Um apelo ao Governo: Saúde em todas as políticas - Parte 2

Portugal, a Europa e o mundo enfrentam grandes desafios: desde a saúde à habitação, dos conflitos armados às alterações climáticas, da desinformação aos ataques à democracia, das desigualdades sociais à transformação trazida pela inteligência artificial. Todos estes problemas impactam de alguma forma o nosso bem-estar físico, mental e social. Ora se o nosso bem-estar é influenciado por fatores como as condições ambientais, a qualidade laboral, o nível de educação, as condições de habitação, a mobilidade e o estatuto sócio-económico, não fará sentido pensar na saúde como a base do desenho de políticas públicas?
Foi a pensar na Saúde em todas as Políticas que nasceu este artigo, uma iniciativa multidisciplinar onde se juntam as propostas de 10 jovens Global Shapers de diferentes áreas e sectores.
Sara Oom, Impacto Social e Comunitário
A saúde da sociedade começa na forma como vivemos, nos espaços que habitamos, nas relações que cultivamos. Trabalhar pela dignidade habitacional é trabalhar pela saúde pública: garantir que cada pessoa tem acesso a uma casa segura, com condições mínimas de conforto e higiene e estabilidade emocional, é uma forma direta de prevenir doenças, combater o isolamento e promover o bem-estar. A reabilitação de uma casa é, muitas vezes, a reabilitação da autoestima, da motivação e da capacidade de voltar a participar ativamente na vida comunitária.
Proposta: Se a reabilitação habitacional contribui para a própria reabilitação pessoal, o investimento em políticas que articulem habitação, saúde mental e coesão social, poderão ser chave na abordagem de situações sócio-económicas de elevada carência e fragilidade. Efetivamente, é essencial que o investimento público em habitação vá além da construção ou recuperação física e inclua um programa integrado de reabilitação com participação ativa dos beneficiários, com acompanhamento psicossocial, capacitação dos moradores e criação de redes de proximidade comunitária.
António Félix, Assuntos Europeus
Ao olharmos para o acesso a cuidados de saúde nos 27 Estados-Membros da União Europeia (UE), assistimos a uma profunda desigualdade no acesso aos mesmos. Neste sentido, através do seu Pilar Europeu dos Direitos Sociais (PEDS), a UE pode reforçar políticas públicas que garantam uma maior proteção e inclusão social dos cidadãos europeus, seja a nível do acesso à educação de qualidade, a oportunidades de emprego dignas, a cuidados, principalmente no que concerne às pessoas em situação sócio-económica precária, imigrantes e pessoas de minorias étnicas.
Proposta: Através do PEDS, o Governo Português deve incentivar a UE a coordenar políticas públicas que promovam a proteção social destas populações, particularizando medidas específicas para melhorar o acesso a cuidados de saúde. Um dos instrumentos para concretizar essa realidade, seria a adoção de um “Fundo Europeu para a Saúde Acessível” (via ESF+ e EU4Health), através do qual se podem criar linhas de financiamento específicas para adaptar infraestruturas de saúde, digitalizar serviços com foco na acessibilidade e apoiar campanhas locais direcionadas a grupos vulneráveis.
Inês Ayer, Cultura, Arte e Design
Poderá o design ser um agente de saúde pública? Desde o desenho de salas de espera mais humanas que reduzam a ansiedade, até sistemas visuais que tornam a navegação hospitalar mais clara para todos — inclusive para quem não domina a língua ou tem limitações visuais —, o design tem impacto direto na forma como experienciamos os cuidados de saúde. Projetos como o redesign de embalagens de medicamentos para populações idosas ou a criação de ferramentas gráficas que explicam diagnósticos complexos de forma acessível, o design torna-se um tradutor entre o sistema de saúde e as pessoas.
Proposta: Investir em laboratórios de inovação com equipas multidisciplinares onde designers, profissionais de saúde e comunidades cocriam soluções para desafios locais – desde o combate à solidão em bairros envelhecidos até à melhoria da experiência de parto em maternidades públicas. Porque a saúde não começa no hospital, mas na forma como desenhamos o mundo à nossa volta, o design pode e deve ser uma ferramenta de prevenção, dignidade e equidade.
Raquel Bilro, Tecnologia e Inovação
A tecnologia é o parceiro natural da inovação em saúde. Quando olhamos para fora vemos vários exemplos de projectos piloto que já estão a produzir efeitos positivos nos sistemas nacionais de saúde. Entre 2019 e 2022, o Reino Unido registou um aumento de 88% nas consultas remotas, o que ajudou a reduzir o tempo de espera e a melhorar o acesso às zonas rurais. Na Coreia do Sul, o uso de Inteligência artificial e big data foi utilizado para rastrear contatos e prever a evolução da COVID-19. Cerca de 33% dos norte-americanos utilizam dispositivos como smartwatches para monitorizar a atividade física, sono e sinais vitais. A iniciativa Head to Health na Austrália tem sido bem sucedida na ligação de pessoas a serviços e recursos direcionados para a saúde mental.
Proposta: Reforçar o investimento em ferramentas de telemedicina poderá contribuir para a aproximação a populações rurais. Por outro lado, a implementação de sistemas de vigilância baseados em IA poderá permitir uma melhor monitorização de doenças crónicas ou infecciosas e gestão eficiente de recursos hospitalares. Para além disso, a integração de dispositivos de monitorização pessoal (wearables) no SNS pode contribuir para a prevenção e diagnóstico precoce da doença cardiometabólica. Por fim, a disponibilização de apoio psicológico remoto e automatizado pode aliviar a pressão sobre os serviços públicos e proporcionar uma triagem precoce.
Ana Matos, Comunicação e Marketing Digital
Com 7,49 milhões de utilizadores ativos nas redes sociais em janeiro de 2025, o que representa 71,9% da sua população, Portugal detém uma infraestrutura digital robusta e preparada para servir como agente de saúde pública. Efetivamente, a eficácia da publicidade digital reside na sua capacidade de “segmentação e envolvimento superiores”, possibilitando a criação de mensagens de saúde personalizadas que promovam decisões informadas e hábitos mais saudáveis numa escala alargada.
Proposta: Alavancar o alcance das plataformas de comunicação social e digital para lançar campanhas direcionadas à saúde sexual, cessação tabágica ou proteção solar. Estes espaços digitais oferecem uma solução social sem precedentes, permitindo alcançar diretamente milhões de pessoas com informações vitais que os métodos tradicionais, por vezes, não conseguem veicular. Não obstante, é importante ter em consideração o seu impacto na confidencialidade e privacidade de dados, tendo em consideração o RGPD e o emergente Espaço Europeu de Dados de Saúde.
Esta iniciativa pretendia destacar a Saúde como pilar fundamental para criar políticas que respondam aos desafios que enfrentamos. Esta reflexão é, portanto, fulcral para o nosso futuro e urge uma discussão política, intersectorial e participativa. Fica a questão: que outros setores e propostas poderão contribuir para a saúde da nossa sociedade?
O Observadorassocia-se aos Global ShapersLisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. Ao longo dos próximos meses, irão partilhar com os leitores a visão para o futuro nacional e global, com base na sua experiência pessoal e profissional. O artigo representa, portanto, a opinião pessoal do autor enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.
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