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Como ser filho mais velho, do meio ou mais novo molda sua personalidade

Como ser filho mais velho, do meio ou mais novo molda sua personalidade

Três crianças de diferentes idades sobre uma cama
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Como filha mais velha, muitas vezes me identifico com as características estereotipadas associadas ao irmão mais velho: responsável, cuidadoso, perfeccionista. Minha mãe também é a filha mais velha, e compartilha esses traços.

Minha irmã mais nova, por outro lado, é um pouco mais despreocupada — embora tenhamos crescido na mesma casa, com os mesmos pais, e sejamos próximas, nossas personalidades são bem diferentes.

Fiquei pensando se essa diferença poderia ser devido à nossa ordem de nascimento — será que existe alguma ciência por trás da ideia de que ser o filho mais velho, o mais novo ou filho único molda quem somos e como lidamos com o mundo?

Um mistério de um século

Apesar de fascinar a comunidade científica e as famílias há mais de um século, a questão de saber se a ordem de nascimento entre os irmãos molda nossa personalidade ainda é motivo de debate.

Historicamente, as pesquisas levaram a resultados inconsistentes. Há várias razões para isso, mas para simplificar: é difícil de medir.

Rodica Damian, professora de psicologia da Universidade de Houston, nos EUA, explica que os estudos anteriores geralmente incluíam amostras pequenas. Além disso, como os testes de personalidade costumam ser com base em autorrelatos, eles podem ser afetados por vieses.

Estudos recentes indicam que uma série de variáveis de confusão podem dificultar a investigação sobre se a ordem de nascimento é sistemática — ou seja, se afeta todas as pessoas da mesma forma.

O número total de irmãos, por exemplo, pode ser um fator: seria de se esperar que a dinâmica geral fosse diferente em uma família com dois irmãos, em comparação com uma família com sete irmãos.

Ser o filho mais velho ou mais novo nessas famílias de tamanhos diferentes pode ser uma experiência muito diferente, e não diretamente comparável.

O tamanho da família e a experiência de ser filho em uma determinada família podem, por sua vez, estar relacionados a muitos outros fatores, como o status socioeconômico da família — famílias mais ricas e com status socioeconômico mais alto tendem a ter menos filhos, por exemplo.

Além disso, tem a idade e o gênero da pessoa, que podem influenciar sua experiência dentro e fora da família.

Diante deste contexto, os pesquisadores não foram capazes de concluir que a ordem de nascimento tem qualquer impacto consistente e universal em nossas personalidades. Mas isso não significa que a ordem de nascimento seja irrelevante. Ela pode desempenhar um papel em determinadas famílias ou culturas.

"Acho que as pessoas têm muitas crenças que estão meio ultrapassadas ou que nunca foram bem fundamentadas", diz Julia Rohrer, pesquisadora de personalidade da Universidade de Leipzig, na Alemanha.

"Por exemplo, a 'síndrome da filha mais velha' é uma significativa — é claro que as mulheres muitas vezes ainda têm papéis diferentes, e espera-se que prestem mais cuidados. E ainda espera-se que os primogênitos cuidem dos irmãos mais novos", ela acrescenta.

"Para algumas mulheres, isso pode corresponder perfeitamente à sua experiência, mas para outras não, porque cada família é diferente."

Em outras palavras, nem toda filha mais velha será responsável e atenciosa — mas, para algumas, a ideia da "síndrome da filha mais velha" pode soar verdadeira, porque elas realmente cresceram tendo que cuidar dos irmãos mais novos, e sentem que essa experiência as moldou.

Rohrer e seus colegas descobriram que a ordem de nascimento "não tem um efeito duradouro sobre os traços gerais de personalidade" depois de analisar três grandes bases de dados de pesquisas no Reino Unido, nos EUA e na Alemanha, cada um deles com dados de milhares de pessoas.

No entanto, o estudo confirmou descobertas anteriores sobre o impacto da ordem de nascimento em uma característica específica: a inteligência.

A inteligência é um fenômeno complexo, e o estudo a mede apenas na forma de desempenho em testes de inteligência e intelecto autorrelatado.

"Confirmamos o efeito de que os primogênitos têm uma pontuação mais alta na inteligência medida objetivamente e, além disso, encontramos um efeito semelhante no intelecto autorrelatado", escreveram Rohrer e seus colegas no estudo.

Pesquisas anteriores haviam documentado que o desempenho em testes de inteligência "diminui ligeiramente dos primogênitos para os nascidos mais tarde".

