Por que animações infantis estão indo tão mal de bilheteria

Elio, a nova superprodução do estúdio de animação Pixar, mostra um menino que foi levado da Terra para o espaço sideral. O desenho em si, contudo, não decolou.
A produção rendeu apenas US$ 21 milhões (cerca de R$ 114,5 milhões) de bilheteria nos Estados Unidos no fim de semana de abertura e US$ 14 milhões (cerca de R$ 76,3 milhões) no resto do mundo - estreia mais fraca da história da Pixar.
Como Treinar o Seu Dragão, da DreamWorks, arrecadou quase o dobro, mesmo já tendo entrado em cartaz uma semana antes. E até Extermínio 3 (a aventura zumbi do diretor e produtor Danny Boyle, filmada em um iPhone), atraiu mais espectadores do que Elio.
Que diferença um único ano pode fazer!
Em junho de 2024, o filme anterior da Pixar, Divertida Mente 2, atingiu quase US$ 1,7 bilhão (cerca de R$ 9,3 bilhões), consolidando sua posição de maior sucesso de bilheteria do ano passado. E não foi o único.
Uma reportagem publicada pelo jornal britânico The Times em dezembro qualificou o ano de 2024 como "uma nova era dos filmes para a família". Para o jornal, "a recessão da pandemia oficialmente passou e uma nova salvação para as bilheterias retornou a Hollywood".
Outros títulos infantis mencionados na reportagem foram Meu Malvado Favorito 4, Moana 2, Mufasa: O Rei Leão e Sonic 3: O Filme. Juntos, eles renderam cerca de US$ 6,85 bilhões (cerca de R$ 37,35 bilhões).
Embora seja difícil contestar os números, também não se pode ignorar o fato de que todos esses filmes giram em torno de universos já conhecidos.
E, em 2025, os maiores filmes para a família incluem Um Filme Minecraft e as versões live-action de Lilo & Stitch e Como Treinar o Seu Dragão.
Mas o fracasso de Elio indica que, hoje em dia, é muito mais difícil fazer sucesso com um filme que não seja uma continuação, história anterior, remake, adaptação de vídeo game ou alguma combinação confusa de todos os mencionados acima.
Parece que, entre os espectadores mais jovens, a falta de familiaridade gera desprezo.

Sim, houve alguns filmes infantis originais lucrativos nos últimos tempos, como Os Caras Malvados (2022) e Robô Selvagem (2024). Mas estes dois são adaptações de livros.
O que não temos visto ultimamente são megassucessos originais, desses que vendem brinquedos e viram musicais da Broadway. Os dias dos fenômenos que dão origem a franquias - como O Rei Leão, Toy Story e Frozen - parecem ter ficado para trás.
Como destacou o jornalista Brooks Barnes recentemente no jornal americano The New York Times, Ruby Marinho: Monstro Adolescente, da DreamWorks, e Patos!, da Illumination, foram fracassos de público em 2023. E outra decepção daquele ano foi Wish: O Poder dos Desejos, a produção que marcou o centenário da Disney.
Em 2022, Mundo Estranho, também da Disney, foi uma das maiores bombas de bilheteria da história. Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica, da Pixar, teve fraco desempenho em 2020. E duas outras produções originais do estúdio - Soul (2020) e Red: Crescer é uma Fera (2022) - foram direto para o streaming, no Disney+.
Este fenômeno pode ser atribuído, em parte, à pandemia de covid-19.
Em alguns casos, os filmes fracassaram devido à queda geral de público nos cinemas. Outras produções não foram lançadas na tela grande. E as pessoas se acostumaram, durante os lockdowns, a assistir aos novos filmes em casa.
Mas esta é apenas parte da história - e "história" pode ser a palavra-chave.
O problema por trás desta questão é que os filmes para a família que fracassaram nos anos 2020 não têm roteiros suficientemente claros e estimulantes para atrair espectadores de todas as idades e níveis de concentração.
Cozinheiros demaisElio, por exemplo, é a doce e alegre história de um menino solitário que aprende a se abrir para as amizades. Mas sua narrativa divaga de forma confusa.
O longa atravessa muitas cenas até que Elio sai da Terra e chega à nave alienígena psicodélica chamada Comuniverso. Depois, o filme manda Elio para a espaçonave de um vilão. E ele retorna para o Comuniverso.
Elio, então, volta para a Terra. Depois, está de novo no Comuniverso. Eu cheguei a mencionar que ele tem um clone na Terra por parte do tempo?
Com todas essas idas e vindas, não surpreende que os espectadores mais jovens não saibam ao certo o que ele está fazendo e por quê.
As origens do filme podem ajudar a explicar a questão. Elio deveria ter sido dirigido por Adrian Molina, usando ideias retiradas da sua própria infância em uma base militar.
Mas, em junho do ano passado, Domme Shi (de Red: Crescer é uma Fera) foi anunciada como nova diretora. Em agosto, Madeline Sharafian foi anunciada como codiretora. E os créditos indicam três roteiristas diferentes.
Ou seja: talvez esta seja uma sopa que foi simplesmente preparada por muitos cozinheiros.
Existem vários outros filmes para a família que também foram elaborados por diversas pessoas e são muito complicados. É extremamente difícil, por exemplo, resumir os confusos roteiros de Soul, Mundo Estranho, Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica e Wish: O Poder dos Desejos.
Já no clássico da Pixar Procurando Nemo, tudo é muito mais fácil: o roteiro está simplesmente no título.

O que estes filmes recentes parecem ter em comum é o nervosismo do estúdio para deixar que um diretor roteirista conte uma história simples e engraçada.
Os filmes de animação são notoriamente caros. Calcula-se que Elio tenha custado US$ 150 milhões (cerca de R$ 818 milhões).
Por isso, é compreensível o impulso de refinar continuamente um cenário, pagando cada vez mais roteiristas para acrescentar novos detalhes ao seu mundo de ficção. Mas este método de produção em comitê não é a melhor forma de elaborar um roteiro eficiente.
"Você pode sentir a necessidade de ter mais uma reunião de roteiro, na qual eles resolvem seus problemas com uma nova camada de história ou outra dimensão", segundo o produtor britânico que se tornou crítico de cinema Jason Solomons.
"Mesmo esses filmes menores sempre são extremamente bem pensados, mas tentar amarrar todas as suas pontas soltas, arrematando cada piada e mostrando a transformação de cada um dos personagens, às vezes faz parecer que o mecanismo se rompe, no seu esforço para fazer com que tudo funcione com a quase obrigatória suavidade costumeira."
"Talvez uma certa maluquice, uma ponta solta aqui e ali, pudesse fazer bem?", questiona Solomons, em entrevista à BBC.
Nada disso significa que as diversas sequências e spin-offs que dominam o mercado de filmes para a família sejam modelos de histórias bem contadas de forma econômica. Mas isso perde importância quando o público conhece o material antes do filme começar.
Os hábitos de assistir aos filmes no mundo pós-pandemia incluem, hoje, muito mais bate-papo e rolar de telas no celular do que poucos anos atrás.
Mas os espectadores não precisam se concentrar muito para acompanhar um remake de Como Treinar o Seu Dragão ou Lilo & Stitch. Afinal, eles já sabem o que está acontecendo.
O desafio para os estúdios, agora, é envolver o público com histórias que eles ainda não conhecem.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Culture.
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