E agora, Stephen Colbert: quem vai rir por último?

Do outro lado, políticos democratas, atores e comediantes apressaram-se a defender Stephen Colbert. Os fiéis depositários das outras secretárias de talk shows humorísticos foram dos mais efusivos, cientes de que isto pode ser só o início. Jimmy Kimmel foi logo dos primeiros, no seu monólogo de abertura do dia seguinte: “Adoro-te, Stephen. Vão-se foder e todos os vossos Sheldons, CBS!” (uma referência aos constantes spin offs que o canal televisivo continua a fazer de Big Bang Theory). O Late Night with Seth Meyers está em pausa, mas o apresentador usou as redes sociais: “Por mais excelente comediante e anfitrião que seja, o Stephen Colbert é uma pessoa ainda melhor. Vou sentir falta de o ver todas as noites na TV, mas estou entusiasmado porque ele já não vai poder usar a desculpa de que está demasiado ocupado para sair comigo”. Fallon, geralmente cauteloso, também usou o monólogo do seu programa da NBC: “O Stephen fez anos de televisão incrivelmente inteligente e hilariante e já ganhou 10 Emmys. Trump ouviu isto e disse: ‘Grande coisa, ainda na semana passada ganhei um troféu da Taça do Mundo da FIFA.’” — isto numa referência ao facto de Trump ter permanecido com a equipa do Chelsea mesmo depois de ter entregado a taça da final do campeonato do mundo de clubes, que decorreu nos Estados Unidos.
Já a série South Park, que estreou esta semana a sua 27.ª temporada, foi direta à questão sem passar pela casa de partida e recolher dois contos, com um episódio arrasador, chamado “Sermão da Montanha” — isto dias depois dos criadores Trey Parker e Matt Stone terem assinado um mega contrato de 1,5 mil milhões de dólares com a… Paramount, dona da CBS. O episódio centra-se na presença de Jesus nas escolas de South Park em forma de paródia ao programa 60 Minutes, numa clara sátira ao recente conflito entre a Paramount e Trump em torno do principal programa noticioso da CBS. Em determinada altura da trama, Jesus diz aos pais dos alunos: “Vocês viram o que aconteceu à CBS? Adivinhem quem é o dono da CBS? A Paramount. Querem mesmo acabar como o Colbert? Vocês têm de parar de ser estúpidos… Ele também tem poder para processar e aceitar subornos e pode fazer tudo a qualquer pessoa. É o fucking president, meu… é o fim do South Park!”.
Até David Letterman, antecessor de Colbert no formato que comandou durante 22 anos, partilhou uma montagem das muitas vezes em que gozou com a sua própria cadeia ao longo dos anos, quando ainda trabalhava na CBS. “A CBS não se escreve sem BS”, lê-se na legenda do vídeo. BS é a abreviatura para “bull shit”, uma expressão informal que se refere a uma mentira e/ou conversa fiada para tapar o sol com a peneira.
Mas a reação mais longa, detalhada e apaixonada veio de um antigo colega de armas de Colbert: Jon Stewart. De novo aos comandos do Daily Show, programa onde trabalhou com o quase ex-CBS durante praticamente uma década, Stewart argumentou, gritou, cantou e até chamou um coro de gospel. “Reconheço que a televisão late night é um modelo financeiro em dificuldades. Basicamente, estamos todos a trabalhar num quiosque da Blockbuster dentro de uma loja de CDs da Tower Records. Mas quando a tua indústria enfrenta mudanças, não te limitas a desistir. (… ) Se estão a tentar perceber porque é que o programa do Stephen vai acabar, não acho que a resposta esteja num e-mail bombástico ou numa chamada do Trump para os executivos da CBS, nem sequer nas folhas de cálculo da CBS sobre a saúde financeira do late night. Acho que a resposta está no medo e no pré-conformismo que está a dominar todas as instituições americanas neste preciso momento, instituições que escolheram não enfrentar as ações vingativas e rancorosas do nosso Presidente (…). Para essas empresas, anunciantes, universidades e escritórios de advocacia, a todos eles: se ainda pensam que se curvarem vos vai salvar, tenho uma coisa a dizer: [começa a cantar] Eu sei que tens medo, sei que estás cansado, sei que os teus planos não me incluem a mim, mas estes são tempos difíceis, por isso despacha-te e encara-os — sack the fuck up!”.
