Caché Comporta é um chalet escondido nas dunas com crudos

Foi-nos prometida uma pequena madeleine. Aquele clássico biscoito francês em forma de concha e polvilhado com açúcar em pó fez a viagem desde Paris até às dunas da praia do Pego, na Comporta, para ser servido com caramelo de manteiga salgada e miso neste novo Caché, que, tal como na capital francesa, é envergonhado. Também a madalena prometida se mostrou esquiva, sem aparecer no desfile de sobremesas deste espaço, deixando em aberto o convite para que lá voltemos e a provemos. Escondido entre as ondas de neve — sim, neve — desta praia do litoral alentejano falamos do mais recente restaurante da Comporta, que resulta da parceria entre a Quinta da Comporta e o grupo Caché Paris, com o chef catalão David Reartes a dar sabor à carta. Depois de ter dado uma nova vida ao INARI, atualmente com a consultoria do chef Vítor Sobral, Miguel Câncio Martins, arquiteto fundador da Quinta da Comporta, viu neste espaço desenhado pelo designer francês Philippe Starck — e que em tempos foi Praia na Comporta, do grupo Praia — a oportunidade de trazer para a Comporta “alguma variedade gastronómica e outra experiência culinária” diferente daquela que, acredita, se encontra atualmente por lá.
“Na continuidade deste nosso compromisso em manter a autenticidade do estilo de vida da Comporta, o Caché Comporta surge como um prolongamento natural da nossa visão: um espaço onde se respeita o que de melhor a natureza nos dá e se celebra o prazer simples do convívio que une culturas à volta da mesa”, afirma o arquiteto. Da amizade com Gianpaolo Polverino, um dos fundadores do Caché Paris, e com David Reartes nasceu assim um espaço que vem juntar os três restaurantes que o grupo abriu naquela cidade: “Nós em Paris temos três restaurantes: o Caché, que é só de peixe, na brasa e crus, o Amagat, de tapas, catalão e espanhol, e o Santa Sílvia, italiano. A ideia aqui foi fazer uma mistura de todos”, explica o chef catalão, descrevendo assim o Caché Comporta como uma “volta ao mundo”.

▲ O chef David Reartes colhe as ervas aromáticas diretamente na Quinta da Comporta
Esta ligação é também retratada nos pratos apresentados no menu: mantendo-se fiel ao ADN do conceito original francês, que assenta no respeito pelo produto, o Caché Comporta vai colher estes produtos à horta da Quinta da Comporta — que também o chef Vítor Sobral explora de cesta na mão para o restaurante do resort. Os legumes, frutas e ervas aromáticas são assim apanhados a pouco mais de quatro quilómetros de distância. Já o peixe — trabalhado a cru ou na brasa — vem diretamente da costa alentejana e o arroz dos campos que se veem a caminho do restaurante. “Chegar aqui e ver isto tudo tão selvagem dá-te muita inspiração”, revela o chef, que divide a sua vida entre Paris e Ibiza, ilha que compara agora à Comporta: “Esta parte selvagem lembra-me muito a Ibiza de há 30 anos. E espero que não se torne na Ibiza de agora”, explica, destacando a importância de uma boa relação com os pescadores e os produtores locais. “Poder ver todas essas coisas que há aqui e que já não existem no mundo… é tão selvagem”.
Somos logo confrontados com um limpa-neves à entrada do passadiço de madeira que nos leva até ao restaurante. Causa estranheza, certamente, porque é nas dunas de areia que assenta o Caché. Mas a sua presença por ali é responsabilidade de Philippe Starck, o designer francês que há dois anos desenhou aquele que viria a ser o Praia na Comporta, gerido pelo grupo que detém o Praia no Parque, em Lisboa. “Como ele é um bocado criador e louco achou que isto aqui, que é areia, era neve. Porque a nossa areia é tão branca que parece neve”, explica Miguel Câncio Martins, revelando assim que a ideia de Starck era criar um chalet de montanha mas numa praia, com o mar a espreitar entre as dunas e a Serra da Arrábida sem sinal de neve no cume. E é isso que sentimos assim que entramos.
By Philippe Starck, a decoração deste espaço teve de se manter apesar da aquisição por parte daquela parceria. Assim, pouco ou nada o arquiteto da Quinta da Comporta pôde intervir, revelando ter apenas retirado as portas de vidro que separavam a sala da cozinha e colocado estrategicamente uma ou outra planta, apesar da resistência do designer francês. “Eu só pus umas plantas. Ele ao princípio olhou e disse ‘eu não sou muito de verduras'”, mas lá cedeu. O espaço do Caché é assim uma verdadeira cabana, criando um ambiente diferente daquele que se espera encontrar num beach club. Por isso, não fosse o facto de estarmos à beira mar, nada remete para a praia — mas essa ideia muda quando olhamos para o menu.
observador