O Voto e o Vazio

As eleições mais recentes não nos trouxeram só novos rostos no Parlamento. Trouxeram-nos, acima de tudo, um diagnóstico — cru e direto — do estado em que está a democracia portuguesa. Num país cansado de promessas, de fórmulas gastas e de discursos reciclados, muitos eleitores usaram o voto como desabafo. Outros, como protesto. E muitos, demasiados, votaram já sem esperança — como quem preenche um formulário automático e segue em frente.
Os extremos capitalizaram esse cansaço. De um lado, a velha estrutura que se diz progressista, mas que se especializou em gerir o presente à custa do futuro — sempre pronta a distribuir, mas nunca a reformar. Do outro, o grito fácil, a política de memes e indignações instantâneas, feita para as redes e não para o país real. Prometem rupturas, mas oferecem apenas ressentimento.
Ora, entre esses dois polos há um espaço imenso. Um espaço onde se pode governar com exigência, reformar com responsabilidade, e construir um país onde a liberdade não precise de gritar para ser ouvida. E é aí que me revejo. Porque, ao contrário do que nos querem fazer crer, ser jovem não é sinónimo de ingenuidade política. A minha geração não quer delírios ideológicos, nem governos de marketing. Quer competência. Seriedade. Visão. E um projeto de país onde o mérito volte a contar — e o trabalho honesto não seja penalizado com impostos sufocantes ou burocracia labiríntica.
Portugal precisa de reformas. Urgentes. Estruturais. Não basta um “plano disto” ou “uma estratégia daquilo”. Precisamos de quem tenha coragem de mexer no que está cristalizado há décadas: na máquina do Estado, na justiça lenta, no sistema fiscal que castiga quem empreende, no ensino que finge modernidade, mas continua a falhar nas bases. E quem o conseguir fazer terá de estar pronto para desagradar a muitos — porque reformar nunca é simpático, mas é necessário.
É por isso que vejo com inquietação o crescimento das soluções fáceis. As que prometem limpar tudo, mas não explicam o que construirão depois. As que falam de autoridade como se fosse sinónimo de autoritarismo. Ou as que se escondem atrás de palavras como “justiça social”, mas que se tornaram especialistas em manter os mais frágeis dependentes, em vez de lhes devolver autonomia e dignidade.
Rejeito esse caminho. E, por isso, recuso a ideia de que não há alternativa. Há, sim. E ela passa por uma visão reformista, moderada, mas firme. Uma visão que já demonstrou, noutras fases da nossa história democrática, saber equilibrar liberdade económica com coesão social, responsabilidade com progresso, contas certas com políticas humanas. Não é a visão que grita mais alto. Mas é a que faz mais falta.
A política não é para entreter. É para governar. E governar exige mais do que retórica: exige trabalho, seriedade e um projeto para o país. Não podemos continuar a eleger quem acha que a governação é um exercício de sobrevivência política, nem entregar o destino nacional a quem trata o Parlamento como um palco de provocação permanente.
É altura de voltarmos a exigir maturidade a quem quer liderar. De olharmos com seriedade para quem quer fazer reformas verdadeiras — mesmo que doa, mesmo que não dê votos imediatos. De apoiarmos projetos políticos que acreditam no mérito, na liberdade com responsabilidade, e num Estado que sirva — não que mande.
O resultado das últimas eleições não é o fim de nada. É um aviso. E como todo o aviso, pode ser ignorado ou ouvido. Eu escolho ouvi-lo — e agir. Porque este é o nosso tempo. E não o vamos ceder a quem só quer protagonismo, nem a quem já desperdiçou oportunidades demais.
observador