“Novela” do IOF revela impasse político e fiscal; governo e Congresso insistem em suas posições

Os olhos e ouvidos da República estarão voltados nesta terça-feira (15) para a audiência de conciliação entre Executivo e Congresso sobre o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), tema que, além de impasse político, constitui uma peça-chave para as contas públicas. O governo chega à mesa de negociação, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), com uma estratégia fechada: não abrir mão da validade do decreto que elevou o tributo.
O aumento do IOF, anunciado em maio por meio de decreto presidencial, é tido pelos governistas e pela Fazenda como essencial para engordar os cofres da União em R$ 12 bilhões e permitir o cumprimento da meta do arcabouço fiscal este ano. Ao anunciar a medida, o governo também congelou R$ 31,3 bilhões em despesas discricionárias, e já contava que a arrecadação adicional ajudasse a compensar perdas e garantir o equilíbrio fiscal.
A reação do Congresso foi rápida, derrubando o decreto presidencial numa derrota histórica para o governo por meio de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL), sob o argumento de que o Executivo não poderia majorar tributos sem o aval do Parlamento.
Diante do conflito, o governo acionou o STF, que suspendeu os efeitos tanto do decreto do Executivo quanto do projeto do Legislativo, até que houvesse uma decisão definitiva. Com isso, os recursos esperados com o aumento do IOF ficaram travados, colocando mais pressão sobre a Fazenda.
Haddad tem menos de duas semanas para encontrar uma compensação antes da divulgação do próximo relatório bimestral de receitas e despesas, documento que avalia a situação das contas públicas. Sem acordo com o Congresso serão necessários novos bloqueios ou contingenciamentos no Orçamento.
"Não há proposta alternativa", diz ministroNesta segunda-feira (14), o ministro da Casa Civil, Rui Costa, afirmou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não deve levar uma proposta alternativa à reunião. "O governo já tem a proposta e foi o que fez no decreto. A posição oficial do governo é que o decreto está regular e o governo pediu que o STF se manifeste. Não temos proposta alternativa, a posição nossa é a que está lá de defesa do decreto. O governo não fará negociação sobre esse tema. O governo defenderá manter a defesa no Judiciário de seu decreto", afirmou Rui Costa a jornalistas, após evento no Palácio do Planalto.
Por outro lado, os presidentes da Câmara e do Senado - deputado Hugo Motta (Republicanos-PB) e senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) - tambem já reafirmaram ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que o Congresso não aceitará aumento de impostos.
Na sexta-feira (11), o Legislativo encaminhou pedido ao STF solicitando que seja mantida a derrubada do decreto do Executivo que aumentou o imposto. O documento pede a declaração de constitucionalidade da medida tomada pelo Congresso que invalidou os decretos do governo em 25 de junho, sob a argumento que sua prerrogativa é legislar e fiscalizar o Poder Executivo.
Deputados têm defendido uma alternativa intermediária ao decreto inicial: com a manutenção do aumento do imposto sobre operações em que o IOF já incidia anteriormente, como sobre câmbio e compra de moeda internacional, mas retirando a cobrança sobre aquelas que o tributo não incidia anteriormente, como é o caso do "risco sacado". Usado comumente no varejo, o "risco sacado" é uma operação em que o fornecedor recebe à vista de uma instituição financeira e a dívida é quitada pelo comprador num prazo mais longo.
Na semana passada, Haddad, Motta, Alcolumbre e a ministra de Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, chegaram a se reunir, mas não houve decisão. Nesta segunda-feira (14), integrantes dos dois Poderes voltaram a se reunir, segundo apuração da Folha de S. Paulo, e podem ter avançado nas propostas.
A avaliação geral dos governistas, no entanto, é de que o governo está mais fortalecido para insistir na manutenção do decreto presidencial. O principal argumento é o de que a edição de decretos é um instrumento da Presidência, não especificamente de Lula.
O Planalto acredita ter ganhado força política a partir do atrito com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O embate em torno das tarifas de 50% sobre produtos brasileiros, consideradas exageradas e de viés político por setores do agronegócio, teria gerado um "sentimento de unidade" no país e favorecido Lula. Também considera que conseguiu se sair bem na comunicação oficial do IOF nas redes sociais, reforçando o discurso da “justiça tributária”.
Apesar da recuperação, o Executivo ainda precisa manter o diálogo com o Congresso para conseguir aprovar novas medidas de compensação para a proposta de isenção do Imposto de Renda para salários até R$ 5 mil por mês, principal bandeira eleitoral de Lula para 2026.
"Novela" do IOF tem controvérsias jurídicasA audiência de conciliação terá a participação apenas dos advogados de cada lado, sem a presença dos políticos. O desfecho dessa "novela" no STF é observado com atenção não apenas por conta das contas públicas, mas também pelos limites institucionais da atuação entre os Poderes na política fiscal. Tanto o decreto editado pelo Executivo, que elevou o IOF para compensar perdas com a desoneração da folha de pagamentos, quanto o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) aprovado pelo Congresso, que sustou os efeitos da medida, são controversos, de acordo com especialistas.
O governo recorreu ao STF alegando invasão de competência por parte do Legislativo, o que abriu um novo flanco de debate entre constitucionalistas. De um lado, há quem defenda que o decreto presidencial está amparado na Constituição, que confere ao Executivo o poder de alterar as alíquotas do IOF por meio de decreto, desde que respeitados limites legais e vinculados a finalidades regulatórias — como o controle da economia ou da política monetária. Segundo essa interpretação, o Congresso não poderia usar o PDL como instrumento para interferir nessa competência legítima do Executivo, pelo princípio da separação dos Poderes.
Do outro lado, juristas argumentam que o decreto ultrapassou os limites legais ao ter finalidade predominantemente arrecadatória, o que exigiria aprovação por meio de lei ordinária. A oposição também reforça esse entendimento, que o próprio ministro Haddad chegou a explicitar. Nessa perspectiva, o Legislativo teria o direito e o dever de sustar o ato por meio do PDL.
O mérito da questão, no entanto, só será julgado caso Executivo e Legislativo não cheguem a um acordo na audiência de conciliação. Para juristas, no entanto, a própria realização da audiência também é tema de controvérsia jurídica.
Vera Chemim, advogada constitucionalista, diz que o recurso à audiência é inadequado porque não há controvérsia entre partes tradicionais de um processo judicial. “A audiência poderia ser cabível num conflito federativo concreto, mas neste caso estamos falando de um controle abstrato, em que se julga se um decreto é ou não constitucional”, afirmou ao Poder360.
O constitucionalista André Marsiglia é ainda mais enfático. “Essa tentativa de conciliação é completamente estranha à função do STF”, diz. “O Supremo julga teses, não conflitos entre partes subjetivas. Não há o que conciliar. É uma aberração jurídica.”
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