Falta lucidez à luta climática

Guerra na Palestina. Guerra na Ucrânia. Guerra no Paquistão. Guerra no Sudão. Guerra tarifária. Guerra ideológica. Guerra cultural. Guerra contra a ciência, contra a imprensa, contra o outro.
Vivemos tempos em que parece que o conflito deixou de ser extraordinário, tornou-se escovar os dentes, tornou-se rotina, tornou-se linguagem. Está em todo o lado: nos palanques, nos algoritmos, nas conversas de café. Há sempre um inimigo, uma batalha a vencer. Mas quem está a ganhar? Não sei, mas certamente não é o planeta.
Aliás, ainda se fala em alterações climáticas? Dá impressão que nos esquecemos do maior adversário do século XXI – ou ouso dizer, da história da humanidade. O tema esteve virtualmente ausente nestas legislativas, e no palco internacional tem sido sistematicamente marginalizado. Tornou-se numa guerra adormecida, abafada pelo clamor de conflitos que gritam mais alto, mais rápidos, mais agora e que, de facto, exigem resposta imediata.
Quem parece querer trazer o assunto de volta à consciência coletiva portuguesa é o Climáximo. Com ações já programadas para Junho no aeroporto de Lisboa, o recém ataque a Rui Rocha e ainda com a tentativa de perturbar a noite eleitoral da AD, o coletivo dá sinais de estar de volta, pronto para gritar onde todos sussurram. Mas há gritos que, pela forma como surgem, não passam de barulho inoportuno.
Imaginem aquela mosca barulhenta, que se lança teimosa contra a janela. Apesar de não conseguir avançar por ali, continua a insistir, cada vez mais irritante, cada vez mais ineficaz. Assim se revelam, muitas vezes, os ativistas do Climáximo – presos numa obstinação cega, sem explorar alternativas. Há uma linha ténue entre perturbar para despertar e perturbar por perturbar. E o segundo parece ser a sua escolha estratégica, a avaliar pelo recente e incompreensível apelo à abstenção nas legislativas.
Num momento em que a extrema-direita cresce e o associado discurso anti-ciência ganha terreno, sugerir que não se vote, não é apenas de uma infantilidade extrema, é suicídio. A democracia não é um luxo descartável, pode ranger, às vezes magoar e até falhar, mas é a nossa única arma de longo alcance para redesenhar prioridades e corrigir rumos. Não votar, ou colocar todas as forças políticas no mesmo plano, é abdicar de qualquer influência real e oferecer de bandeja a vitória àqueles que prosperam com a inércia. Num país fatigado, onde o neofascismo se prepara para se sentar à grande no Parlamento, continuar a apelar ao afastamento das urnas não é resistência, é rendição antecipada. O Climáximo parece confundir cavar trincheiras de batalha com cavar a sepultura da sua própria causa.
Hoje não precisamos do Climáximo. Não precisamos de mais raiva, estamos saturados dela. A irritação, irrita, não mobiliza, marginaliza. Precisamos é de uma voz séria, de um ativismo de pontes, que fale para unir, com lucidez e sentido.
É urgente mostrar que o colapso ambiental não está suspenso enquanto resolvemos outras crises, mas temos que fazê-lo sem alienar e sem pregar por cima. Em vez de falar contra, há que falar com – entrando nas lutas mais tangíveis das pessoas: na saúde, na habitação, no custo de vida – e mostrar que tudo, em última instância, depende de um solo saudável e estável.
Avizinham-se tempos estranhos, se já não estivermos mergulhados neles. A instabilidade parece reinar, com a atual conjuntura internacional perpetuamente à beira de qualquer coisa. E nesse cenário, falar de crise climática não pode soar a capricho nem a tema de nicho. Tem de surgir ligado ao que realmente mexe com a vida agora. Torná-la presente sem ser opressiva, urgente sem ser histérica, concreta sem ser simplista.
observador