Tarifaço pode eliminar 110 mil empregos e causar perdas bilionárias às empresas

Um novo cenário de incerteza paira sobre a economia brasileira. O tarifaço de 50% imposto pelos Estados Unidos, que vale a partir de 1º de agosto, não terá efeitos apenas na balança comercial. Também poderá trazer perdas bilionárias às empresas e fechar milhares de empregos.
Estudos realizados pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e análises da XP Investimentos detalham como esse "tarifaço" - imposto por um parceiro que é o principal mercado para a indústria de transformação brasileira - pode atingir o coração da economia em estados estratégicos.
A situação poderá piorar caso Trump resolva usar mais "armas" do arsenal de medidas que podem ser tomadas. Uma investigação comercial contra o Brasil está em curso. Outra fonte de preocupação para os especialistas é a prática de eventuais retaliações adicionais de Trump ao Brasil devido à operação realizada pela Polícia Federal (PF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro nesta sexta-feira (18).
A decisão de Trump sobre o tarifaço, comunicada por carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), rompe com padrões anteriores de aplicação de tarifas, e a justificativa principal não é comercial, mas sim divergências políticas, incluindo o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro e debates sobre regulação de redes sociais.
A abordagem, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), demonstra uma "agenda política sequestrada" que insiste em girar em torno de uma pauta estéril e paralisante, marcando o Brasil por "radicalismos ideológicos e antinacionais" no exterior.
O custo do "Tarifaço": R$ 19 bilhões a menos no PIB e Impacto nos estadosAs projeções do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica (Nemea) da UFMG são contundentes: o "tarifaço" resultaria em uma redução de 0,16 ponto percentual no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, o que equivale a R$ 19,2 bilhões. Para este ano, o mercado financeiro estima uma alta de 2,23%, segundo levantamento realizado pelo Banco Central (BC).
A redução não será distribuída uniformemente. Os maiores efeitos devem ficar com:
- São Paulo: com uma queda de R$ 4,46 bilhões no PIB estadual.
- Rio Grande do Sul: com uma redução de R$ 1,92 bilhões.
- Paraná: registrando uma perda de R$ 1,91 bilhões.
- Santa Catarina: com um impacto negativo de R$ 1,73 bilhões.
- Minas Gerais: que teria um recuo de R$ 1,66 bilhões.
Os valores são um reflexo direto do peso dos setores mais afetados pelas medidas tarifárias e de sua profunda integração nas cadeias produtivas nacionais e internacionais. A indústria de transformação e o agronegócio são os que devem ser os mais atingidos.
A projeção da UFMG aponta para uma perda de cerca de 110 mil postos de trabalho em todo o país. A agropecuária seria o setor com a maior perda de ocupações, com aproximadamente 41 mil postos de trabalho eliminados. Em seguida, vêm o comércio (31 mil) e as indústrias de transformação (26 mil).
Indústria de transformação está sob intensa pressãoSão Paulo deve ser afetado prinicipalmente nas indústrias de transformação, comércio e transporte. Um exemplo emblemático é a fabricante de aviões comerciais Embraer, que tem cerca de 23,8% de sua receita proveniente de exportações para os EUA. A empresa, sediada em São José dos Campos (SP), também monta jatos na Flórida e adquire cerca de 40% de seus componentes nos EUA.
A tarifa de 50% afetará pesadamente o setor, que já enfrentava uma tarifa de 10% e agora vê um aumento de 40 pontos percentuais. A XP Investimentos estima um custo adicional anual de US$ 80 a 90 milhões para cada 10 pontos percentuais de tarifa para a Embraer, o que pode representar um impacto de 5 a 6 pontos percentuais na margem EBIT - o percentual da receita que se transforma em lucro vindo apenas de sua operação principal - no cenário mais adverso.
O impacto é tão relevante que nem mesmo empresas americanas como a Boeing teriam interesse na manutenção dessas tarifas, dada a interdependência das cadeias, destaca o presidente da CNI, Ricardo Alban.
Siderurgia, máquinas e bens de consumo também estão na miraOutro segmento da indústria de transformação que será afetado é o de máquinas e equipamentos, incluindo aqueles voltados à agricultura. O Itaú estima qe as exportações de tratores e máquinas agrícolas podem encolher 20%. Segundo a XP Investimentos, empresas como a catarinense WEG e as gaúchas Randoncorp e Frasle podem ter efeitos negativos com o tarifaço.
