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Japão perde o controlo e deixa investidores em alerta máximo

Japão perde o controlo e deixa investidores em alerta máximo

As yields das obrigações japonesas estão em máximos, gerando ondas de choque nos EUA e na Europa, com os investidores a deixarem de encarar Tóquio como um refúgio e a passar a ser uma ameaça.

O Japão está a atravessar uma das maiores convulsões do seu mercado obrigacionista, com as yields a atingirem níveis não vistos há largos anos, que está a deixar os investidores apreensivos e os mercados nervosos. Esta terça-feira, a yield das obrigações do Tesouro japonês a 30 anos atingiu um máximo histórico de 3,22%, enquanto a obrigação a 10 anos escalou e chegou a negociar nos 1,595%, o nível mais alto desde julho de 2008. Há cerca de um ano, no início de agosto, negociava abaixo dos 0,8%.

Esta escalada do preço da dívida nipónica está a enviar ondas de choque através dos mercados de dívida globais e a levantar questões sérias sobre a sustentabilidade das contas públicas do país com o maior rácio de endividamento do mundo, que contava com uma dívida pública equivalente a cerca de 216,2% do PIB no final do ano passado, mais do dobro da riqueza nacional criada anualmente.

Este movimento aparentemente técnico no mercado esconde na realidade uma transformação profunda que pode redefinir o equilíbrio da economia japonesa, e também dos mercados globais.

O Japão, que durante décadas tem sido um dos principais financiadores da dívida americana e um pilar de estabilidade nos mercados de obrigações mundiais, está agora no centro de uma tempestade perfeita que combina pressões orçamentais e fiscais domésticas, incerteza política e uma mudança fundamental na política monetária do Banco do Japão.

O aumento da yield das Treasuries americanas, que esta terça-feira chegaram a negociar novamente acima dos 5% nas obrigações a 30 anos, é, em grande parte, um “subproduto” da turbulência no mercado de obrigações japonesas de longo prazo.

A atual crise tem origem num conjunto de fatores interligados. O primeiro elemento destrutivo é a incerteza política gerada pelas eleições que decorrerão este domingo, com as sondagens a indicar que a coligação governamental do primeiro-ministro Shigeru Ishiba pode perder a maioria parlamentar. Esta perspetiva está a assustar os investidores porque os partidos da oposição têm prometido cortes substanciais no imposto sobre o consumo e políticas orçamentais mais expansionistas.

Não há dúvida de que a política fiscal do governo após a eleição terá uma influência importante na direção futura [das obrigações do governo japonês]“, alertou Ataru Okumura, estratega sénior de taxas de juro do SMBC Nikko Securities. O mercado está particularmente preocupado com cenários que possam ter um impacto significativo no mercado de obrigações, como os cortes no imposto sobre o consumo que vários partidos políticos defendem.

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A inflação constitui o segundo pilar desta crise. Os preços do arroz, alimento básico da dieta japonesa, dispararam mais de 100% no último ano, contribuindo para uma taxa de inflação subjacente (exclui produtos alimentares não transformados e produtos energéticos) de 3,7% em maio, o nível mais elevado desde janeiro de 2023. Esta escalada inflacionista está a pressionar o Banco do Japão a manter uma política monetária restritiva, numa altura em que outros bancos centrais estão a considerar cortes nas taxas de juro.

“O Banco do Japão é atualmente o único grande banco central que parece ainda estar num percurso de aperto monetário”, refere o Banco Carregosa no seu mais recente outlook para o resto do ano. A instituição liderada por Kazuo Ueda elevou as taxas de juro de 0,25% para 0,5% em janeiro de 2025, o nível mais alto em 17 anos, mantendo-se nesse nível desde então.

Porém, os analistas esperam mais um aumento em 2025 e dois em 2026, o que implicaria uma taxa terminal de pelo menos 1,25%. A próxima reunião de política monetária do Banco do Japão irá decorrer no final deste mês, a 30 e 31 de julho, ao mesmo tempo que também irá publicar novas previsões económicas, que deverão mostrar uma revisão em alta para a inflação.

Quando Tóquio espirra, o mundo constipa-se

A subida das yields japonesas está a ter um impacto global sem precedentes nos mercados de dívida. No final de maio, os analistas do Goldman Sachs, numa nota enviada aos seus clientes, estimavam que a onda vendedora dos investidores sobre as obrigações do Tesouro japonês a 30 anos estava a contribuir com cerca de 80 pontos base de incremento nas yields de vários países, nomeadamente do Reino Unido e dos EUA.

