Descontentamento ou desinformação? O dilema do voto algarvio

O Algarve é conhecido como a terra das férias, das praias de água quente, do sol e do mar. Mas essa imagem idílica esconde uma realidade bem diferente para quem cá vive: transportes públicos caóticos, listas de espera intermináveis nos hospitais, trabalho sazonal precário, imigração mal gerida, preços de habitação exorbitantes e condições de vida degradantes.
A tudo isto junta-se um sentimento crescente de insegurança. Mas talvez o mais revoltante seja ver que esta região só parece existir no calendário nacional durante três meses. No resto do ano desaparece mais depressa do que um turista alemão em setembro. Sendo ignorado, negligenciado e esquecido por quem decide em Lisboa. Para lá das praias e dos postais turísticos, vive-se uma realidade dura que quase ninguém quer ver.
Foi nesta zona de promessas esquecidas que se assistiu a um crescimento notório de partidos que manipulam com ideias extremistas. Um dia, foi a terra de uma esquerda sonhadora, que prometia um futuro mais justo e igualitário. Hoje, o que resta? Apenas o rancor que foi bem alimentado por promessas ocas, negligências cuidadosamente ignoradas e, acima de tudo, por uma voz que foi sendo silenciada com toda a gentileza institucional. Uma voz que, outrora, ergueu bandeiras e acreditou. Agora, carrega o peso de ter sido traída por quem jurou defendê-la.
Não é necessário ser um sociólogo para entender qual é a realidade social da população, uma grande parte dos jovens destina-se apenas acabar o secundário para depois poder ir entrar no mercado de trabalho, onde alguns acabam por dedicar-se atividades como: pesca, restauração, turismo ou a construção civil.
O jovem Algarve é desmotivado pelas condições de “poupança orçamental seletiva” que leva a escolas com pouco investimento, professores cada mais velhos, uma rede de transportes decadente que impossibilita as deslocações dos jovens para os estabelecimentos de ensino, a falta de instituições de ensino superior na região que dificulta os jovens de zonas mais distantes e a disponibilidade tão grande de cursos que caberia num postal turístico, obriga jovens a sair da sua área de residência, muitas vezes para conseguirem seguir o curso que tanto anseiam. Para aumentar a motivação quase inexistente, basta olhar para o abismo entre os jovens algarvios e os jovens das regiões metropolitanas de Lisboa e Porto. Fora isso, ainda é de notar o grande incentivo que as escolas proporcionam aos jovens para pensarem e interessarem-se por política, pena é que o incentivo não passou de um mero desejo idílico que ficou no papel do ministério da educação.
Todas estas situações abrem caminho para ascensão de discursos de ódio, vagos e sem qualquer tipo de soluções, acaba por levar os nossos jovens a seguir um caminho que não se enquadra com valores democráticos, só que no final de contas é aquele que fala para eles, que aparece e dá-lhes a sensação de serem ouvidos, como se alguém verdadeiramente se preocupa-se com eles e não apenas com as boas condições que lhes podem proporcionar em época balnear.
Não só os jovens, também a geração de meia idade sente o abandono deixado pelas instituições democráticas e os seus representantes. Trabalharam a vida inteira e defenderam os valores da democracia como hoje a conhecemos, estão mais do nunca desiludidos, já que não existe nem do governo, nem dos próprios grupos parlamentares, a proximidade e preocupação que deveria haver. Uma das maiores provas disso é o facto de para a população as juventudes partidárias serem muito pouco ativas, apenas aparecendo em época eleitoral, fora disso, nem vê-las.
Décadas de promessas não cumpridas, deixaram feridas que vão demorar tempo a serem saradas. A habitação acessível para alemães e ingleses, já que deixaram de ter de disputar com os portugueses que hoje nem conseguem tentar arrendar ou comprar casa, algum dia passando a ser a “Nova Lisboa” só com o preço da habitação. O atraso constante na modernização dos transportes públicos, o desinvestimento em outras áreas como no setor da prestação de serviços, ou até da própria agricultura, sem ser no setor turístico, a falta de controlo e de integração da comunidade de imigrantes, que geraram uma onda de ódio da população, a saturação dos serviços, o péssimo sistema de saúde que continua a falhar pela má gerência, a falta de um novo hospital dialogado há anos, mas nunca formalizado. Enquanto isso, no Algarve dos postais turísticos contrasta outra realidade, com o crescimento da indústria hoteleira, as casas para arrendamento apenas para férias, as festas de verão que levam ao gasto exagerado dos fundos autárquicos. Quando pensamos que uma região que era historicamente dominada por partidos de esquerda, ou de centro direita, voltou-se para extremos, entendemos que não se trata só de desinformação, como laguna gostam de insinuar, o que se nota é um movimento de descontentamento que já vinha a dar sinais há muito tempo, que foi completamente ignorada. Dado o que tinha acontecido nas penúltimas legislativas era de esperar que os grupos partidários tentassem reconectar-se com pessoas que um dia já foram seus eleitores, em vez disso, o que fizeram foi criticar as pessoas, caracterizá-las como incultas ou desinformadas, onde na verdade deviam ter voltados às atenções para a zona do país que há muito é esquecida e silenciada.
Curioso perceber que a voz do povo algarvio só parece ser ouvida quando grita contra o que seria oportuno para quem fica nos gabinetes da Assembleia da República. No fundo, talvez o maior erro do Algarve tenha sido acreditar que bastava ser um bom destino para férias para ser bem tratado. Mas como se vê, nem todos os destinos de férias têm um final feliz.
observador