Um Neto a comandar as gerações que se seguem

Era a última vaga do Mundial de Clubes que estava em discussão. De um lado, o América, equipa mexicana com uma legião de fãs no apoio em Los Angeles um pouco à semelhança do que acontece com a seleção em qualquer parte do mundo. Do outro, o Los Angeles FC, formação da casa com uma claque parecida com as dos europeus super divertida que tinha pela frente um desafio diferente daqueles a que está habituado desde que foi fundado, há dez anos. No final, com uma grande reviravolta consumada nos minutos finais do tempo extra, os norte-americanos ganharam e carimbaram o 32.º e último passaporte para a nova competição que seria organizada no país. Ainda assim, notícia mesmo foi no México – neste caso, a lamentar o desaire.
Apesar de estarem no mesmo saco em relação a realidades quase opostas à europeia, era provável que um triunfo do América permitisse que milhares e milhares de mexicanos se deslocassem aos EUA para se unirem aos milhares e milhares que já vivem lá. Assim, com o Los Angeles, sobrava a tal claque e pouco mais, como ficaria bem expresso nesta estreia em Atlanta. Até desportivamente, na intensidade e agressividade, seria diferente. No entanto, Enzo Maresca, técnico que agarrou o Chelsea na presente temporada para ganhar a Liga Conferência e carimbar o regresso à Liga dos Campeões, recusava qualquer tipo de facilitismo.
“Se estivermos atentos às ligas de todo o planeta, podem reparar que o futebol evoluiu. Há muitas equipas a fazer as coisas da melhor forma e a jogar bom futebol. A tecnologia permite que qualquer clube do Mundo possa ver e analisar jogos. O treinador deles [Steve Cherundolo] fez toda a carreira de jogador na Alemanha [Hannover, entre 1998 e 2014] e traz toda essa experiência. Na segunda jornada também vamos defrontar um treinador brasileiro que passou a carreira em Espanha [Filipe Luís, do Flamengo]. O futebol é um desporto global e vamos experienciar isso. Estamos orgulhosos de representar o Chelsea nesta prova e estamos cá para ganhar o Mundial… depois podemos ter férias”, destacava na antecâmara da partida frente a uma equipa que tinha dois dos jogadores com mais vivências no futebol europeu: Hugo Lloris e Giroud.
Maresca não andou longe da verdade mas podia ter acrescentado outra verdade universal neste mundo do futebol: quem não marca, arrisca-se a sofrer. Foi isso que aconteceu com o Los Angeles, que depois de uma primeira parte onde passou ao lado do jogo teve oportunidades para empatar e discutir o encontro frente aos ingleses. Não foi eficaz, Robert Sánchez brilhou na baliza e foram os blues que saíram a sorrir num triunfo com números que não mostram o que se passou nos últimos 45 minutos de um jogo com bancadas quase vazias em Atlanta, muito provavelmente numa das piores assistências deste Mundial de Clubes.
O Chelsea entrou apostado em tomar conta do controlo do jogo mas não conseguiu fugir à imagem que vinha (ou antes, saltava) das bancadas: o ritmo era lento, vazio, com domínio dos londrinos, sem oportunidades flagrantes a não ser um ou outro lance em que Cole Palmer teve espaço ou Madueke fez bem o movimento de rutura. Nicolas Jackson tentou deixar a primeira ameaça mas escorregou quando procurava rematar na área (5′), Madueke teve o primeiro grande lance de perigo com um remate cruzado para defesa de Lloris (17′). Era Pedro Neto que tentava depois alterar o ritmo da partida em investidas 1×1 a partir da direita do ataque, foi Pedro Neto que conseguiu finalmente furar a muralha defensiva dos norte-americanos: Jackson jogou bem de costas para a baliza, lançou bem na profundidade e o português teve apenas de tirar um adversário da frente com classe antes de rematar de pé esquerdo para o 1-0 sem hipóteses para Lloris (34′).
Ambos os treinadores queriam mais, ambos os treinadores mexeram ao intervalo. Maresca lançou em campo Malo Gusto e Enzo Fernández à procura de outras dinâmicas ofensivas que pudessem acelerar o jogo, Steve Cherundolo apostou no experiente Olivier Giroud à procura de mais presença no ataque. Entre as melhorias, o Los Angeles conseguiu jogar mais e esteve perto do empate, com Denis Bouanga a aproveitar a passividade da defesa dos blues para rematar rasteiro para grande defesa com o pé de Roberto Sánchez (57′). A formação norte-americana crescia na partida, estava mais vezes perto da área contrária mas seria o Chelsea a fechar de vez com o encontro, com um golo de Enzo Fernández após assistência de Delap (79′). E por falar em estreias, houve outra a sete minutos do final: Dário Essugo, jovem internacional Sub-21 contratado ao Sporting que esteve cedido ao Las Palmas, rendeu Caicedo aos 83′ e fez o primeiro encontro pelos blues que apostam cada vez mais numa nova geração de reforços onde entram Quenda ou Estêvão, entre outros.
A pérola- Enzo Maresca teve o condão de começar a fazer do Chelsea uma equipa e não um mero conjunto de bons jogadores, comprados por milhões e milhões de euros sem filtro e, em alguns casos, sem rendimento. No entanto, e mesmo tendo ganho a Liga Conferência, ainda é um projeto em construção, que agora até tem apostado mais em jovens talentos para construir bases para um futuro melhor. Assim, quando a equipa não consegue apresentar tanto rendimento, é o talento individual que vem ao de cima. Mais uma vez, foi isso que aconteceu: com todos os olhos centrados em Cole Palmer, olhado talvez em demasia como a grande estrela da equipa e um dos melhores no Mundial de Clubes, foi Pedro Neto que conseguiu fazer os desequilíbrios que permitiram aos londrinos arrancar um triunfo na estreia na competição.
- Foi um dos jogadores mais “baratos” entre os camiões de dinheiro que o Chelsea tem gasto desde que Todd Boehly e os restantes parceiros compraram o clube a Abramovich, tem sido também um dos elementos com melhor rendimento até na comparação custo/minutos. Robert Sánchez esteve longe de ser uma opção inquestionável para a baliza dos blues mas soube segurar o lugar e voltou a fazer o que se pede a um guardião de “grande”: poucas intervenções, boas intervenções, decisivas intervenções. Enzo Fernández entrou ao intervalo para decidir a partida, Delap também teve uma boa estreia mas foi o guarda-redes espanhol que salvou duas vezes os ingleses de um empate que poderia complicar o jogo.
- Com este triunfo, o Chelsea passa a liderar o grupo D da competição, dando um passo importante rumo aos oitavos e ficando também à espera daquilo que poderá sair do outro encontro que se joga esta madrugada entre os brasileiros do Flamengo (que são favoritos) e os tunisinos do Espérance Tunis
- Até podia ser um mero lapso da realização na altura em que os jogadores eram apresentados um a um na estrada em campo, com todas as câmaras apontadas para as bancadas que não se conseguem ver na transmissão e que estavam vazias. Mas não, não era erro. Era mais a base do perdido por um, perdido por mil. Porquê? A assistência no Mercedes-Benz, em Atlanta, envergonharia um qualquer organizador de torneios de pré-temporada, ainda para mais tendo um conjunto norte-americano (que joga no outro lado do país, acrescente-se) envolvido. Mais: como alguns órgãos internacionais foram reportando durante os exercícios de aquecimento, o próprio estado do relvado deixava muito a desejar…
observador