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Controlo das Rendas? É preciso ler até ao fim

Controlo das Rendas? É preciso ler até ao fim

As notícias são para ser lidas na sua totalidade, não é suposto ficarmos informados só a partir do título. Mas também não é suposto sermos induzidos em erro.

Em Janeiro de 2008, Dominique Strauss-Kahn foi a Davos, ao Fórum Económico Mundial, apelar a que os países com finanças públicas saudáveis tomassem medidas orçamentais para combater a crise económica que se começava a fazer sentir na sequência da crise financeira dos EUA. Em Outubro, no encontro anual do FMI e do Banco Mundial, repetiu esta ideia: estímulos orçamentais por parte dos países em condições para fazê-lo. Discursando no Banco de Espanha, em Dezembro, foi claríssimo na sua afirmação de que alguns países, incluindo economias avançadas, não estavam em condições de seguir a orientação de uma política orçamental expansionista, por causa do seu elevado nível de endividamento.

Infelizmente, por cá, estas prescrições transformaram-se numa narrativa que só contava metade da história. Títulos de notícia como “FMI surpreende e defende subida dos défices públicos para controlar a crise” ou “FMI alerta governos para não descurarem a economia real, prepararem incentivos” sugeriam que era o Fundo Monetário Internacional a mandar-nos gastar dinheiro, alimentando o já nosso natural pendor despesista, quando a recomendação era precisamente a contrária. O que daí adveio é episódio já conhecido: acabámos a chamar a troika.

Lembrei-me disto recentemente, não por conta das loas que se teceram a José Sócrates após a sua entrevista, mas ao ler um título de jornal, segundo o qual “Bruxelas recomenda controlo de rendas e limites no alojamento local em Portugal”. Obviamente, as notícias são para ser lidas na sua totalidade, não é suposto ficarmos informados só a partir do título. Mas também não é suposto sermos induzidos em erro.

Lendo a notícia, somente no sexto parágrafo encontramos a citação na origem do título. É retirada do Documento de Trabalho da Comissão, que está aqui (lamentavelmente, a notícia não nos dá o link para a fonte primária) – vale a pena lê-lo e não apenas pelo que diz sobre habitação. É no seu Anexo 11, dedicado às políticas sociais, que encontramos (nas páginas 97 e 98) «Portugal deve ponderar a adoção de medidas duradouras para controlar o rápido aumento dos preços das rendas. Tal poderia ser alcançado através das seguintes medidas:

i) “De uma maior regulamentação dos arrendamentos turísticos de curta duração em zonas sob pressão;

ii) Da adoção de medidas de regulamentação das rendas para proteger os grupos mais afetados;

iii) De uma avaliação da oferta de habitações vagas, abandonadas ou subutilizadas, tanto no parque público como no privado, nas cidades mais afetadas, promovendo a sua disponibilidade.

Mesmo assumindo que “adoção de medidas de regulamentação das rendas” se traduz por “controlo de rendas” – e não vou agora discutir os vários tipos de intervenção que cabem sob esta designação –, convém notar que este é advogado para os grupos mais vulneráveis e não como medida generalizada. São estes grupos que, segundo a Comissão, necessitam de medidas mais rigorosas para assegurar que têm acesso económico à habitação. Lá estamos nós a narrar a história sem uma sua parte importante.

Mas, no campo dos aspectos que são deixados de fora, encontramos coisas, a meu ver, mais relevantes. O mesmo Documento de Trabalho refere, a propósito da subsistência de altos níveis de pobreza energética, com cerca de 17,5% dos cidadãos a ter dificuldade em manter a casa aquecida (6,5 p.p. acima da média europeia), que “é necessária uma mudança política radical em matéria de eficiência energética, a fim de dar prioridade às renovações holísticas de edifícios” e que “as medidas e os investimentos para habitações e edifícios a financiar ao abrigo do Fundo Social em matéria de Clima da UE podem visar os grupos mais vulneráveis e ajudar a atenuar o impacto dos custos da transição ecológica nesses grupos”.

E esta exortação, sim, vamos encontrar nas Recomendações Específicas por País que são dirigidas a Portugal. Ao contrário do que sucede com medidas visando o alojamento local ou a regulamentação do mercado de arrendamento: Sobre essas, não há nada na Recomendação. Na verdade, em matéria de habitação, o que se preconiza é “abordar a questão da disponibilidade e acessibilidade dos preços da habitação nas zonas de elevada procura, eliminando os obstáculos ao arrendamento de casas desabitadas e renovando edifícios abandonados, e promover ligações de transportes públicos eficientes para reduzir a pressão sobre os preços da habitação nos centros urbanos e melhorar a atratividade de outras regiões”. Curioso que se tenha negligenciado esta explícita ligação entre habitação e coesão territorial, com menção ao papel do sistema de transportes públicos. Que é até algo que a própria Lei de Bases da Habitação também reconhece.

Mais importante, para mim, é a constatação de que “uma análise exaustiva das atuais políticas de habitação e da sua eficiência ajudaria a identificar o que está a funcionar e onde subsistem lacunas”. Mas esta é uma frase que também só aparece no Documento de Trabalho, está ausente das Recomendações Específicas. Se calhar, por ser tão óbvia que nem parece necessitar de ser sugerida. Mas precisa.

Nota: A autora escreve segundo a ortografia anterior ao acordo de 1990.

Disclaimer: As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente a sua autora.

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