Será que a 'síndrome da filha mais velha' de fato existe?
Será que a 'síndrome da filha mais velha' de fato existe?
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Quanto à ordem de nascimento e outros traços de personalidade, Rohrer diz que refletir sobre a própria experiência ainda pode ser significativo, mesmo que não haja um padrão universal:

"Fornece um rótulo no qual você pode encontrar outras pessoas que cresceram em situação semelhante, e você pode trocar experiências e assim por diante", diz ela sobre termos como "síndrome da filha mais velha".

Não há nada de errado em enquadrar sua experiência dessa forma, "desde que você não presuma que essa experiência é universal", diz ela.

Damian concorda: "Embora não encontremos diferenças sistemáticas na personalidade, isso não significa que não haja processos sociais dentro de cada família ou dentro de cada cultura que possam levar a resultados diferentes com base na ordem de nascimento."

Por exemplo, o Reino Unido tem uma cultura histórica de primogenitura (que privilegia os homens), o que significa que o filho mais velho seria o primeiro na linha de sucessão para herdar a riqueza, as propriedades ou os títulos da família.

Somente em 2013, com a aprovação da Lei de Sucessão à Coroa, a primogenitura dentro da monarquia chegou ao fim, acabando com o poder de um herdeiro do sexo masculino de destituir uma filha mais velha do seu direito à Coroa.

A ideia de primogenitura é surpreendentemente difundida e persistente: na série de sucesso Succession, da HBO, sobre a disputa de uma família para assumir o controle de um império de mídia, um personagem grita "eu sou o mais velho!" no final.

Ele acredita que sua posição de nascimento dá a ele o direito de assumir o cargo de CEO do pai. (Na verdade, ele é o segundo filho mais velho, mas não vamos entrar nesse assunto).

"Se a prática social for baseada na ordem de nascimento, então sim, a ordem de nascimento pode afetar seus resultados", diz Damian.

Idade é apenas um número?

As experiências relacionadas à idade podem ser facilmente confundidas com um traço de personalidade ou comportamento influenciado pela ordem de nascimento, explicam os pesquisadores. Vejamos, por exemplo, o caso do irmão mais velho "responsável".

"À medida que as pessoas envelhecem, elas se tornam mais responsáveis, mais autocontroladas. Portanto, o primogênito sempre vai ser mais velho do que o filho que nasceu por último e, à medida que você observa seus filhos crescerem, o primogênito sempre será mais responsável", afirma Damian.

"Outra coisa é que as pessoas se tornam mais inibidas à medida que envelhecem", ela acrescenta. "Então, o segundo filho pode parecer mais sociável e menos neurótico, porque um garoto de 10 anos é muito mais feliz e cheio de si... em comparação com um de 14 anos, que está surtando com tudo. Isso acontece porque eles têm desafios diferentes."

Fatores como os círculos de amizade das crianças também são importantes. Vários estudos sugerem uma relação entre colegas delinquentes e comportamento delinquente, por exemplo, de modo que uma criança mais velha pode ser mais propensa a violar regras, dependendo das pessoas com quem convive.

Irmãos inteligentes

As pesquisas sobre a ordem de nascimento sugerem que os padrões relativos às características, à inteligência e às carreiras dos irmãos não são reproduzidos globalmente
As pesquisas sobre a ordem de nascimento sugerem que os padrões relativos às características, à inteligência e às carreiras dos irmãos não são reproduzidos globalmente
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Conforme mencionado anteriormente, uma descoberta consistente que aparece nas pesquisas sobre ordem de nascimento é a relação entre ordem de nascimento e inteligência, com os primogênitos apresentando, em média, características relacionadas ao intelecto ligeiramente mais altas do que os mais novos.

"[A relação com a inteligência] aparece principalmente nos resultados dos testes de inteligência verbal, e tem um efeito muito pequeno", diz Damian. Além disso, "se você fez um teste duas vezes, provavelmente sua pontuação vai depender do dia ou do humor, [ou] do que você comeu naquela manhã, [ou] de quanto tempo você dormiu".

Isso também pode ser explicado pela estimulação cognitiva nos primeiros anos de vida. Damian ressalta que quanto mais adultos por criança houver em uma família, mais exposta ela vai estar à linguagem e ao vocabulário maduros.

Mas quando há mais irmãos em uma família, os níveis de estimulação intelectual podem diminuir.

"Portanto, não é tanto que sejam geneticamente mais inteligentes ou que tenham mais potencial — é mais que isso se traduz em uma pontuação de QI verbal mais alta no teste, o que pode ser devido ao conhecimento de mais palavras, porque mais adultos do que crianças falaram com eles", diz ela.

