A independência de Álvaro

Alguém duvida que se o PS estivesse no Executivo, Mário Centeno ficaria mais 5 anos?
A ausência do Ministro das Finanças da conferência de imprensa após o Conselho de Ministros que aprovou a escolha de Álvaro Santos Pereira para suceder a Mário Centeno no Banco de Portugal é o teste do algodão para o quão mal o processo de substituição do governador correu ao Governo.
Outra evidência: o enorme contraste face à transição pacífica de liderança na Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), com a ótima escolha de Gabriel Bernardino, antigo presidente do regulador europeu, para suceder a Margarida Corrêa de Aguiar.
Onde o ministro da Presidência, Leitão Amaro, vê “tranquilidade institucional”, o resto do país assistiu a um processo mal gerido e belicoso: os inúmeros nomes que desfilaram na imprensa; as recusas a vários convites feitos pelo Governo (pelo menos seis, segundo noticia hoje o ECO), o desnorte na afirmação do primeiro-ministro de que Mário Centeno reunia “todos os requisitos” para ser governador; o conflito entre as Finanças e o ainda governador nas últimas semanas, por causa da nova sede e as nomeações feitas por este à última hora.
Até o timing acabou por ser imperfeito, acabando o anúncio por resvalar para lá do fim do mandato de Centeno. O novo governador terá ainda de ser ouvido na Assembleia da República, que emite um parecer (não vinculativo). Ora os trabalhos parlamentares estão, a partir desta sexta-feira, interrompidos para férias. A menos que exista um consenso entre os partidos para uma audição extraordinária, Álvaro Santos Pereira terá de esperar até setembro, deixando Centeno mais umas semanas no cargo.
O cargo de governador do Banco de Portugal carrega uma relevância pública que os poderes à sua disposição à partida já não justificariam.
Desde a adesão ao euro que as taxas de juro de referência para a economia nacional são definidas em reuniões em Frankfurt, onde o representante português, pelas regras, nem sempre tem voto na matéria. A supervisão dos bancos relevantes do nosso sistema está entregue ao Mecanismo Único de Supervisão.
A espessura que o cargo ainda tem deve-se sobretudo à dimensão política que carrega, pelo poder que tem para condicionar as opções do Governo através dos estudos que o Banco de Portugal publica ou das intervenções públicas do governador.
Uma dimensão que Mário Centeno cultivou e que, no último ano, gerou um crescente mal-estar nas Finanças, pontuado por polémicas como a do salário de Hélder Rosalino, que acabou por desistir da nomeação para Secretário-Geral do Governo, vindo do Banco de Portugal.
O pecado original – sair diretamente do governo socialista para a liderança do Banco de Portugal – deixava Centeno vulnerável a não ser reconduzido, apesar da vontade do próprio em continuar, por causa da politização do cargo. Alguém duvida que se o PS estivesse no Executivo, Mário Centeno ficaria mais 5 anos?
A independência do banco central, de que tanto falou António Leitão Amaro, autor de uma tese de doutoramento sobre o tema, tem muito que se lhe diga.
O Governo fez um esforço para ter alguém realmente independente, sem ligações anteriores a partidos ou governos, como os economistas Ricardo Reis ou Sérgio Rebelo. A opção acabou por recair em Álvaro Santos Pereira, que foi ministro da Economia e do Emprego no primeiro Executivo de Passos Coelho, entre junho de 2011 e julho de 2013, embora nunca tinha sido filiado no PSD.
Já lá vão 12 anos, passados na OCDE, onde chegou a economista-chefe. A carreira e experiência internacional são um bom currículo para o cargo, mas por muito que o Governo e o PSD gritem aos quatro ventos que é um “independente”, terá de ser Álvaro Santos a demonstrá-lo. Algo que Gabriel Bernardino não terá necessidade de fazer.
O antigo ministro terá de levar à letra o que o próprio defende: “Para mim o mais importante é que o banco central seja independente do poder político. O banco central não pode ser político, tem de ser independente e técnico”, disse numa entrevista este mês ao Expresso.
A independência de um banco central é a peça-chave da sua relevância e eficácia como estabilizador da economia. É por isso que a cada ataque violento de Donald Trump ao presidente da Reserva Federal dos EUA os mercados tremem.
ECO-Economia Online