Delas, a que mais tem alternativas para contornar a situação é a WEG. Analistas da XP apontam que uma das primeiras medidas que poderiam ser tomadas é o reajuste dos preços dos produtos exportados para a maior economia global. A estratégia precisaria ser cuidadosamente calibrada para não afetar a produção. Outra alternativa é a de realocar a produção para países que têm unidades da empresa e que estão sujeitas a tarifas menores, como o México.
Apesar de a indústria do aço e do aumínio já terem sido taxadas anteriormente, a nova tarifa de 50% para "automóveis e aço de qualquer país" agrava a situação. Produtos semimanufaturados de ferro ou aço são um dos principais itens exportados para os EUA. Empresas como Tupy, Gerdau, CSN e CBA serão as mais afetadas.
Segmentos industriais, como artigos têxteis de uso doméstico e outros têxteis, tecidos, fios e fibras têxteis beneficiados, produtos de madeira e calçados e artefatos de couro, também enfrentarão quedas expressivas nas exportações - superiores a 10% para alguns têxteis e 4,2% para produtos de madeira - e retração na produção. A Alpargatas tem cerca de 4% de suas vendas consolidadas afetadas.
Alban, destaca que, embora não tenham o mesmo volume de grandes setores, esses segmentos têm grande representatividade para as exportações locais e atingem pequenas e médias indústrias, com casos como o Ceará, onde 45% das exportações vão para os EUA.
Agronegócio brasileiro na linha de fogoA UFMG projeta que a maior perda de empregos deverá ocorrer na agropecuária. Pelo menos 40 mil empregos podem ser fechados. Carnes, café, açúcar e suco de laranja são alguns dos produtos que mais deverão sentir os efeitos do tarifaço de Trump.
Carnes, café e açúcar: exportações estratégicas ameaçadasAs exportações de carne de suíno e aves devem cair mais de 11%, com reduções de até 4% na produção, estima o Itaú. A carne bovina também terá uma queda nas exportações de 4,1%.
Apesar de a Minerva ser uma das empresas mais afetadas nas exportações para os EUA (8% a 15% da receita), a possibilidade de redirecionamento para outros mercados pode mitigar parte do impacto, mas com provável prejuízo das margens.
O café em grão lidera as exportações do agronegócio para os EUA, maior consumidor mundial. No primeiro semestre, as vendas foram de US$ 1,2 bilhão – um sexto dos negócios externos do segmento. O BTG Pactual estima que, com as medidas tomadas por Trump, as vendas para os EUA poderão cair 6%. As de café beneficiado, 1,4%.
A UFMG projeta reduçao de 5% nas exportações e de 2,7% na produção de açúcar devido às medidas tarifárias. Uma das empresas mais afetadas será a Jalles Machado, pois a maior parte de suas exportações de açúcar orgânico - cerca de 11% da receita projetada - vai para os Estados Unidos. A XP aponta que a empresa poderia postergar embarques e redirecionar parte do volume para a Coreia do Sul. O redirecionamento, entretanto, não pode compensar integralmente os efeitos das tarifas nos EUA.
O dilema do suco de laranja para o mercado americanoA tarifa de 50% anunciada pelos Estados Unidos pode comprometer as vendas de suco de laranja brasileiro ao mercado americano, segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR). No primeiro semestre, as exportações foram de US$ 655 milhões.
As empresas brasileiras enfrentariam dificuldades para direcionar a produção para outros mercados. Atualmente, a Europa compra 52% do suco brasileiro, mas já reduziu suas importações. O temor é de que haja uma queda brusca nos preços.
O fator político por trás da barreira comercialO Brasil mantém um relacionamento estratégico e complementar com os Estados Unidos, construído ao longo de 200 anos de integração econômica. A tarifa de 50% é considerada "extremamente desproporcional", dado que o Brasil aplicou uma tarifa real média de 2,7% às importações de produtos americanos em 2023.
Diante da ameaça, a indústria brasileira, por meio da CNI, tem buscado o diálogo com empresários americanos e o governo federal. Alban diz que a medida é um "perde-perde" para ambos os países.
Segundo ele, a imposição de uma tarifa de 50% é, "definitivamente, como se fosse um embargo". "Não existe possibilidade de isso ser um regulador de mercado. Então, essa possibilidade certamente acarretará uma série de desempregos no Brasil e, certamente, também nos Estados Unidos, porque estamos falando de produtos complementares", reforça.
A CNA critica o foco em "crises políticas pessoais" que desviam o país de seu potencial como "fornecedor estratégico de alimentos, energia limpa e minerais críticos". A entidade conclui que "a economia não pode continuar sendo refém de narrativas políticas que alimentam extremos e paralisam decisões. O Brasil precisa voltar a olhar para frente. E isso exige maturidade, de todos os lados".
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