"Com duas crianças, talvez parte do tempo de leitura seja usado para gerenciar interações entre irmãos, em que a contribuição verbal é um pouco menos elevada."

Há também sugestões de que, à medida que os irmãos mais velhos ensinam ou explicam coisas aos irmãos mais novos, eles usam "mais recursos cognitivos".

É interessante notar que esses padrões de inteligência não são replicados globalmente. Os dados dos países em desenvolvimento são diferentes dos dados dos países desenvolvidos, por exemplo.

Na Indonésia, é provável que os irmãos nascidos depois tenham melhores oportunidades educacionais do que seus irmãos mais velhos, possivelmente devido a restrições financeiras, que só diminuem quando os irmãos mais velhos começam a contribuir com a renda familiar.

De acordo com Damian e seu colega, a ordem de nascimento também tem "efeitos insignificantes" sobre as carreiras. No passado, havia uma ideia predominante entre os cientistas de que o irmão mais velho ingressaria em uma carreira mais acadêmica ou científica, e o mais novo, em uma mais criativa.

Mas Damian descobriu o oposto: em seu estudo longitudinal, que analisou uma amostra de estudantes do ensino médio dos EUA em 1960, e os mesmos participantes 60 anos depois, os primogênitos acabaram se dedicando a carreiras mais criativas.

Filhos únicos são 'egoístas'?

Os filhos únicos geralmente enfrentam o estereótipo de serem mais egoístas do que as crianças que têm irmãos, supostamente porque não precisam competir pela atenção dos pais.

Os filhos únicos costumam ser descritos como egoístas, mas as pesquisas não corroboram isso
Os filhos únicos costumam ser descritos como egoístas, mas as pesquisas não corroboram isso
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Estudos recentes, no entanto, mostraram que esse não é o caso, e que crescer sem irmãos não leva a um aumento do egoísmo ou do narcisismo. Outras pesquisas sugerem que os comportamentos sociais de filhos únicos, comparados aos de crianças com irmãos, não são amplos ou generalizados, e "podem diminuir com a idade".

Normalmente, as pesquisas sobre ordem de nascimento não incluem filhos únicos, uma vez que não podem ser comparados de forma justa com crianças que cresceram com irmãos.

No entanto, é possível comparar os traços de personalidade de irmãos e filhos únicos, de acordo com um artigo de 2025 de Michael Ashton, professor de psicologia da Universidade Brock, no Canadá, e Kibeom Lee, professor de psicologia da Universidade de Calgary, no mesmo país.

O estudo deles apresentou alguns resultados novos e fascinantes. Eles analisaram a associação entre personalidade, ordem de nascimento e número de irmãos, em 700 mil adultos online em uma amostra, e mais de 70 mil em outra amostra separada.

Os irmãos do meio e os mais novos tiveram médias mais altas nas escalas de "honestidade-humildade" e "amabilidade" do que os primogênitos.

A "honestidade-humildade" mede o grau de honestidade e humildade de uma pessoa, ou seja, é improvável que uma pessoa com pontuação alta neste quesito manipule os outros, viole regras ou se sinta no direito de algo.

Uma pessoa com baixa pontuação pode ser mais inclinada a violar regras e ter um forte senso de autoimportância.

Na escala de "amabilidade", uma pessoa com pontuação alta tende a perdoar, ser indulgente ao julgar os outros, ter temperamento equilibrado e estar disposta a fazer concessões, enquanto uma pessoa com pontuação baixa pode guardar rancor, ser teimosa, sentir raiva facilmente e ser crítica em relação aos outros.

"Essas diferenças foram bem pequenas, principalmente quando as comparações envolvem pessoas de famílias com o mesmo número de filhos", disseram Ashton e Lee por e-mail.

"Em contrapartida, as diferenças nessas vertentes entre pessoas de famílias com apenas um filho [ou seja, filho único] e pessoas de famílias com seis ou mais filhos eram consideravelmente maiores, em algum lugar entre as dimensões que os cientistas sociais chamariam de 'pequeno' e 'médio'."

Então, eu pergunto: será que a influência da ordem de nascimento é apenas uma "teoria zumbi" — um conceito que está errado, mas que se recusa a morrer? Rohrer discorda.

"Não tenho certeza se eu chamaria de teoria zumbi", diz ela. "Do ponto de vista científico, acho que a literatura está avançando de forma bastante produtiva."

Portanto, talvez um dia tenhamos uma resposta mais clara sobre o que significa ser a filha mais velha. Até lá, vou continuar deixando minha irmã mais nova acreditar que sou inerentemente mais inteligente do que ela.

Leia a íntegra desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

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