Selecione o idioma

Portuguese

Down Icon

Selecione o país

Portugal

Down Icon

Dependência verde

Dependência verde

Agraciado pela natureza e detentor de um parque energético invejavelmente sustentável, o Brasil vive o velho dilema histórico na corrida pela descarbonização da economia. Com poucas patentes registradas e sem os investimentos necessários em pesquisa e desenvolvimento, o País corre o risco de continuar sendo o que sempre foi, um mero importador de equipamentos e conhecimento. “Os países que não desenvolvem certas tecnologias não conseguem produzir e atender à necessidade da produção. Tem que importar e isso cria mais uma armadilha”, afirma Guilherme ­Magacho, economista sênior da Agência Francesa de Desenvolvimento, dedicada a pesquisas sobre os efeitos negativos em nações em desenvolvimento com acesso limitado às tecnologias verdes.

Os dados sobre a alta concentração de pedidos internacionais de patentes associadas às energias eólica e solar em países de alta renda e na China evidenciam a condição de profunda dependência tecnológica das demais nações do Sul Global na transição energética, sublinha o pesquisador João Telésforo, do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da FEA–USP, em dois estudos sobre o assunto. Apesar de o Brasil ser o sexto país do mundo com maior capacidade instalada de geração eólica onshore, ele não figura entre os 20 que mais fizeram pedidos internacionais de patentes nessa área, de 2000 a 2024. Os dez líderes do ranking foram responsáveis por 81,3% dos depósitos internacionais de patentes de energia eólica nesse período, enquanto o Brasil detém apenas 0,4% dos pedidos. Na geração solar, a concentração é ainda maior, com cinco países responsáveis por 77,3% dos pedidos internacionais de patentes de 2000 a 2024. O Brasil fez apenas 0,19% das solicitações no mesmo período, liderando a América Latina e se equiparando à África do Sul, ­país à frente dos demais no continente africano, acrescenta o pesquisador da USP.

O País fica para trás tanto no setor eólico quanto no solar

Os desafios enfrentados pelos países em desenvolvimento durante a transição para uma economia de baixo carbono incluem o risco de um aprofundamento substancial da restrição externa, alerta Luca Tausch, também da Agência Francesa de Desenvolvimento. Para cada dólar investido exclusivamente na manutenção da capacidade produtiva atual, em média, mais de 45% “vazam” direta e indiretamente para produtores estrangeiros. Alguns benefícios socioeconômicos do investimento verde, como a geração de empregos, são consumidos pelo resto do mundo, em vez de promover a criação de postos de trabalho nacionais. “Essencialmente, com uma demanda crescente por bens de capital produzidos no exterior, gerada pela transição para a economia de baixo carbono, os países em desenvolvimento enfrentam uma restrição externa crescente e desequilíbrios socioeconômicos substanciais”, alerta Tausch. “Em um estudo com 189 países, identificamos as indústrias intensivas em carbono e, em seguida, estimamos a dependência direta e indireta de cada país desses setores, considerando as restrições à captação de moe­da estrangeira para analisar a exposição externa, a receita pública para avaliar a exposição fiscal e a participação dos investidores e do emprego para analisar a exposição socioeconômica”, destacou Magacho.

A maioria das economias com maior exposição externa depende da mineração e da extração para levantar divisas. Da lista, apenas Rússia, Cazaquistão, Bahrein, Ucrânia, Croácia, África do Sul e Brasil não dependem exclusivamente desse setor. No caso da Rússia, Bahrein, Croácia, África do Sul e Brasil, os setores de petróleo, produtos químicos e metais não minerais também são cruciais para garantir a sustentabilidade externa. “Esses países podem ser vistos, portanto, como menos vulneráveis em comparação com outros mais expostos, se considerarmos que suas fontes de divisas são mais diversificadas e vêm de atividades de processamento, não apenas de extração”, ressalta Magacho.

