Dar a Volta ao Mundo no Panteão

Espírito livre, desconfiado da autoridade e do poder, Lawrence Weiner (1942-2021) via-se a si próprio como um escultor, embora as suas obras fossem eminentemente compostas por palavras. Palavras que desencadeiam diferentes associações, e que podem ser apresentar-se de diferentes formas e em diferentes lugares, mas sempre num lettering imediatamente reconhecível que se tornou uma espécie de marca d’água do artista.
A relação entre a linguagem e o lugar era precisamente uma das pedras de toque do seu trabalho – e constitui um dos pontos-chave da exposição Around the World – Volta ao Mundo, patente no Panteão Nacional de Santa Engrácia, em Lisboa, até 31 de agosto.
Trata-se de uma instalação que joga com a ideia de Equador, essa linha imaginária que ainda assim condiciona todas as nossas noções de espaço e rege as relações entre as diferentes regiões do globo.
«As obras falam de movimento, de navegação, da ideia de uma linha invisível, ainda assim existente e funcional, que divide o globo em duas metades», escreve o curador Bartomeo Marí. «À VOLTA DO MUNDO entrelaça-se com o círculo central no pavimento do Panteão Nacional, projectado pelo arquitecto João Antunes para ser o leme central do edifício […]. A circularidade desta obra replica a imagem comummente utilizada pelos cartógrafos para representar o equador».
A ideia da navegação aqui é mais do que uma metáfora ou um piscar de olho à História de Portugal. Nascido no bairro do Bronx, antes de se tornar artista a tempo inteiro Weiner teve várias ocupações, incluindo temporadas como estivador e a bordo de um petroleiro. Mais tarde, dividia o seu tempo entre o estúdio Nova Iorque e um barco-casa atracado em Amesterdão.
«Forças e aspetos invisíveis da navegação aparecem frequentemente nas obras do artista – a Estrela Polar, o vento, o oceano, a flutuação, as ondas, o horizonte», continua Marí. «Ser navegador cultural era para ele uma condição natural».
A galerista Cristina Guerra, que trabalhou com Weiner durante duas décadas, recordava ao Nascer do Sol, em 2017, que a obra do artista norte-americano era mais facilmente entendida pelas gerações mais jovens do que por «uma pessoa de 50 e tal anos, habituada a um objeto». Em termos puramente materiais, uma obra sua, antes de ser instalada, consiste apenas numa folha com instruções e um CD com o vetorial, o ficheiro que serve de matriz, a partir do qual depois se manda fazer as letras, do tamanho que se quiser e no material que se quiser (podem ser impressas em vinil e coladas na fachada de um prédio, fabricadas em aço ou até tatuadas na pele).
No caso da instalação no Panteão, a «solidez e intemporalidade» da pedra contrasta com «a natureza perecível das esculturas tipográficas de Weiner», escreve André de Quiroga, outro dos envolvidos na exposição. Depois, há toda a ideia de circularidade e de coordenadas espaciais – ‘À esquerda do equador’, ‘À direita do equador’, etc.) – e porventura também mentais.
«Um bom artista não usa as soluções do costume», dizia Weiner numa entrevista. «Ser artista é das coisas mais livres do mundo. Não estamos a pilotar um avião; não estamos a prescrever uma receita médica. Não importa se erramos». Essa noção de liberdade era-lhe muito cara e intrínseca à sua prática artística, que por um lado recorria às possibilidades inesgotáveis da linguagem e, por outro lado, extravasava frequentemente as fronteiras da galeria ou do museu em direção ao mundo exterior.
Jornal Sol