O telemóvel na escola vista por professor que não o dispensa

Decorreu na semana passada o exame nacional de Física e Química A (FQA), a minha disciplina. Cada estudante que se apresentou a exame teve de passar por mais de 400 aulas distribuídas por dois anos letivos, estudou assuntos tratados em quatro manuais escolares, para cima de mil páginas de papel impresso, participou em duas dúzias de atividades laboratoriais obrigatórias e lidou com centenas de exercícios de aplicação. Nos dias que correm, aprender é uma obra grande. É uma empreitada, concluir a escolaridade obrigatória.
Talvez seja suficiente estar atento na maioria das aulas para conseguir obter 10 valores no exame nacional de FQA, quiçá 11. Com esforço, incluindo o esforço das famílias que pagam explicações extra, é possível chegar ao 12, 13, vá lá, 14. Falo, evidentemente, de situações que não fogem à norma e uso a minha experiência de 27 anos de ensino e o contacto com milhares de alunos que se apresentaram a exame. Daí para cima, tem de ser sem esforço, com fluidez, com gosto e ânimo.
Falar em estudar sem esforço pode soar estranho, mas é justamente esse o objetivo da utilização do digital em contexto de sala de aula. Como sucede em todas as atividades humanas, a tecnologia só se torna relevante se permitir produzir muito mais trabalho com menos esforço. É uma situação paradoxal porque, contrariamente àquilo que muitas vezes somos levados a pensar, não foi inventada nenhuma poção mágica que permita aprender sem treino e persistência e, nesse sentido, continuaremos a ter de estudar como sempre se estudou. O que sim foi inventado é um equipamento que permite trazer o treino em tempo real para dentro da sala de aula, acelerando a criação de rotinas e a consolidação de aprendizagens. Esse equipamento é o telemóvel dos alunos.
Já muito investimento foi feito para equipar as escolas com ferramentas digitais facilitadoras da aprendizagem. Infelizmente, o impacto de todas essas iniciativas foi sempre reduzido e há um fator que explica esse insucesso. A sala de aula obedece a uma dinâmica especial. Os professores têm de gerir o tempo de uma forma criteriosa e é muito fácil perder o ritmo, destruindo um plano de aula, se aquilo que pretendemos fazer não funcionar à primeira. Não é possível numa aula usar equipamentos que tenham curvas de aprendizagem pronunciadas ou que apresentem riscos de um comportamento pouco fiável. É esse o principal motivo que explica por que tantos professores evitam utilizar o digital: não é aversão, mas estratégia de sobrevivência.
É aqui que entra o telemóvel dos alunos. Passei 15 anos de carreira sem usar telemóvel e depois o resto a usá-lo e a diferença é que agora posso aumentar a autonomia, proporcionar aulas mais envolventes, dar-lhes mais liberdade, disponibilizar atividades de consolidação em tempo real, enfim utilizar todo o potencial da internet. E posso fazê-lo sem o receio de criar entropia nas aulas. O telemóvel dos alunos é a única ferramenta digital com valor acrescentado para todos os alunos e é o instrumento que mais perto nos coloca de aprender sem esforço.
Bem sei que o recurso ao telemóvel dos alunos em contexto de ensino-aprendizagem está abaixo da sua utilização fora da escola. É preciso disseminar as práticas que o tornam tão útil, ao mesmo tempo que promovemos uma diversificação das atividades lúdicas. E também não ignoro que a internet tem riscos que aconselham criar regras de moderação – fi-lo com os meus alunos, e em casa com a minha filha. Mas o telemóvel está para a aprendizagem como a retroescavadora está para as empreitadas. A escolaridade obrigatória é uma empreitada e é difícil conceber que, apesar de todos os desafios que se colocam, se opte por voltarmos à pá e picareta.
observador