Aporte. No governo Lula, a Petrobras foi orientada a retomar os investimentos na transição energética e fez parcerias para o desenvolvimento em tecnologia – Imagem: Arquivo/Agência Petrobras

Nos últimos 20 anos, houve avanços muito limitados na expansão das energias renováveis no País, em especial da energia eólica, ressalta Telésforo. O ­BNDES, grande indutor da política industrial no Brasil, teve sucesso no estímulo à produção de aerogeradores, parte essencial das turbinas eólicas que concentram a maioria dos componentes de alta tecnologia. Todos os parques eólicos tiveram forte financiamento do banco estatal. A contrapartida era uma parcela de conteúdo local, como existe em outros setores, caso do petróleo. “A grande maioria dos produtos era estrangeira, que, para se credenciar a receber o crédito subsidiado do BNDES, precisava ter certo teor de conteúdo local. Só que eles continuavam a produzir a tecnologia fora. Com isso, gera-se um baixo efeito de encadeamento produtivo e de controle das tecnologias. Continua-se a transferir valor para fora e não gera um polo de desenvolvimento mais robusto no Brasil”, sublinha o pesquisador da USP.

O caso mais bem-sucedido é o da WEG, empresa brasileira de Santa Catarina que conseguiu produzir aerogeradores com tecnologia nacional. O avanço, embora relevante, é, no entanto, limitado, pois a WEG tem uma fatia pequena do mercado local. Mais de 90% é controlado por empresas estrangeiras que têm baixíssima atividade de pesquisa e desenvolvimento no Brasil, sublinha Telésforo. “Quando a China chegou nesse mercado, já havia o domínio de tecnologia pela Dinamarca e Alemanha, países pioneiros. O Estado chinês entrou com empresas estatais investindo e produzindo para alavancar o setor. O governo propôs a participantes estrangeiros conteúdo local de até 90%, mas viu que esse requisito era insuficiente, porque montar o produto no país não garante transferência de tecnologia”, diz o pesquisador. Foi quando o Estado, na China e na Índia, começou a investir em transferência de tecnologia. “No Brasil, nunca houve uma política direcionada.”

A China e países desenvolvidos detêm a maior parte das patentes

Desde 2014, ocorreu, ano a ano, uma redução contínua dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento no setor de energias renováveis, que acompanhou de maneira mais ampla o desmonte da política científica no Brasil nos governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico foi sucateado e a maior parte da verba, contingenciada para pagar juros da dívida. Houve um desmonte orçamentário da política científica e tecnológica em prol do rentismo financeiro, ressalta Telésforo. “E aí, em 2023, tivemos duas boas notícias no Brasil, com Lula, uma retomada dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento e da Petrobras”, continua o pesquisador. Enfrentando muitas críticas do mercado, o governo resolveu que a petroleira seria central na exploração e no desenvolvimento tecnológico da geração eólica, sobretudo tendo em vista a perspectiva de formação de mercado de exploração de geração eólica offshore, no oceano. Além do BNDES, com financiamentos, a Petrobras estabeleceu, entre outras alternativas, uma parceria com a WEG, para a produção de geradores eólicos de maior capacidade.

O fato de o Brasil ter capacidade técnica de desenvolver as tecnologias verdes coloca o País em outro patamar de possibilidades, acredita Magacho. “Na maior parte dos países, se você é totalmente dependente, tecnológica e financeiramente, não se tem o capital produtivo nem o financeiro, para bancar esse tipo de investimento, que é custoso e de longo prazo.” É bem interessante, prossegue, olhar para a perspectiva no Brasil. O fato de existir o BNDES para financiar é uma vantagem, pelo fato de se ter capital próprio e capacidade de gerar financiamento doméstico. Políticas de conteúdo local tornam-se mais fundamentadas. O caso da Petrobras é uma evidência, pois usa tecnologia local e desenvolve tecnologia domesticamente, em parceria com as empresas estrangeiras dos países industrializados, o que coloca o Brasil na posição de não tomador, mas de desenvolvedor de tecnologia. •

Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Dependência verde’

CartaCapital

CartaCapital

Notícias semelhantes

Todas as notícias
Animated ArrowAnimated ArrowAnimated Arrow