Contingências com tripulantes e Azul baixam valor da TAP

O Governo deu esta quinta-feira o pontapé de saída para a privatização da TAP com a aprovação da venda de 49,9% do capital. As duas avaliações feitas à companhia, pela EY e o Banco Finantia, não foram reveladas, mas o Executivo admite que há contingências que vão afetar o valor a oferecer pelos interessados.
O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, reconheceu esta quinta-feira que há contingências em relação à TAP que poderão afetar o valor da companhia aérea na privatização. “Há uma litigância em tribunal com os trabalhadores da TAP que terá de ser comportada no preço de quem quiser comprar a TAP. Sabem ao que vem e nós não estamos a esconder”, afirmou o ministro.
A companhia aérea já constituiu uma provisão de 41 milhões para fazer face aos processos movidos por tripulantes de cabine, que reclamam ter sido dispensados irregularmente no período da pandemia e não terem sido integrados na categoria profissional devida. A companhia aérea tem recorrido das decisões até ao Tribunal Constitucional, mas até aí tem perdido as ações. O que significa que o montante reclamado deverá aumentar. O Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, que representa a classe, calcula em cerca de 300 milhões de euros o valor total das possíveis indemnizações.
Esta não é a única contingência que a TAP enfrenta. A Azul reclama 177 milhões de euros à TAP SGPS por um empréstimo obrigacionista feito em 2016. A holding, cujo nome foi alterado para SIAVILO, deixou de ter qualquer participação na companhia aérea e é agora detida pelo Estado, mas as garantias do financiamento estão na TAP. Entre essas garantias, está o programa de fidelidade Miles & Go.
A companhia aérea já recorreu a tribunal para que as garantias sejam consideradas nulas, o que a Azul contesta. Se vierem a ser reconhecidas, a TAP passa a ser acionável para o pagamento da dívida. O ministro das Infraestruturas afirmou esta quinta-feira que haverá um diálogo entre as duas companhias e que o processo deverá ser “dirimido em tribunal”.
Contra a avaliação da TAP também joga a deterioração dos resultados. Depois de ter lucros recorde de 177 milhões em 2023, estes baixaram para 53,7 milhões em 2024, com o forte aumento das despesas com pessoal a pesarem nos números. “A estagnação dos resultados é uma preocupação. É uma das razões mais profundas para a privatização”, afirmou o secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Espírito Santo. A subida dos custos com pessoal também preocupa, mas o governante assinalou que eles acontecem “no contexto da gestão”.
Há ali um ‘cap’ a limitar o crescimento da TAP que se chama Aeroporto Humberto Delgado. O Humberto Delgado não permitirá à TAP ter ambição para ser uma companhia de 150 ou 180 aviões.
O esgotamento do aeroporto de Lisboa também limita o crescimento da companhia. “Há ali um cap a limitar o crescimento da TAP, que se chama Aeroporto Humberto Delgado. O Humberto Delgado não permitirá à TAP ter ambição para ser uma companhia de 150 ou 180 aviões”, assinalou Miguel Pinto Luz. Daí que o Governo irá pedir aos interessados que apresentem a sua visão para o desenvolvimento da companhia no futuro aeroporto Luís de Camões.
O contexto de elevada incerteza económica mundial também não ajuda. Ainda assim, o setor na Europa tem conseguido voar entre as dificuldades e valoriza cerca de 17% desde o início do ano, segundo o índice Stoxx Europe Airlines.

Se aquelas contingências podem penalizar o valor a oferecer pelos interessados, o Governo também aponta argumentos que fazem da TAP uma noiva atrativa. Um deles é o facto de a companhia portuguesa ser uma das últimas de média dimensão na Europa que ainda não pertencem a um grande grupo.
O Executivo aponta para um elevado potencial de sinergias. Considerando um grupo de quatro aquisições feitas nos últimos anos no setor e as receitas de 4,2 mil milhões da TAP em 2024, é apontado que uma concentração envolvendo a transportadora portuguesa venha a gerar, em média, cerca de 300 milhões de euros de sinergias por ano.
Apesar de no passado o primeiro-ministro ter defendido uma venda a 100%, o Governo optou por uma venda minoritária, que reduz o risco político de a operação ser chumbada no Parlamento – o Chega já afirmou que vai pedir a apreciação do decreto-lei de privatização – ou ser revertida no futuro.
Vender menos de 50% também poderá trazer um número maior de interessados. Para o ministro das Infraestruturas, o modelo escolhido “permite ofertas de investidores de fora da União Europeia”, uma vez que a legislação comunitária impede que as companhias aéreas sejam maioritariamente detidas por acionistas de fora do bloco.
O Governo acena ainda com outros argumentos. “A intenção do Governo é permitir a criação de sinergias através da atribuição de um papel relevante na gestão e requerendo maioria alargada (Estado e parceiro) para decisões críticas”. A relação será definida através de um acordo parassocial que dá ao investidor o poder de gestão e ao Estado a última palavra em decisões estratégicas para o interesse nacional como as rotas ou a localização da sede.
Uma última cenoura: a possibilidade de uma segunda fase de privatização, com a qual o Executivo não se compromete, mas em que dará direito de preferência a quem ficar como acionista.
Muita água ainda irá correr debaixo do moinho até os 49,9% (dos quais 5% reservados para os trabalhadores) mudarem de mãos. O decreto-lei de privatização aprovado esta quinta-feira terá ainda de ser promulgado pelo Presidente da República. Após a publicação em Diário da República, seguem-se dois meses para os candidatos manifestarem o seu interesse.
Dentro de duas semanas será aprovado o caderno de encargos que detalhará os critérios da operação, que assume o figurino de uma venda direta. Depois haverá a apresentação de propostas não-vinculativas, seguem-se as vinculativas e por fim uma fase de negociação final com um ou mais candidatos.
Certo é que os candidatos terão de ser transportadoras aéreas de dimensão relevante e robustez financeira. Fundos de investimento só serão aceites em consórcios liderados por companhias de aviação.
Na calha estão já três grupos: IAG, Lufthansa e Air France – KLM, que inclusivamente já reuniram com o Governo sobre a operação.
ECO-Economia Online