Experiência política: esconder a falta de ideias

A candidatura de Luís Marques Mendes (LMM) à Presidência da República tem-se caracterizado por uma narrativa obsessiva e monotemática. Atente-se às últimas declarações de LMM: “Na escolha de um candidato presidencial contam sobretudo três coisas muito simples: experiência, independência e capacidade de fazer consensos”, afirma o candidato, acrescentando que “a presidência da República é um cargo político. Não há presidência sem política. Portanto aqui, a experiência conta.”
A insistência neste argumento revela não só uma visão empobrecida da política, mas, sobretudo, uma ausência preocupante de propostas e ideias concretas para o país.
Quando Aristóteles definiu o ser humano como animal político, estava a afirmar algo fundamental que, pelos vistos, LMM parece ter esquecido. Todos somos política. A política não é uma profissão ou um conjunto de cargos acumulados, é a própria condição da existência em comunidade, o exercício da deliberação sobre o bem comum, a capacidade de pensar e agir em prol do coletivo.
Reduzir a política aos anos de experiência em gabinetes, assembleias e reuniões partidárias é trair o conceito aristotélico. É transformar a polis, o espaço de participação livre dos cidadãos, numa corporação fechada, onde apenas os iniciados têm direito à palavra e ao poder. É confundir política com politiquice, ethos com curriculum.
Quando LMM diz que “ter experiência política, governativa, do poder local, do Governo, do parlamento, conta muito”, está, no fundo, a dizer que apenas quem já pertence ao “clube” tem direito e acesso aos cargos de poder, a liderar. Este pensamento não só roça o ridículo, vai frontalmente contra os princípios democráticos que, supostamente, defende.
Convido-o a fazer um exercício que o próprio candidato parece temer: analisemos essa tão celebrada experiência política. Em que condições foi adquirida? Devido a que conexões? E, sobretudo, com que resultados?
Luís Marques Mendes orgulha-se de ter sido deputado, autarca, ministro e líder partidário. Excelente. Mas seria interessante perceber se toda essa trajetória foi construída com base em mérito, em ideias próprias e em capacidade de mobilização da sociedade civil, ou se, por outro lado, foi simplesmente o resultado previsível de uma fidelidade partidária, de um lugar na fila, de uma progressão burocrática dentro das estruturas do PSD.
Posto isto, onde está, nesta narrativa de experiência política, a tal “independência” que o candidato também reclama como critério essencial? Que independência tem Marques Mendes da sua própria vida e experiência política. Como pode alguém, que construiu toda a sua vida política à sombra de um partido, que ascendeu através das suas estruturas, que sempre dependeu da sua máquina organizativa, proclamar-se independente? A contradição é gritante, mas convenientemente ignorada por muitos que a deveriam assinalar.
Ninguém pode contestar a experiência política de LMM, a questão que devemos todos colocar é se essa experiência, adquirida num contexto de militância partidária e progressão dentro de estruturas hierárquicas tradicionais, é realmente tão fundamental para a preparação para o cargo de presidente da república que se quer acima dos partidos e mais próximo da sociedade civil.
Quando esse passa a ser o único argumento para atacar aquele que está em primeiro nas sondagens, estamos perante um argumento perturbador. Mas será que mais nada o diferencia do Almirante?
É que bater na mesma tecla, repetir o mesmo mantra, como se a mera invocação de um percurso político fosse suficiente para justificar uma presidência é demasiado pequenino para quem quer ocupar cargo com tamanha responsabilidade.
Onde fica o debate das ideias? Onde está a visão para o país? Que problemas identifica na sociedade portuguesa e que soluções propõe? Como pretende usar os poderes, obviamente limitados, mas não existentes, da Presidência da República para melhorar a vida dos portugueses?
Este discurso está a ser usado como escape conveniente. É sempre mais fácil listar cargos do que defender ideias. É mais seguro invocar o passado, mesmo que colado à fidelidade partidária, do que comprometer-se com o futuro. É manter-se na zona de conforto apresentar-se como o candidato “sensato” e “experiente” em vez de apresentar propostas concretas que possam ser escrutinadas, debatidas e, eventualmente, criticadas.
A estratégia é errada e reveladora disso mesmo quando confrontada com o próprio diagnóstico do candidato sobre o estado do país: um “parlamento mais polarizado, dividido e fragmentado do que nunca”.
Se é capaz de identificar esse problema, não deveria a resposta ser um programa robusto de ideias que promovam o consenso e a coesão nacional? Em vez disso, o que temos é a afirmação circular de que, precisamente porque existe fragmentação, é necessária experiência política. Portanto para combater a fragmentação e a polarização criada pelos políticos de carreira que não respondem os problemas da população que servem, a proposta é escolher alguém que fez parte do problema com a sua experiência.
Este discurso é o exemplo máximo do paradoxo que que atravessa a democracia portuguesa. Por um lado, apela-se constantemente à participação cívica, por outro, quando alguém da sociedade civil aspira a posições de poder efetivo, é imediatamente desqualificado por não ter “experiência política”.
Este mecanismo de exclusão é comum entre os agentes estabelecidos. Estes procuram sempre preservar o seu monopólio sobre o capital político, deslegitimando outras formas de experiência e competência. A mensagem é clara. Participem, por favor, mas apenas através do voto, não nos colocando em causa. Envolvam-se, mas saibam qual é o vosso lugar. No pensamento desses iluminados, ou fizeste uma carreira pelas jotas e poderás algum dia aspirar a ocupar um cargo político, ou limitas a tua participação ao momento do voto. A verdadeira política, essa, fica para os profissionais.
Será que é esta democracia que queremos? Uma democracia que admite que haja carreiristas políticos? Uma carreira acessível apenas a quem fez o percurso certo nas organizações certas? Ou queremos uma democracia verdadeiramente aberta, onde diferentes formas de experiência cívica, profissional e humana são reconhecidas e válidos?
Luís Marques Mendes tem o direito, naturalmente, de se candidatar à Presidência da República e de valorizar a sua experiência política. O que não tem é o direito de fazer dessa experiência o único critério relevante, elevando-a a dogma inquestionável e com isso tentando eliminar adversários.
Numa democracia que se pretende saudável, os candidatos deviam distinguir-se pelas ideias que defendem, pelos valores que representam, pela visão que propõem para o futuro coletivo. A experiência política nunca pode ser um substituto para a substância.
É tempo de Marques Mendes perceber que os portugueses não querem apenas um Presidente com experiência política, querem, isso sim, um Presidente com uma visão política.
Porque, como nos ensinou Aristóteles, a verdadeira política não se mede pelos cargos que ocupámos, mas pela capacidade de pensar e agir em prol do bem comum. E isso, curiosamente, não requer experiência em gabinetes. Requer humanidade, visão e coragem, as qualidades que nenhum curriculum pode garantir, mas que a sua ausência sempre denuncia.
observador