100 milhões para combater pobreza energética

Vão ser disponibilizados 100 milhões de euros, dos quais 90 milhões resultam do Plano de Recuperação e Resiliência e o restante do Fundo Ambiental para combater a pobreza energética. A verba será aplicada em duas medidas: ‘E_Lar – Eficiência Energética e Conforto Térmico’ e ‘Bairros Saudáveis para a Transição Climática’. Trata-se, de acordo com o Ministério do Ambiente e da Energia, de uma «nova geração de políticas públicas para combater a pobreza energética, melhorar o conforto térmico das habitações e apoiar as famílias mais vulneráveis na transição energética».
Segundo o Executivo, a medida E_Lar «destina-se a promover o conforto térmico nas habitações através da substituição de eletrodomésticos ineficientes e de equipamentos a gás por equipamentos elétricos mais eficientes e sustentáveis» que é semelhante ao programa ‘Vale Eficiência’ e é especialmente dirigida a beneficiários da tarifa social de energia e de prestações sociais mínimas.
Já a medida ‘Bairros Sustentáveis para a Transição Climática’ pretende reforçar «a dimensão comunitária do combate à pobreza energética, apoiando intervenções integradas a nível local, com prioridade a territórios vulneráveis e soluções adaptadas ao contexto de cada bairro».
Em junho de 2026 irá entrar então em vigor o Plano Social para o Clima, com uma dotação de 1,6 mil milhões e que irá vigorar até 2031, representando o principal instrumento de «resposta ao impacto social da transição energética», segundo o Executivo.
Medidas que, segundo a ministra do Ambiente e da Energia, mostram a aposta do Governo nesta matéria. «É com esse sentido que lançamos uma nova geração de programas — mais eficazes, mais acessíveis, com impacto direto na vida das pessoas e que preparam o caminho para o futuro Fundo Social para o Clima. Tais medidas resultam de uma reprogramação responsável e tecnicamente fundamentada do PRR», revelou Maria da Graça Carvalho, defendendo que esta é uma área prioritária.
Quanto ao Programa de Apoios a Edifícios Mais Sustentáveis, à dotação inicial de 30 milhões de euros há que somar o reforço de mais 60 milhões de euros, elevando o seu orçamento total para 90 milhões de euros.
Mas os números em relação à pobreza energética falam por si. Mais de 20% da população vivia, em 2023, em agregados em que não existia capacidade financeira para manter o alojamento confortavelmente quente, mais 3,3 pontos percentuais do que no ano anterior, segundo os últimos dados revelados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). A percentagem da população em risco de pobreza sem capacidade financeira para manter a casa adequadamente aquecida (37,3%) representava mais do dobro da restante população (17,4%), e afetava, em especial, os idosos (28,5% para o grupo etário com 65 e mais anos).
Baixos rendimentos, isolamento pobre ou um mau isolamento das casas, aliado a um custo elevado da energia, são as condições perfeitas para que muitos portugueses tenham frio dentro dos seus imóveis.
Segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) do gabinete de estatística, no ano anterior, Portugal era um dos cinco países da União Europeia em que esta incapacidade era mais elevada, com 17,5%, quase o dobro da média europeia de 9,3%.
Também a Comissão Europeia revelou que Portugal, em 2023, foi o Estado-membro da União Europeia (UE) com a percentagem mais elevada de pobreza energética, de 20,8% e ao mesmo nível de Espanha, anunciou esta quarta-feira a Comissão Europeia, pedindo mais proteção para os consumidores vulneráveis. E mesmo reconhecendo que a situação de pobreza energética varia «entre os países da UE que promovem medidas para proteger as famílias», Bruxelas destaca que os Estados-membros «podem agir para garantir o acesso a serviços essenciais e proteger os consumidores vulneráveis de custos excessivos, combatendo diretamente a pobreza energética».
