Cada vez que nasce uma mãe, nasce mais um soldado

Não sei se estão familiarizados com a frase “para criar um filho, é preciso uma aldeia”. Mas se não estão, ou se, pelo menos, não se identificam com isto, é porque provavelmente ainda não passaram pela experiência de ter um filho.
Durante séculos e até há relativamente pouco tempo, essa aldeia foi literal, composta por mulheres que não trabalhavam fora de casa. Constituía-se assim um espaço físico e emocional, onde avós, tias, vizinhas e irmãs cuidavam juntas dos mais novos. As casas eram mais cheias, os laços mais próximos, os braços mais disponíveis. Criavam-se filhos em conjunto, entre colos partilhados, refeições em volta da mesa e silêncios compreendidos.
Essa aldeia não desapareceu, mas sofreu uma metamorfose. Transformou-se num fenómeno no qual reparo agora que sou mãe: cada vez que nasce uma mãe, nasce um soldado. Integra um exército de mães, que está sempre ali para ajudar as restantes.
Hoje, espalha-se pelas ruas, pelos parques, pelos grupos de mensagens, pelos olhares atentos em cafés ou salas de espera.
Agora, enquanto mãe, apercebo-me de que não estou só de olho no meu filho. Filtro criteriosamente os gritos de outras crianças, o tipo de choro de outros bebés. Analiso a cara da mãe cansada, as pistas subtis de desespero, o braço que treme por não aguentar mais dar colo, os silêncios que gritam. E estou lá, pronta a acudir se puder. Com colo e compreensão de mãe, que pode já ter ou não passado por isso, mas que não julga porque sabe que as coisas são mais difíceis que românticas, mais assoberbadas que pacificas, mais arrebatadoras que encantadoras.
Apercebo-me também que não estou só. Descobri que, enquanto embalo o meu filho, há outras mãos (visíveis ou invisíveis) que me seguram a mim. Mães que se aproximam com um “queres que fique com ele um bocadinho?”, ou um “senta-te, eu vou buscar água”. Mães que sorriem com o olhar, cúmplices, mesmo sem dizer uma palavra. Mães que me compreendem porque já foram “eu”. Ou ainda são.
Este exército é firme, resistente, forte, apesar de muitas vezes silencioso.
Aguenta noites em branco como se fossem dias normais. Combate a culpa com abraços. Sobrevive a birras, febres, medos e dúvidas, sem medalhas, sem tréguas.
Levando pancada atrás de pancada, dando o corpo às balas porque muitas vezes não temos com quem dividir as batalhas, e cheias de cicatrizes físicas e emocionais.
Quantas vezes tenho eu contado com esse exército, quando já não consigo ouvir a mesma música do Panda pela milésima vez, quando já não consigo ver nódoas na minha roupa, ou queria ter apenas cinco minutos para respirar e não consigo. E há uma mãe que me acode sem eu ter que pedir ou sequer pestanejar. É uma língua calada que existe entre mães e que parece que quando damos à luz é feito automaticamente o seu download no nosso cérebro.
Vivemos numa altura em que olhamos mais para o que sentimos, para as nossas necessidades, e já conseguimos perceber finalmente que precisamos de ser um Eu e não só um Mãe. Apesar de esse ser o nosso papel principal, e dos nossos filhos serem sempre os protagonistas, há que cuidar também de nós enquanto pessoas inteiras e não apenas cuidadoras. E isso, sem outras mães ao nosso lado, provavelmente não seria possível – nem que seja através da ajuda preciosa da nossa própria mãe.
A tal aldeia passou a ser um exército eficiente, e a todos os soldados que me deram a mão eu agradeço e faço aqui o meu juramento de bandeira: estarei sempre atenta e com uma mão dada ao meu filho e outra livre para o vosso.
observador