Natação do Brasil tem renovação lenta e se desafia por pódio no Mundial após lágrimas em Paris

Já faz algum tempo que o Brasil não tem protagonistas na natação. Além de terminar a Olimpíada de Paris sem medalhas na modalidade e com o pior desempenho desde 1988, o País está há dois Mundiais de Esportes Aquáticos sem subir ao pódio. A edição de 2022 foi a última em que teve medalhistas. Um deles foi Guilherme Costa, o Cachorrão - bronze nos 400 metros livre -, que compete nos próximos dias no Mundial de Cingapura, cujas provas de natação começam neste sábado.
A outra medalha do campeonato de 2022, disputado em Budapeste, foi conquistada nos 50 metros borboleta por Nicholas Santos, especialista nesse tipo de disputa, que se aposentou naquele ano, aos 42 anos. Em maio de 2025, ao participar do Campeonato Brasileiro Máster, ele fez 23s26 na mesma prova, abaixo do índice de classificação para o Mundial.
O único nadador brasileiro que conseguiu classificação para disputar os 50m borboleta, inserido no programa olímpico para Los Angeles-2028, foi Guilherme Caribé, de 22 anos.
"Aqui no Brasil não tem uma renovação. Digo isso porque se eu estivesse nadando até hoje, eu estaria na seleção indo competir. E, poxa, eu tenho 45 anos, não tem renovação", pontua Nicholas Santos ao Estadão. "Então, o Caribé está nadando para 22s09 agora. Ele é um nadador novo, mas não tem um segundo nadador de uma prova, sabe? Nos Estados Unidos tem quatro, cinco, seis disputando."
A maior chance de pódio do Brasil no Mundial é justamente de Caribé, nos 50 e nos 100 metros livre, porém sem favoritismo. Nos 50, ele tem 21s46 como melhor tempo do ano, anotado durante o Troféu Maria Lenk, 16 segundos atrás do líder do ranking, o australiano Cameron McEvoy. Também disputam o pódio nomes com o americano Jack Alexy, o russo Egor Kornev e o britânico Ben Proud.
Na disputa dos 100m, o baiano de 22 ano tem o terceiro melhor tempo do ano, com 47s10, mas vai competir com nomes de alto calibre. "É colocar na cabeça que estou no bolo. Não é fora da casinha pensar em uma medalha", disse em entrevista ao site oficial do Comitê Olímpico Internacional (COI).
O principal astro da prova é o chinês Zhanle Pan, 20, que chocou o mundo da natação ao bater o recorde mundial durantes os Jogos Olímpicos de Tóquio. O nadador, então com 19 anos, completou a prova em 46s40, quase um segundo à frente do segundo colocado, o australiano Kyle Chalmers. Brett Hawke, australiano que já treinou Cesar Cielo, chegou a acusar chinês de doping.
"Estou com raiva por várias razões. Trabalhei com grandes nadadores, os mais rápidos da história, Antony Irwin, Alexander Popov, Gary Hall Jr., e os conheci intimamente. por mais de 30 anos e sei que é humanamente impossível terminar a prova dos 100 metros com uma vantagem de um corpo. Eu estudei esse esporte, estudei a velocidade. Eu entendo disso, sou um especialista. Não estou criticando um pessoas em particular ou uma nação, mas não me venda que pode vencer Kyle Chalmers por um corpo de vantagem. Isso não é real", disse, na ocasião.
Brasil tem desafios para ser consistenteA China teve 12 medalhas nos Jogos de Paris, o dobro do que conquistou no Jogos de Tóquio, e teve o doping como assunto recorrente nos últimos anos. Isso porque, em 2021, 23 nadadores do país testaram positivo para um medicamento cardíaco proibido. Durante o último ciclo olímpico, o COI reforçou a periodicidade de testes nos atletas chineses por causa do episódio.
No Mundial de Cingapura, muitos olhares estarão voltados para a China. Além Zhanle Pan, destaca-se a história de Yu Zidi, que tem apenas 12 anos e, ao longo de 2025, fez tempos entre os melhores do mundo em três provas. Tais marcas são muito próximas daquelas que renderam medalhas nas Olimpíadas do ano passado.
Enquanto potencias econômicas como China e EUA renovam seus talentos da natação, e de outros esportes, com mais facilidade, o Brasil repete a história de ser uma gangorra em diferentes esportes olímpicos, por mais que se fale em legado. No caso da natação, os melhores atletas do Brasil são forjados nos Estados Unidos, onde têm acesso a ótimas estruturas por meio das universidades. Para Nicholas Santos, há um detalhe na mentalidade dos nadadores americanos que poderia ser assimilado pelos brasileiros.
"Eu via que nos Estados Unidos, na época que eu estava treinado, um nadador que nem tem tanto potencial falar: 'Ah, meu objetivo na temporada é ganhar do Michael Phelps'. Eu falava: 'O cara não vai ganhar do Michael Phelps'. Mas ele era campeão Pan-americano, entrava para uma seleção americana. Você via que que ele era mais agressivo nessa parte da mentalidade né Eu acho que falta um pouco isso aos nossos nadadores."
