Haddad: Redução da jornada será a próxima bandeira de Lula

A redução da jornada de trabalho é a próxima bandeira que o presidente Lula irá abraçar. O tema ganhará corpo no discurso e na ação do governo depois de o Congresso aprovar a lei da isenção de imposto de renda para os mais pobres e uma taxação maior dos milionários, duas promessas de Lula na eleição de 2022.
“Existe uma preocupação do presidente de dar uma resposta a um movimento global de retomar o debate sobre jornada de trabalho. Tanta tecnologia deveria significar um pouco mais de tempo livre pras pessoas”, disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista no Youtube, nesta quinta-feira 10, a alguns veículos de comunicação, CartaCapital entre eles. “Assim que nós aprovarmos a reforma da renda, vamos ter mais energia liberada para nos debruçarmos sobre o tema da escala.”
Pela Constituição, a jornada máxima é de 44 horas semanais e oito horas diárias. Na prática, muitos trabalhadores dão expediente seis dias por semana e têm só um de descanso. É a chamada escala 6 por 1.
Há uma proposta no Congresso, de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL-SP), para acabar com essa escala. Requer mudar a Constituição. A bancada do PT acredita ser possível alterar a jornada sem mexer na Carta de 1988. Bastaria um projeto de lei, que precisa de menos votos de deputados e senadores para ser aprovado.
Enquanto o dia de empunhar a bandeira da redução da jornada não chega, o governo joga peso na tentativa de “colocar o rico no imposto de renda” e de isentar de forma total salários de até 5 mil e de forma parcial, até 7 mil. As isenções beneficiariam 15 milhões de pessoas, segundo o governo, que, para compensar a perda de arrecadação, estimada em 25 bilhões de reais ao ano, quer cobrar mais imposto de 141 mil milionários.
Essa compensação faria a desigualdade diminuir, conforme estudos da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda.
“Nós vamos começar a corrigir a desigualdade social no Brasil, que é persistente”, afirmou Haddad. Segundo ele, o Brasil tem uma concentração de renda pior do que 47 dos 54 países africanos. Uma das causas é, justamente, a histórica injustiça tributária nacional.
Um documento apresentado no Congresso durante a entrevista de Haddad mostra uma “arqueologia da regressividade tributária no Brasil”. Enquanto os mais pobres gastam 32% da renda com impostos, a elite desembolsa 10%. O peso da taxação do consumo é maior do que na renda e no patrimônio, ao contrário do que acontece em nações desenvolvidas do norte global.
O trabalho foi discutido em uma reunião da Frente Parlamentar de Combate às Desigualdades, criada por iniciativa do deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) em 2023. É de autoria da Oxfam Brasil, entidade integrante de uma rede mundial de justiça fiscal.
A entidade defende duas medidas de combate à regressividade: revogar a isenção de imposto de renda existente desde 1995 na distribuição de lucros e dividendos a sócios de empresas, e tirar do papel o imposto sobre grandes fortunas, previsto na Constituição desde 1988 e nunca implementado.
O cineasta Walter Moreira Salle, diretor do filme Ainda estou aqui e ele próprio um bilionário, defendeu publicamente a taxação das grandes fortunas, ao receber um prêmio na última terça-feira 8.
Na proposta de reforma do imposto de renda, o governo tenta taxar lucros e dividendos em 10%, mas essa alíquota só seria aplicada de fato conforme cálculos mais gerais sobre quanto um milionário teria recolhido de imposto de renda sobre todos os seus ganhos.
O Sindicato dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco) propôs oficialmente ao relator do projeto, o deputado Arthur Lira (PP-AL), elevar essa alíquota para 15%. Com base em dados do Banco Central, o sindicato diz que, de 2014 a 2024, foram enviados para fora do Brasil 1,6 trilhão de reais em lucros e dividendos isentos. Só em 2024, foram 226 bilhões.
Uma taxação de 15%, diz o Sindifisco, teria rendido 97 bilhões de reais em 10 anos, considerando que parte dos contribuintes encontraria formas de escapar do “leão”.
CartaCapital