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País líder da usura e da desigualdade

País líder da usura e da desigualdade

Desde o ano passado, na gestão Roberto Campos Neto, e em 2025, na gestão Gabriel Galípolo, o Banco Central aumentou expressivamente a taxa básica de juros, a Selic. A taxa real­ ex ante, o juro nominal descontada a inflação esperada, subiu para níveis recordes, colocando o Brasil, mais uma vez, como campeão ou vice-campeão mundial da usura. Na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), o comando do Banco Central indicou que os juros continuarão altos por muito tempo.

Algumas perguntas básicas. Juros elevados conseguem, de fato, controlar e reduzir a taxa de inflação, como costumam dizer seus defensores? E, em caso positivo, a que custo em termos de efeitos adversos sobre PIB, emprego, finanças públicas e distribuição da renda nacional? Trata-se de uma política eficaz? E mesmo que seja eficaz, é também uma política eficiente?

Não há muita dúvida de que juros altos contribuem em geral e de forma importante para reduzir a inflação. Por meio de três canais, pelo menos. Primeiro, porque comprimem a demanda agregada de consumo e investimento na economia, o que exerce pressão baixista sobre os preços dos bens e serviços não comercializáveis internacionalmente (non-tradeables), inclusive sobre a remuneração do trabalho. Segundo, porque tendem a provocar valorização cambial, o que deprime os preços em reais dos produtos comercializáveis internacionalmente (tradeables), tanto exportáveis como importáveis. Terceiro, porque a alta dos juros básicos, se for vista como sustentável, normalmente diminui as expectativas de inflação e, por essa via, tende a reduzir a inflação corrente e as taxas de juro de longo prazo.

Portanto, a política de juros altos é, normalmente, eficaz em reduzir a inflação. Porém, ela não é eficiente, pois diversos fatores limitam os seus efeitos anti-inflacionários. Em outras palavras, ela é eficaz porque gera queda da inflação, mas não é eficiente porque obtém esse resultado produzindo grandes estragos e efeitos colaterais.

Quem recebe os juros escorchantes são os credores do governo, fundamentalmente os super-ricos

Vou tentar abordar alguns aspectos dessa questão intrincada. Primeiro, numa economia continental como a brasileira, o grau de abertura comercial externa, medido pela razão fluxos de comércio exterior/PIB, é inferior àquele que se observa em países pequenos e abertos. Em ­países pequenos, como a Suíça, a Bélgica e a Holanda, entre diversos outros, o grau de abertura é muito elevado e quase sempre bem superior a 100%. Nesses casos, a valorização externa da moeda nacional induzida por juros altos ou outros fatores tem impacto decisivo sobre a inflação. No caso do Brasil, que tem um grau de abertura da ordem de 40%, o impacto anti-inflacionário de uma apreciação externa do real, ainda que não desprezível, raramente chega a ser decisivo. Diga-se de passagem que, nos Estados Unidos, outra economia continental, o grau de abertura é ainda menor, inferior a 20%. Ou seja, a apreciação cambial requerida para obter determinada queda da inflação é maior em países como o Brasil, o que tende a solapar a competitividade internacional da economia.

Um segundo aspecto da questão: há sempre alguma rigidez dos preços e salários à baixa. Em economias como a brasileira, que tem longa tradição de indexação, existe também alguma inércia da inflação, isto é, a tendência a trazer a inflação passada para o presente. Assim, o efeito anti-inflacionário de uma determinada contração da demanda agregada é menor do que seria se os preços e salários fossem mais flexíveis e menor o componente inercial da inflação.

Em suma, por esses e outros motivos, é preciso muita contração da demanda e muita apreciação para reduzir a inflação e colocá-la dentro da meta, especialmente quando essa meta é fixada de modo excessivamente ambicioso, herança da incompetente gestão econômica no governo Temer.

E, pior, os juros altos produzem ainda outros efeitos colaterais destrutivos. Além de desacelerar a economia, eles desestabilizam as finanças públicas de duas­ formas: diretamente, ao sobrecarregar o custo da, e indiretamente, via efeitos da retração do nível de atividade sobre a arrecadação e gastos cíclicos como o seguro-desemprego. O setor público como um todo arca atualmente com despesas líquidas de juros da ordem de 8% do PIB! Esse componente, e não o badalado resultado fiscal primário, é que explica o déficit público e o crescimento da dívida do governo. O déficit primário está em torno de 0,6% do PIB.

Mas o problema não para aí. Quando o governo paga juros escorchantes, quem recebe? Quem são os credores do governo? Fundamentalmente, os super-ricos, os ricos e, em menor medida, a classe média alta, além dos credores estrangeiros. Os juros altos são, na verdade, um poderoso instrumento de concentração da renda em um país que já é, há muito tempo, um dos campões mundiais em matéria de ­desigualdade social. Convém reparar, além disso, que essa política monetária coloca reais exatamente nas mãos daqueles que têm alta propensão à fuga de capitais em momentos de incerteza, como no fim de 2024 – facilitada, recorde-se, pela liberalização prematura da conta de capitais, herança lamentável da gestão Fernando Henrique Cardoso. Alimenta-se, assim, com juros generosos o monstro da especulação cambial desestabilizadora. O ­País sofre e a turma da bufunfa comemora.

Ninguém está pedindo que o novo comando do Banco Central dê um cavalo de pau na política monetária. Mas, francamente, status quo? Manter tudo como estava nas gestões anteriores da instituição? •

Publicado na edição n° 1369 de CartaCapital, em 09 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘País líder da usura e da desigualdade’

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