A grande questão da falta de consistência, contudo, é estrutural e está ligada a problemas que afetam muitos outros esportes. Hoje, os nadadores dependem de um sistema de clubes que nem sempre consegue atender todas as demandas necessárias a um profissional de alto rendimento.
"Esse modelo que a gente tem aqui no Brasil, muitas vezes não é o modelo ideal para avançar em termos de projeto olímpico, eu acho", comenta Nicholas. "Acho que poderia ter incentivos maiores na base, principalmente, para que conseguisse evoluir e ter renovação para que a gente desenvolva a natação. Fazer training camps fora, levar ou trazer treinador para ter esses intercâmbios de modelos de treinamento. Eu acho que isso é importante para que os treinadores se desenvolvam também."
"O alto rendimento no Brasil é regido por dois pilares: o COB, que fornece esse ambiente de alto rendimento, e os clubes, que estão sobrecarregados", explicou Bruno Fratus, medalhista de bronze nos 50m livre dos jogos de Tóquio, em entrevista ao Estadão em 2024. "Cuidam da formação, do alto rendimento, do nível olímpico, e é dividido com a parte social, o sócio que está usando com a família, lazer. Dois corpos não conseguem ocupar o mesmo espaço, o que acaba espremendo profissionais para fora do País. Ao mesmo tempo, o Comitê tem limitações políticas, burocráticas, algo compreensível de uma instituição que se mantém, na maior parte, com dinheiro público", diz.
As brigas do Brasil no Mundial após lágrimas em ParisFora Caribé, o único atleta brasileiro que chega ao Mundial de Esportes Aquáticos mais credenciado a briga por medalhas é Guilherme Costa, o Cachorrão, que deseja enterrar as frustrações vividas na Olimpíada de 2024. Ele chegou a Paris certo de voltaria ao Brasil com pelo menos uma medalha, nos 400 metros livre, sua especialidade, na qual ficou a 0,26 segundos do pódio.
O choro de Cachorrão após sair da piscina como quinto colocado foi a imagem mais marcante da participação do brasil naqueles Jogos Olímpicos. A foto do momento está fixada no topo da página do Instagram do atleta.
"Fixei para eu me lembrar daquilo. Porque sempre que eu me lembro daquela situação ali após a prova, me dá mais vontade de treinar, de me preparar, porque acho que aquilo me impactou muito. Eu me sentia muito pronto", disse ao COI.
Bronze no Mundial de 2022, Guilherme vai brigar com nomes como o alemão Lukas Martens, dono do recorde mundial, os australianos Samuel Short e Elijah Winnington e o sul-coreano Kim Woo-min. Ele tem de baixar os 3min42s76 que fez na Olimpíada.
"Acho que aquela aquela coisa que ficou engasgada de Paris... se ele conseguir tirar ali nesse momento, se manter calmo, fazer os ajustes que ele talvez tenha feito agora nessa temporada para acertar e nadar para 3min41s, 3min42s baixinho, ele é capaz de de brigar por uma medalha também", opina Nicholas Santos, que não vê mais chances de medalhas para o Brasil além das cultivadas por Caribé e Cachorrão.
Ver mais representantes do Brasil em finais, contudo, é uma esperança. Stephanie Balduccini pode aparecer entre as finalistas dos 100 e 200 metros livre. Nicholas também aponta expectativa "gigantesca" sobre o desempenho de Mafê Costa, que começou a treinar com o australiano Dean Boxall, conhecido por trabalhar com a campeã olímpica Ariarne Titmus.
"Ele treina duas nadadoras que nadam abaixo de 4 minutos, que é a Molly O'Callaghan e Ariarne Titmus. Então, a Mafê treinando com ele, eu imagino que ela consiga nadar bem próximo dos 4 minutos, quem sabe até quebra essa barreira. Seria sensacional para a gente.", comenta Nicholas. Há ainda expectativa de ver Victor Alcará alcançar ao menos a semifinal nos 50 metros livre, o que vale para Guilherme Basseto nos 50 metros costas.
Veja quem são os nadadores do Brasil no Mundial de Esportes Aquáticos:Feminino- Beatriz Bezerra - 50m borboleta
- Gabrielle Roncatto - 400m livre, 800m livre e 1500m livre
- Letícia Romão - 1500m livre
- Lorrane Ferreira - 50m livre
- Stephanie Balduccini - 100m livre, 200m livre e 100m borboleta
- Maria Fernanda Costa - 200m livre, 400m livre
Masculino
- Guilherme Basseto - 50m costas e 100m costas
- Guilherme Caribé - 50m livre, 100m livre e 50m borboleta
- Guilherme Costa - 200m livre e 400m livre
- Stephan Steverink - 400m livre e 400m medley
- Victor Alcará - 50m livre
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