Os cavaleiros dos talk shows juntaram-se mesmo no programa de Colbert, para o apoiarem publicamente num sketch que parodiava a recente bronca com um casal de amantes num concerto dos Coldplay. Num aparente momento musical para consolar os fãs, Stephen chamou Lin-Manuel Miranda e Weird Al Yankovic para interpretarem Sky Full Of Stars enquanto uma câmara filmava o público, em busca de casais. Só que os “casais” apanhados pela câmara de público do Late Show foram: Jimmy Fallon e Seth Meyers da NBC; Anderson Cooper, da CNN, e Andy Cohen, da Bravo (que têm apresentado juntos a contagem decrescente da Passagem de Ano na CNN nos últimos anos); Adam Sandler e Christopher McDonald (Happy Gilmore, Hacks); e ainda John Oliver, do Last Week Tonight da HBO, e Jon Stewart. Na partilha do excerto pela equipa de Colbert na rede social Tik Tok, a conta oficial de Fallon Tonight comentou: “Late night squad assemble!” (algo como “grupo do late night reunido”, mas numa referência ao linguajar dos filmes de super-heróis).
Apesar de uma certa unanimidade em torno do apresentador e comediante, há mesmo no meio vozes discordantes. O ator Robert Schneider, ex-membro do programa SNL (e muito amigo de Adam Sandler, que deu a cara no sketch acima mencionado e que tem a fama de ser quem vai mantendo a carreira do Deuce Bigalow à toa) começou por dizer: “Os programas de late night, e não quero ofender, iam desaparecer de qualquer maneira. Acho que é só porque as pessoas estão a olhar para os seus telefones.” E acrescentou, mais crítico: “No que toca à comédia, o que é engraçado vai ser sempre engraçado. Se for demasiado narcisicamente político, vai ser rejeitado. Quero dizer, porquê deixar de lado metade do país? E isso é um dos problemas que se têm visto. Mas esses problemas, numa sociedade capitalista, acabam por ser corrigidos.”
Mas quem é, afinal, o homem no centro desta discussão, “o mártir” como o próprio se apelidou ironicamente no primeiro programa que fez depois da oficialização do fim do programa? Stephen Colbert nasceu a 20 de abril de 1964 em Charleston, curiosamente o local que em agosto de 2017 foi palco do comício “Unite the Right”, que atraiu nacionalistas brancos e outros grupos da extrema-direita. O evento tornou-se violento, com confrontos entre manifestantes e contra-manifestantes, e é tristemente célebre pelo ataque com um carro que matou uma contra-manifestante. É num rescaldo deste acontecimento que Trump, então no primeiro mandato, proferiu a famosa tirada de que havia “very fine people on both sides”. Colbert não tardou a reagir:
Treinado em comédia de improviso pelo Second City de Chicago, uma das escolas de comédia mais influentes do mundo, Colbert tornou-se conhecido como repórter e comentador do Daily Show (entre 1997 e 2005). Apesar de usar o seu nome, estava sempre em personagem – mais concretamente como o Reverendo Sir Dr. Stephen T. Mos Def Colbert D.F.A.. Esta personagem teve tal sucesso que ganhou o próprio espaço, no programa “The Colbert Report” (e, ocasionalmente, ainda apareceu no The Late Show da CBS). Ironia das ironias tendo em conta o desfecho atual: este Stephen Colbert era um comentador político satírico de direita, uma caricatura dos comentaristas conservadores, que frequentemente defendia argumentos rebuscados e raciocínios ilógicos, mantendo sempre uma atitude pomposa e segura de si. Uma caricatura numa altura em que o mundo era um lugar bem diferente e um ou outro apresentador da Fox News, agora considerado moderado ou até woke, era um pináculo do pensamento conservador.
Apesar das incongruências da argumentação da CBS para acabar com o programa, a verdade é que o atual prognósticos dos talk shows humorísticos é reservado. A própria CBS terminou em 2024 o The Late Late Show com James Corden, um programa que até tinha um segmento constantemente viral nas redes sociais: Carpool Karaoke, em que o apresentador dava boleia a cantores para que ambos cantassem em plenos pulmões. O fim do programa terá sido ditado pela decisão de Corden sair para passar mais tempo com a família, mas a verdade é que o programa estaria a perder cerca de 20 milhões por ano e Corden nunca foi verdadeiramente substituído por outro apresentador para o formato.
Mais: a receita publicitária dos programas de late night nos Estados Unidos caiu para metade nos últimos sete anos e recentemente a televisão em sinal aberto (broadcast) caiu pela primeira vez para menos de 20% de toda a audiência televisiva. É o YouTube quem domina consistentemente a maior parte do consumo de televisão e streaming, segundo a empresa de audiências Nielsen Media Research, representando 12,8% de todo o uso de streaming e TV em junho deste ano. Além disso, a empresa de dados publicitários Guideline estima que os late nights tenham gerado 439 milhões de dólares em receitas publicitárias em 2018 e apenas 220 milhões em 2024 — uma queda de quase 50 por cento.
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