Menos crédito e mais inflação: agro declara guerra contra nova taxação do governo

Representantes do agronegócio se articulam para barrar a tentativa do governo de tributar aplicações em Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), que financiam o setor. O argumento deles é que a taxação vai reduzir a oferta de crédito e elevar o preço da alimentação.
Segundo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o governo pretende taxar em 5% títulos de renda fixa que hoje são isentos. Além de LCA e CRA, estão na mira as Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) e debêntures incentivadas.
LCAs e CRAs são títulos negociados no mercado de aplicações financeiras que geram rendimentos para quem os detém e são consideradas mais atraentes ao investidor pessoa física, que não paga Imposto de Renda sobre o rendimento deles. Ambas estão ligadas ao financiamento do agronegócio.
As LCAs são emitidas por instituições financeiras, como bancos, para financiamento direto de produtores rurais ou empresas ligadas ao agronegócio, na forma de crédito. Os CRAs são emitidos por companhias securitizadoras com base em dívidas a receber originados de negócios do setor, ou seja, financiam atividades agropecuárias de forma indireta.
Para entidades ligadas à agricultura e à pecuária, a incidência de IR sobre os rendimentos desses papéis deve reduzir a atratividade dos ativos entre investidores e, com isso, diminuir a oferta de recursos disponíveis especialmente para pequenos e médios produtores rurais, que dependem de instituições consolidadas para a emissão dos títulos.
A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) considera que a tributação, se confirmada, comprometeria uma das principais fontes de financiamento privado a um dos maiores setores da economia brasileira. Segundo a entidade, isso afetaria diretamente “a competitividade, a previsibilidade e a segurança financeira dos produtores rurais e das cadeias produtivas como um todo”.
“As LCAs têm sido fundamentais para direcionar recursos de mercado ao agronegócio, com baixo risco e estímulo ao investimento de longo prazo”, diz a associação. “A possível tributação pode desestimular as aplicações, encarecer o crédito para o campo e impactar os custos de produção, com reflexos negativos para toda a sociedade, pressionando a inflação e aumentando o preço dos alimentos”, acrescenta.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ressalta que as LCAs representam hoje a principal fonte de recursos para o financiamento do crédito rural, servindo como lastro das operações do Plano Safra.
A entidade destaca ainda que mudanças recentes promovidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) nas regras desse tipo de emissão já vinham prejudicando a atração de recursos para o crédito rural. Em fevereiro de 2024, por exemplo, o prazo de rentabilidade do título foi ampliado de 90 dias para nove meses, o que freou o crescimento do estoque de LCAs.
“Essa desaceleração só não foi mais acentuada devido à elevada taxa Selic, que continuava atraindo investidores, especialmente por conta da isenção de Imposto de Renda para pessoas físicas”, diz trecho de análise da CNA.
Conforme os dados mais recentes disponibilizados pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), em abril de 2025, o estoque de LCAs somava R$ 559,94 bilhões, um aumento de 19% em relação ao mesmo mês de 2024 (R$ 469,01 bilhões). O crescimento entre abril de 2021 e abril de 2022, para se ter uma ideia, foi de 98%.
Na apresentação da proposta a jornalistas, Haddad afirmou que, apesar do fim da isenção de IR sobre os títulos, as aplicações “continuarão bastante incentivadas”, uma vez que a alíquota de 5% representa apenas um terço dos 15% que incidem sobre rendimentos em outras aplicações em renda fixa, como CDBs.
A ideia do ministro é promover as mudanças por meio de medida provisória (MP), que entra em vigor de forma imediata mas precisa de aval do Legislativo para não "caducar". Em razão do princípio da anualidade, a cobrança da nova alíquota teria efeito apenas a partir de janeiro de 2026, mantendo isento do imposto o atual estoque de LCAs e CRAs.
No Congresso Nacional, a reação negativa de representantes do agronegócio foi imediata. Para o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), um ajuste fiscal que reduzisse o gasto público dispensaria a necessidade de elevar tributos.
“Primeiro o governo cria um problema, depois tenta resolver com mais imposto — e, como sempre, sobra para o agro. Tributar as LCAs é encarecer o crédito rural e desestimular quem produz. E o corte de gastos? Nenhuma palavra”, diz o parlamentar.
“A resposta apresentada pelo governo é a taxação, ou seja, aumentar impostos de LCAs, LCIS, debêntures incentivadas, algo que funciona muito bem no mercado e que significa boa parte do financiamento do setor agropecuário. A gente simplesmente não pode aceitar”, disparou.
Em vídeo, o deputado diz que vai “entrar em mais uma batalha” para mostrar para o governo que, em vez de aumentar imposto, “precisa cortar na carte, diminuir a máquina e diminuir o gasto público”. “Até gora o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e ninguém da equipe econômica falaram em diminuir o tamanho do Estado”, criticou.
A FPA, que reúne 350 parlamentares, divulgou nota em que manifesta “profunda preocupação com a proposta de tributação em 5% dos rendimentos de LCAs e LCIs”.
Para a bancada, a medida compromete uma fonte essencial de crédito rural, especialmente para médios produtores e cooperativas, e encarece o financiamento do setor em um cenário de juros altos e de queda nos preços de commodities. “A conta será paga pelo consumidor, que receberá o repasse no preço dos alimentos”, afirma a FPA.
A frente parlamentar destaca ainda que a agropecuária é responsável por quase metade do superávit comercial brasileiro. “Penalizar o setor é penalizar o crescimento do país. É preciso equilíbrio: ajustar as contas passa pelo controle de gastos e pela revisão estrutural do orçamento, e não pelo aumento do peso sobre quem sustenta a economia”.
A FPA recebeu apoio de outras 18 frentes parlamentares na crítica às medidas propostas pela Fazenda. “O fim da isenção de LCI e LCA penaliza diretamente o pequeno e médio investidor, que busca alternativas de renda fixa para proteger suas economias, e desincentiva o financiamento de setores vitais como o agronegócio e a construção civil, elevando o custo de moradia e dos alimentos”, diz carta assinada pela Coalizão das Frentes Produtivas.
O documento cita ainda levantamento da Gazeta do Povo, que mostrou que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já anunciou 24 medidas de aumento ou criação de imposto – sem contar as tributações do novo pacote fiscal.
“A estatística é alarmante e inegável: desde janeiro de 2023, o atual governo aumentou ou criou impostos por pelo menos 24 vezes. Isso significa uma média de um novo aumento de impostos a cada 37 dias.”
Integram a coalizão, além da FPA, as frentes parlamentares de Comércio e Serviços, do Livre Mercado, do Empreendedorismo, do Biodiesel, Pelo Brasil Competitivo, de Gestão de Resíduos e Economia Circular, em Defesa do Turismo, da Habitação e do Desenvolvimento Urbano Sustentável, Pela Mulher Empreendedora, em Defesa da Aviação Civil, em Defesa da Cultura e Entretenimento, de Portos e Aeroportos, em Defesa do Saneamento Básico, da Indústria de Máquinas e Equipamentos, do Cooperativismo, da Saúde, de Logística e Infraestrutura e da Mineração Sustentável.
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