Torre Pacheco: a Europa tem um problema de integração

Um idoso espancado até à inconsciência numa rua tranquila. Grupos de jovens às gargalhadas enquanto filmam a agressão para as redes sociais. Uma vila inteira consumida pelo medo, entre vinganças e ódios étnicos. O cenário não é uma zona de guerra distante, mas Torre Pacheco, na região espanhola de Múrcia, em pleno coração da Europa civilizada, no verão de 2025.
Torre Pacheco, um município de 40 mil habitantes onde cerca de 30% da população é imigrante (maioritariamente de origem marroquina), tornou-se o epicentro de tensões étnicas latentes. Grupos de extrema-direita aproveitaram o choque e a dor para instigar retaliações violentas. Em poucos dias, Torre Pacheco transformou-se num símbolo perturbador de algo muito maior: a polarização social e a crescente sensação de insegurança na Europa perante fluxos migratórios mal geridos e falhas na integração de comunidades culturalmente distintas.
Não é difícil perceber o padrão: um crime hediondo cometido por indivíduos oriundos de comunidades cuja integração apresenta falhas sérias; um sentimento de revolta e abandono na população; oportunistas extremistas a deitar gasolina na fogueira; explosão de violência xenófoba; e, por fim, autoridades em apuros a tentar restaurar a ordem. Esta sequência, que em Torre Pacheco se desenrolou em questão de dias, é um microcosmo dos desafios que hoje ecoam por toda a Europa.
Ignorar este fenómeno ou reduzi-lo a casos isolados é tapar o sol com a peneira. É preciso reconhecê-lo: Torre Pacheco não é um caso único, é antes um sintoma da crise europeia de integração e segurança.
Exemplos de Espanha, França, Suécia, Bélgica podem diferir nos detalhes, mas apontam todos na mesma direcção: a estratégia europeia para lidar com a imigração de maioria islâmica falhou. Essa falha não se deve apenas à resistência de alguns grupos em integrar-se, mas também a décadas de políticas públicas mal concebidas, que negligenciaram tanto o apoio à integração como a exigência de compromissos claros com os valores democráticos. E também é preciso dizê-lo: durante demasiado tempo, esta realidade foi varrida para debaixo do tapete por medo de ferir susceptibilidades. O politicamente correcto instalou uma espécie de mordaça no debate público: qualquer alusão aos problemas de integração de certas comunidades era imediatamente rotulada de xenófoba ou islamofóbica.
Portugal, por exemplo, foi, durante séculos, um país de emigrantes. Milhões de portugueses partiram em busca de uma vida melhor, e essa experiência moldou profundamente a nossa história, a nossa cultura e a forma como nos vemos no mundo. Hoje, por força de várias transformações demográficas, como o envelhecimento acentuado da população e a persistente baixa natalidade, Portugal tornou-se um país de acolhimento. E mais do que nunca, precisamos de imigrantes: para sustentar a nossa economia, garantir o equilíbrio da segurança social e revitalizar comunidades que, sem essa chegada, caminham para o abandono.
A chegada de um número significativo de imigrantes está a acontecer por toda a Europa. E traz consigo desafios complexos a nível social, cultural e até religioso, para os quais não existem respostas simples.
Em primeiro lugar – e aquilo que me parece básico – aos imigrantes legais que aqui chegam em busca de uma vida melhor, devemos oferecer não apenas condições de trabalho e segurança, mas também um enquadramento claro sobre os valores que moldam a nossa sociedade. Não se trata de exigir que reneguem as suas crenças ou se convertam a qualquer religião, mas sim de interiorizarem a tolerância e o respeito que sustentam a convivência no nosso espaço democrático.
É um facto que, dentro de algumas franjas mais conservadoras do Islão, persistem atitudes que colidem com os valores fundamentais das sociedades democráticas. Casos de intolerância religiosa, desigualdade de género ou radicalização violenta, infelizmente, continuam a ocorrer em diversos países que acolheram estas comunidades. A ideia de que a mulher é inferior, por exemplo, não pode ter lugar num espaço europeu onde os direitos das mulheres foram arduamente conquistados e estão consagrados na lei. Fechar os olhos ao facto de que uma parte minoritária da população muçulmana apresenta resistências à plena integração cultural é ignorar a realidade. E como o problema é real, tem de ser enfrentado, por mais incómodas ou exigentes que sejam as soluções.
Integração não significa apagar diferenças, mas unir sob uma lealdade comum – à nação, à liberdade e ao Estado de Direito. Quem reiterada e activamente rejeitar essa lealdade básica não poderá aspirar a gozar dos benefícios de residir na Europa.
No caso de imigrantes envolvidos em crimes graves, também temos de ser claros. Deve facilitar-se a expulsão após cumprimento de pena (respeitando os devidos processos legais e os direitos fundamentais, mas sem ingenuidades).
Redes de extremismo religioso que preguem ódio ou violência – seja nas mesquitas, seja online – têm de ser identificadas e desmanteladas.
É urgente reforçar a presença do Estado em bairros onde a ausência de autoridade tem permitido o crescimento de redes criminais ou de controlo social paralelo. Não pode haver zonas onde as forças da ordem não entram: bairros onde gangues ou patrulhas religiosas intimidam moradores precisam de presença policial permanente, combinada com trabalho social que resgate os jovens do recrutamento.
Em muitas capitais europeias, responsáveis políticos preferiram fechar os olhos e recitar platitudes multiculturalistas enquanto cresciam, nas franjas das suas cidades, bolsas de miséria e intolerância. Negou-se durante anos evidências gritantes, porque admiti-las seria incómodo.
Criticar a gestão da imigração islâmica não significa demonizar todos os imigrantes muçulmanos. A imensa maioria destes quer apenas trabalhar honestamente e viver em paz, porque são também eles reféns da violência e do radicalismo de uns poucos. No caso de Torre Pacheco, por exemplo, líderes da própria comunidade muçulmana local condenaram veementemente a agressão ao idoso e os distúrbios subsequentes, apelando aos jovens para ficarem em casa e não responderem a provocações.
Por toda a Europa, há milhões de cidadãos de fé islâmica perfeitamente integrados e leais aos países onde vivem. Ignorar os exemplos de sucesso seria tão injusto quanto perigoso. Em escolas, empresas e na vida cívica, encontramos cidadãos de origem muçulmana perfeitamente integrados e comprometidos com os valores europeus. O nosso Estado de Direito protege-os como a qualquer outro cidadão.
Porém, isso não nos pode cegar para o facto de que dentro dessas comunidades existem bolsas de rejeição activa dos valores europeus — indivíduos que não se identificam com a cultura ocidental e que, em casos extremos, aderem a ideologias islamistas antidemocráticas. Negar a existência desse fenómeno — ou desculpá-lo unicamente com factores socioeconómicos — impede-nos de agir em tempo útil. Pior: essa negação permanente mina a confiança dos cidadãos nas suas instituições democráticas, abrindo caminho a quem pretende subvertê-las. Em suma, o politicamente correcto acabou por ser cúmplice, ainda que involuntário, do crescimento simultâneo do islamismo radical e da extrema-direita xenófoba na Europa.
observador