Isto significa que o aumento da yield das Treasuries americanas, que esta terça-feira chegaram a negociar, novamente, acima dos 5% nas obrigações a 30 anos, é, em grande parte, um “subproduto” da turbulência no mercado de obrigações japonesas de longo prazo. E segundo a Blackrock, a maior gestora de ativos do mundo, este movimento não deverá ficar por aqui.

No seu mais recente outlook para os próximos seis meses, os analistas vaticinam que ainda há “espaço para as yields subirem mais devido aos aumentos das taxas do Banco do Japão e a um prémio de prazo global mais elevado“. Para o resto do mundo, esta realidade traduz-se num efeito de contágio que funciona através de vários canais e com implicações distintas na carteira dos investidores e nas contas públicas dos países.:

  • O Japão é o maior detentor estrangeiro de obrigações do Tesouro americano, com 1,1 biliões de dólares em títulos – o equivalente a um quarto do PIB do Japão. Assim, qualquer pressão sobre as finanças japonesas pode levar a uma redução destas participações para defender o iene ou financiar défices domésticos, o que elevaria ainda mais as yields das obrigações americanas como resultado de uma onda vendedora destes títulos por parte de Tóquio.
  • De acordo com uma recente análise dos analistas da Bloomberg, as obrigações do Tesouro americano tornaram-se mais sensíveis aos movimentos dos títulos de dívida nipónicos, especialmente desde que o Banco do Japão começou a abandonar o controlo da curva de rendimentos em 2022. Esta correlação crescente significa que a volatilidade no mercado japonês se transmite diretamente aos mercados americanos.

Todos estes dados apontam para o fim de uma era de yields extremamente baixas das obrigações japonesas durante mais de duas décadas. O abandono do controlo da curva de rendimentos pelo Banco do Japão em março do ano passado e o início de uma política de quantitative tightening eliminaram o suporte artificial aos preços das obrigações nipónicas. Agora, as forças de mercado estão a determinar os preços, e o resultado é uma subida estrutural dos custos de financiamento do Tesouro japonês.

Katsutoshi Inadome, estratega sénior da Sumitomo Mitsui Trust Asset Management, considera que se a coligação governamental perder a maioria no Parlamento, a yield da obrigação a 10 anos pode subir até 1,8%, o nível mais elevado desde meados de 2008. “Isto indica como a saúde orçamental se deteriorou e os preços subiram desde então”, refere o analista à Reuters, sublinhando ainda que “o Banco do Japão detém cerca de metade das obrigações do governo japonês e isso tem limitado a subida das yields“.

A crise atual do Japão representa, assim, muito mais do que um problema doméstico. É um ponto de viragem que pode redefinir os fluxos de capital globais, forçar uma reavaliação do risco soberano e marcar o início de uma nova era de yields mais elevadas nos mercados de dívida mundial.

O Banco de Japão detém atualmente cerca de metade de todas as obrigações do Tesouro japonesas em circulação. No entanto, está agora a implementar um programa de quantitative tightening, reduzindo gradualmente as suas compras mensais de obrigações em 400 biliões de ienes (cerca de 2,3 mil milhões de euros) por trimestre, para cortar as compras mensais para 3 biliões de ienes (cerca de 17,4 mil milhões de euros) até março do próximo ano. Esta retirada gradual do maior comprador do mercado está a criar um desequilíbrio fundamental entre oferta e procura.

Esta transformação tem implicações profundas para os mercados acionistas globais. Historicamente, quando as yields das obrigações sobem significativamente, o dinheiro tende a fluir dos mercados acionistas para os mercados de dívida, especialmente se os investidores perceberem que podem obter retornos atrativos com menor risco. A subida das yields japonesas pode, portanto, criar pressão descendente sobre os índices acionistas, não apenas no Japão mas globalmente.

A situação é particularmente preocupante porque, como nota o Banco Carregosa no seu outlook para o resto do ano, “o Japão continua a evidenciar-se pelo regresso da inflação e da política monetária a zonas de normalidade, mas que se encontrava arredada há várias décadas“. Esta normalização está a ocorrer “precisamente numa altura em que outros bancos centrais estarão a afrouxar a política monetária”, criando uma divergência de políticas que pode amplificar a volatilidade nos mercados globais.

A crise atual do Japão representa, assim, muito mais do que um problema doméstico. É um ponto de viragem que pode redefinir os fluxos de capital globais, forçar uma reavaliação do risco soberano e marcar o início de uma nova era de yields mais elevadas nos mercados de dívida mundial. Para os investidores e para os mercados globais, isto significa que o Japão deixou de ser o porto seguro de rendimentos baixos e previsíveis que foi durante décadas.

ECO-Economia Online

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