Um SNS mais sustentável e resiliente é possível

A pandemia deixou a descoberto o que muitos já apontavam: a vulnerabilidade do nosso Serviço Nacional de Saúde. O elevado cansaço dos profissionais, a desarticulação e falta de comunicação entre níveis de cuidados, o financiamento aquém das necessidades, e a fraca aposta na prevenção foram vistos como sintomas de um serviço que não conseguia responder com eficácia, eficiência e equidade às necessidades da população que deve servir.
Foi neste contexto que surgiu o estudo PHSSR Portugal — Partnership for Health System Sustainability and Resilience —, uma iniciativa internacional, desenvolvida com o apoio de um consórcio que inclui o Fórum Económico Mundial, a AstraZeneca, e a London School of Economics, entre outros. Em Portugal o estudo efetuou um diagnóstico baseado na literatura, assim como envolveu cerca de 40 especialistas e decisores nacionais de topo num processo de diálogo político inovador e estruturado, apoiado em novas abordagens participativas e colaborativas com robustez científica.
O resultado deste diálogo? 43 recomendações de política, consensualmente reconhecidas como tendo elevado potencial para melhorar a sustentabilidade e resiliência do SNS. Estas propostas cobrem sete domínios-chave: Governação, Financiamento, Recursos Humanos, Medicamentos e Outras Tecnologias de Saúde, Prestação de Cuidados de Saúde, Saúde Populacional e Sustentabilidade Ambiental, cobrindo pela primeira vez, de forma estruturada, os diversos domínios que estruturam os sistemas de saúde, incluindo domínios menos comummente discutidos, como a Saúde da População e a Sustentabilidade Ambiental.
Entre os principais eixos de intervenção política identificados destaca-se a necessidade de uma reforma profunda na governação do sistema, incluindo o melhor uso de instrumentos de planeamento estratégico, a nomeação por mérito para cargos de gestão, a adoção de critérios de competência técnica e a avaliação periódica de desempenho. O reforço da autonomia das instituições, o reforço de mecanismos para a colaboração entre diferentes tipos de instituições, e uma liderança estável e responsabilizada foram apontados como indispensáveis para qualquer transformação duradoura.
No financiamento, as recomendações centram-se na transição para modelos baseados em valor, alinhados com o premiar de resultados em saúde e da eficiência. Os especialistas e decisores apontaram também para a adoção de orçamentos plurianuais, para maior previsibilidade na despesa, e uma revisão urgente do sistema de financiamento e contratualização com prestadores de cuidados das esferas pública, privada e social.
No domínio da prestação de cuidados de saúde, a aposta estratégica em modelos de prestação de cuidados mais descentralizados, o alavancar de tecnologias digitais, incluindo o investimento a plena interoperabilidade do registo clínico eletrónico, e o investimento em cuidados domiciliários são recomendações chave. A tecnologia deve estar ao serviço da integração de cuidados, garantindo que a informação acompanha o utente ao longo do seu percurso no sistema.
No acesso a medicamentos e tecnologias de saúde, entre as medidas propostas estão a entrega domiciliária de medicamentos hospitalares ou o seu levantamento em farmácias de proximidade, a revisão dos sistemas de comparticipação, a promoção de um quadro de adoção de tecnologias com base em evidência, e um fortalecimento da avaliação de tecnologias de saúde.
Já no plano da saúde populacional, as recomendações incidem na promoção da literacia, na aposta em programas de prevenção, e na adaptação das respostas às necessidades específicas de uma população envelhecida. Defende-se uma abordagem proativa e comunitária, assente no uso de indicadores de resultados em saúde e na articulação com programas desenvolvidos pelas autarquias, escolas e estruturas sociais.
O estudo não esquece a dimensão ambiental. Defende, entre outras medidas, a introdução de incentivos e a prossecução da sustentabilidade ambiental nos mecanismos de contratualização, a modernização dos equipamentos hospitalares e a adoção de práticas de reprocessamento de dispositivos médicos, numa lógica de economia circular aplicada à saúde.
Um dos maiores méritos maiores deste trabalho foi mostrar que estas políticas não podem ser vistas de forma isolada. Existem interdependências claras: mudanças na governação são essenciais para a implementação de recomendações relacionadas com a prestação de cuidados, com a gestão de recursos humanos e com o financiamento; e a lógica da saúde populacional é chave para a prestação de cuidados e para o acesso a tecnologias. O estudo conseguiu mapear essas ligações, tornando evidente a necessidade de uma abordagem sistémica e coordenada.
Mais do que um novo relatório, o PHSSR Portugal é uma prova de que é possível gerar consenso entre especialistas e decisores com diferentes visões e experiências num sistema exposto à rotatividade política e onde se enfatizam por vezes as diferenças de opinião. Também nos lembra que o problema não está no diagnóstico nem na falta de ideias — urge a implementação de políticas que são reconhecidas. A transformação do SNS exige que se façam escolhas e que se garanta de facto a execução de políticas.
O relatório está feito. O diagnóstico é claro. As recomendações estão identificadas e reúnem consenso. Agora é o momento de agir. Se não agora, quando?
observador