PSD: reformar ou morrer

A derrota esmagadora do PS e a confirmação e reforço da viragem sociológica do país à direita (AD, IL e, claro, Chega cresceram todos face a 2024) permite ao PSD continuar a governar, mas o panorama é mais desafiador do que pode parecer à primeira vista. O PSD tem hoje razões para estar seriamente preocupado, não só por questões de aritmética eleitoral (apesar do reforço eleitoral face a 2024, vai ainda assim governar com uma das mais débeis bases de apoio parlamentar das últimas décadas), mas fundamentalmente porque o desgaste dos partidos tradicionais do regime se acentua e não será fácil de reverter.
Nas circunstâncias mais “habituais” das últimas cinco décadas da democracia portuguesa, uma derrota com a magnitude esmagadora que o PS sofreu teria correspondido a uma confortável maioria do PSD. Tal não sucedeu com a AD (nem mesmo com a anexação do CDS pelo PSD), porque as bases do regime estão seriamente abaladas e não é de todo evidente que a liderança do PSD esteja plenamente consciente do desafio existencial que tem pela frente.
Uma das chaves para o reforço eleitoral da AD nas recentes eleições legislativas foi a percepção de que era ainda cedo para responsabilizar o executivo liderado por Luís Montenegro pelos problemas do país. Depois de um longo período de governação PS – e ao fim de apenas um ano de governação AD – a mensagem de que era tempo de “deixar o Luís trabalhar” foi politicamente persuasiva, ainda que o Luís tivesse relativamente pouco para mostrar em termos de ímpeto reformista. De facto, como salientei antes das eleições:
“No último ano, o governo AD dedicou-se essencialmente a gerir a situação e a tentar conter e contrariar o crescimento do Chega que o PSD percepciona – e bem – como a sua principal ameaça existencial. Não foi uma governação catastrófica mas foi claramente pouco e insuficiente para reverter a situação de declínio nacional. A ausência de iniciativas de reforma estrutural foi compensada pela distribuição de benefícios para grupos específicos e pela manutenção do sistema rentista montado e gerido alternadamente (e por vezes colaborativamente) por PS e PSD ao longo das últimas décadas. Um sistema caracterizado por incentivos distorcidos e por políticas públicas que esmagam a classe média e em especial o segmento etário dos entalados entre os 35 anos e o horizonte da aposentação. Resta assim a muitos que querem “subir na vida” (ou simplesmente fazer pela vidinha) colar-se à situação e colaborar no saque e colonização do aparelho de Estado e instituições adjacentes, desde as autarquias até às empresas do regime, sem esquecer, claro, as entidades reguladoras, as fundações e os media. Um novo governo AD nos moldes do anterior – tenha ou não maioria absoluta – dificilmente se desviará deste caminho de rentismo, estagnação e situacionismo.”
Provavelmente para sinalizar que o novo governo AD pretende seguir um rumo diferente, Montenegro decidiu criar um novo Ministério para a Reforma do Estado e acentuar a retórica reformista. Simultaneamente, há uma nítida tentativa de recuperar e reclamar para o PSD um capital político de coragem e ambição reformista que esteve na génese do partido, particularmente através de Francisco Sá Carneiro. Infelizmente para o país, com o tempo o PSD transformou-se numa máquina de poder, gestão de interesses e distribuição de recursos e lugares – francamente distante do legado de Sá Carneiro – e não será fácil voltar às origens.
Independentemente da maior ou menor simpatia que Rui Gomes da Silva possa suscitar, o seu texto publicado aqui, onde apresenta as razões pelas quais decidiu deixar de ser militante do PSD, toca em vários pontos importantes – e que só os mais sectários laranjinhas poderão negar:
“Saio por um imperativo de consciência … após uma vitória com um crescimento tão exíguo, embora considerada pelos dirigentes do Partido como arrasadora, pelo que vejo na felicidade (atrevidamente inconsciente, ouso dizê-lo) das caras de quase todos eles. (…) Um Partido que não promove nem apela a uma participação envolvente e coletiva, que continua refém de “sindicatos de voto”, com ampla participação e dependência de quem vai pagando quotas e avenças (perdoar-me-ão a referência, sem segundos sentidos) para se manter no poder, … que não é capaz de se mudar a si próprio, … não tem, no seu seio, os argumentos para mudar Portugal. Um Partido em que a promoção e a defesa do interesse nacional são transformadas no culto pelas vaidades pessoais, sem qualquer justificação eleitoral e política para isso, é um Partido a caminho da falência ideológica e da irrelevância política.”
Chegados a este ponto, o novo executivo liderado por Luís Montenegro terá obrigatoriamente de apresentar resultados a médio prazo, sob pena de o PSD seguir as pisadas do PS. É necessário reformar para dinamizar a economia, regular seriamente a imigração e os critérios de atribuição da nacionalidade, combater os reais problemas de insegurança e a corrupção, enfrentar eficazmente a crise na habitação e promover melhorias efectivas nos serviços públicos.
Para já, ficam como marcas o novo Ministério e as declarações de intenções mas será necessário ir além da retórica. Na educação, a continuidade de Fernando Alexandre como Ministro e de Alexandre Homem Cristo como Secretário de Estado da Educação são sinais positivos – numa equipa que sai claramente reforçada com Cláudia Sarrico como nova Secretária de Estado para o Ensino Superior. Mas em áreas igualmente fundamentais como a saúde, habitação ou transportes os sinais são bem menos promissores.
O PSD deve estar consciente de que a (justa) tolerância de que beneficiou nas recentes eleições legislativas não se repetirão numas próximas se não tiver resultados para apresentar. Como bem resumiu João Miguel Tavares:
“Luís Montenegro tem os próximos quatro anos para mostrar que é um primeiro-ministro absolutamente extraordinário. Abaixo de extraordinário, a probabilidade de André Ventura ganhar as próximas eleições é altíssima. Tenho muita fé em que Montenegro consiga ser extraordinário? Nem por isso. Mas, pelo menos — é o máximo de optimismo que tenho para oferecer —, acredito que ele seja suficientemente esperto para perceber que não pode passar os próximos quatro anos a tirar o pó à cristaleira. Tem de abanar a mobília. A sua sobrevivência política está dependente de uma tentativa séria de mudança do país.”
Contrariamente ao que possa parecer, não é só a sobrevivência do PS como grande partido de poder que está em risco nas actuais condições. Se não conseguir reformar, o PSD arrisca-se mesmo a morrer.
observador