Metas a alcançar
É certo que o problema da pobreza energética é um dos temas que tem estado em cima da mesa. E a a Estratégia Nacional de Longo Prazo para o Combate à Pobreza Energética (ELPPE) estabelece metas e medidas para reduzir a pobreza energética até 2050: a população a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida deverá atingir os 10% em 2030, 5% em 2040 e menos de 1% em 2050. Já a população a viver em habitações não confortavelmente frescas durante o verão deverá alcançar os 20% em 2030, 10% em 2040 e menos 5% em 2050.
Por outro lado, a população a viver em habitações com problemas de infiltrações e de humidade deverá fixar-se nos 20% em 2030, nos 10% em 2040 e em menos 5 % em 2050, enquanto os agregados familiares cuja despesa com energia representa mais de 10% do total de rendimentos deverá ser de 700 mil em 2030, 250 mil em 2040 e zero em 2050.
Construção penaliza
Ao nosso jornal, Islene Façanha, da associação Zero, admite que «temos todas as características que levam à condição de pobreza energética e que não se deve apenas às condições financeiras, temos outras, nomeadamente culturais que conduzem a este problema, além da questão de construção em Portugal, em que não há a manutenção do edificado».
A responsável vai mais longe: «O isolamento é o grande problema para que exista frio dentro das casas. Temos uma péssima construção e um péssimo isolamento e por mais que a pessoa ligue o aquecedor não retém o calor e a fatura alta da eletricidade também não ajuda e nem todos ao final do mês conseguem pagar a conta da luz».
Um problema que, segundo Islene Façanha, é mais assustador junto dos grupos mais vulneráveis, como os idosos ou aqueles que apresentam maiores carências socio-económicas. «Portugal tem uma população idosa muito grande e é uma população que sofre muito com as péssimas condições que têm dentro das casas e isso também tem consequências muito graves em termos de saúde. Portugal fica sempre entre o quarto e o quinto país pior em níveis de pobreza energética ou em risco de pobreza energética na Europa e na Europa é o segundo pior em termos de condições das casas, por exemplo, infiltrações, bolores, etc. Pior que Portugal é o Chipre. Precisamos de políticas sérias e com metas direcionadas e isso não tem acontecido», refere Islene Façanha.
De acordo com a Zero, uma das causas para este problema reside no facto de o parque edificado português ser obsoleto, em que aproximadamente 70% foram construídos antes de 1990. «A rápida urbanização e as graves carências habitacionais, da segunda metade do século XX, desencadearam um surto de construção clandestina e autoconstrução, quando os regulamentos de desempenho energético para edifícios residenciais ainda não tinham sido implementados no país». Isso resultou em construções pouco eficientes, sem manutenção frequente. De acordo com a ADENE, 69,5% das habitações avaliadas em Portugal tiveram uma classificação energética entre C e F – as classes menos eficientes, conforme o Sistema de Certificação Energética de Edifícios.
Este cenário levou a associação a analisar a Estratégia Nacional de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética 2023-2050 (ELPPE), identificando os seus desafios e apresentando recomendações. «Esta análise, realizada no âmbito de um projeto da Fundação Europeia para o Clima, destaca a necessidade de medidas mais robustas para combater a pobreza energética em Portugal. O estudo procura assegurar que os valores de apoios e investimentos presentes na Estratégia são bem utilizados», salienta.
Os valores em causa podem atingir 14 mil milhões de euros até 2040, como sejam 3,1 mil milhões de euros do Plano de Recuperação e Resiliência até 2026, (2,7 mil milhões da linha C2 – Habitação e 420 milhões da linha C13 – Eficiência energética de edifícios), um investimento de 7671 milhões de euros até 2040 por via da renovação do parque de edifícios e reduzir as situações de pobreza energética em Portugal previstos na ELPRE – Estratégia de Longo Prazo para a renovação dos Edifícios, um valor de até 1,2 mil milhões do Fundo Social em Matéria de Clima (FSAC) disponível para o período 2026 -2032, ou ainda 2,1 mil milhões de euros associados principalmente à tarifa social de eletricidade, se este mecanismo de apoio se mantiver até 2040.
Jornal Sol