específica.Em princípio parecia ser uma solução razoável, mas que poderia trazer muitos riscos éticos se não fosse muito controlada pelas gestões hospitalares (quase, com excepções inteiramente entregues a clientela partidária).
Fui nessa altura convidado por um médico, infelizmente já falecido, com grande experiência em gestão hospitalar como Director do Hospital de Santo António para uma reunião informal, e o nosso parecer unânime foi mais ou menos o seguinte: 1 – nunca poderiam ser realizadas mais cirurgias nas horas adicionais que as realizadas nas horas normais de serviço; 2 -seria uma solução temporária de um ano findo o qual tudo seria avaliado; 3 – seria aplicado somente para patologias consideradas (com expeções justificadas)como prioritárias e demos exemplos vários.
Tudo isto caiu em saco roto.
Entretanto saiu a Portaria 45-2008 de 15.01 que regulamentava o SIGIC, e que tentei há dias ler. Não consegui! Tem VIII partes e 150 artigos, alguns a definir por Portaria ministerial (o que significa nunca). Para mim, que não sou jurista, é uma salgalhada à portuguesa! Na minha ignorância bastava uma folha A4.
Que eu saiba nunca houve qualquer Auditoria ao sistema SIGIC, rolando este completamente descontrolado em roda livre há cerca de vinte anos!! Agora segundo a Ministra vão ser feitas Auditorias a todo o sistema que se espera que sejam rápidas,sérias e transparentes e que o contribuinte saibam quantas centenas de milhões foram gastos bem ou mal.Pena é, só ser efectuada após a investigação e denúncia publicada na comunicação social.
A Ordem dos Médicos também tem responsabilidade de fazer um processo averiguações,até porque está em causa o bom nome dos seus profissionais.
A Medicina é uma profissão para a qual é necessário uma certa vocação com compreensão dos problemas dos doentes e saber sofrer com eles e com os nossos insucessos, não havendo qualquer mal em ganhar dinheiro honestamente.Como qualquer profissão, sem excepções, há profissionais honestos com ética impecável,e outros que não o são e só veem a profissão como um meio de ganância.
Por isso é que estas auditorias,averiguações e investigações devem ser rápidas e sem se deixar perpetuar (como é habitual no nosso País) no tempo,no esquecimento e até prescrever, pois é necessário separar o trigo do joio, não meter todos no mesmo saco e deixar pagar os justos pelos pecadores.
Devo concluir que a maior responsabilidade cabe à classe política, gestores hospitalares e aos Ministros/as da Saúde que durante cerca de vinte anos deixaram sem controle o programa SIGIC com ausência de mecanismos de gestão
PS.Em próximo artigo falarei no problema mais grave que temos na Saúde em Portugal, que são os Serviços de Urgência terceiro mundista que se arrasta há décadas, e sobre como era fácil de resolver! Dica:vão à Galiza!
observador