‘Moçambique merece ser olhado de uma maneira otimista’

No próximo dia 25 de junho assinalam-se os 50 anos da independência de Moçambique. Foi destacado para Moçambique em 1974, dois anos após ter ingressado na carreira diplomática. Como descreve o período entre o 25 de Abril e a independência moçambicana?
Em finais de 1974, fui chamado pelo secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros, que me informou que eu tinha sido designado para ir para Moçambique preparar a Embaixada de Portugal e os consulados que fosse necessário apontar. Eu tinha 27 anos. No 25 de Abril estava em Nova Iorque em reuniões das Nações Unidas e só voltei a Portugal depois. Era preciso preparar as coisas para as independências. E como Moçambique não era um território estrangeiro nessa altura, foi achado por bem designar-me adjunto diplomático do Alto-Comissário de Portugal em Moçambique. Era o almirante Vítor Crespo, membro do Conselho da Revolução, e lá fui para Lourenço Marques, como então se chamava. Apresentei-me ao almirante para, mais do que trabalhar com ele, preparar a Embaixada e os Consulados.
Quais foram os momentos-chave que permitiram a independência moçambicana?
A luta da FRELIMO contra Portugal, começou em 1963, no norte de Moçambique. Depois do 25 de Abril foi assinado um acordo– pela parte portuguesa creio que pelo Tenente-Coronel Melo Antunes e pelo Doutor Mário Soares, que era Ministro dos Negócios Estrangeiros – em setembro de 1974, o Acordo de Lusaca, e foi aí que foi determinada a data da independência. E como é que poderia ser a transição? Foi constituído um governo provisório do qual fariam parte portugueses e moçambicanos. O primeiro-ministro deste governo provisório foi Joaquim Chissano que viria a ser, a seguir à independência, ministro das Relações Exteriores e uns anos depois presidente da República.
Como disse, foi encarregue de organizar o estabelecimento da Embaixada e dos Consulados portugueses. Como decorreu o processo?
A única instrução que recebi, para ter uma ideia de como eram as coisas, foi a seguinte: “vá para Moçambique e arme uma Embaixada. Tem tudo que estar pronto a 25 de junho”. “Mas então faço o quê?”, perguntei. A resposta foi: “Desenrasque-se, desenrasque-se”. Mas o processo correu bem, graças a Deus. Com a grande colaboração do Almirante Vítor Crespo, montei uma pequena equipa, de portugueses que viviam lá, a que juntei um arquiteto local, e identificámos rapidamente o edifício na avenida principal de Lourenço Marques. A avenida chamava-se António Enes (hoje tem outro nome) e é onde está o Hotel Polana. Identificámos rapidamente um edifício de 16 andares e quando fui colocar a questão ao Almirante Vítor Crespo ele perguntou-me: “Mas acha que Portugal, precisa de uma embaixada com 16 andares?”. E eu lembro-me de ter dito “Senhor Almirante, nós estivemos aqui 500 anos, nós é que temos que ter a embaixada americana, não são os americanos”. Em três ou quatro meses foram feitas obras para transformar o rés-do-chão numa espécie de um anfiteatro e sala de exposições que pudesse acolher parte cultural, o que mais tarde viria a ser o Instituto Camões, e foram feitas obras nos quatro andares superiores para transformar em escritórios. Os outros ficaram para a habitação dos diplomatas. Felizmente estava tudo a postos e começou tudo a trabalhar não no dia 25 de junho, que foi feriado, mas a 26 às 8h.
E qual foi o momento em que caiu a ficha de que o império português tinha chegado ao fim?
Ah, eu lembro-me. A delegação de Portugal chegou no dia 24 de manhã, chefiada pelo primeiro-ministro Vasco Gonçalves e integrada pelo Dr. Álvaro Cunhal, Dr. Mário Soares, Dr. Magalhães Mota e professor Pereira de Moura. Veio também Otelo Saraiva de Carvalho, que tinha nascido ou vivido em Moçambique. Depois traziam assessores, adjuntos e os militares. O Almirante pediu-me para organizar na futura residência do embaixador – uma vivenda com jardim que pertencia à administração do BNU, que ia sair de Moçambique – um almoço para esta delegação. Depois foi feita uma visita à cidade. A seguir ao jantar toda a comitiva foi para o estádio da Machava, onde foi a cerimónia da independência, à meia-noite de 24 para 25 de junho. Quando acabou a cerimónia, que demorou quase duas horas, a delegação foi para o aeroporto apanhar o avião de regresso a Lisboa. Despediram-se de mim. Eu era o único da embaixada que estava lá. Quando a delegação partiu, eram umas três da manhã, olhei em volta e as 100 ou 200 pessoas que estavam no aeroporto eram todos moçambicanos. Eu era o único português. Tive aí a plena noção que o império tinha acabado. Representar Portugal num novo país, era um desafio enorme e entusiasmante para um miúdo de 27 anos. Fiquei na Embaixada a ocupar-me das questões económicas.
Olhando para estes últimos 50 anos de Moçambique como país independente, a situação não é, de todo, animadora. É o quinto país mais pobre do mundo em termos de PIB per capita e uma quase guerra civil abateu-se, de novo, sobre o país na sequência das últimas presidenciais. Pode Moçambique sair desta bola de neve?
Desculpe, mas não há guerra civil em Moçambique. Há, sim, no norte de Moçambique, ações terroristas levadas a cabo por movimentos islâmicos radicais que afetam gravemente os investimentos em Moçambique.
Referia-me ao estado em que o país mergulhou no ano passado após as eleições. Foi quase guerra civil.
Houve problemas com um dos candidatos. É evidente que ainda há efeitos porque estas coisas em África são normalmente mais violentas do que na Europa. O problema político, tanto quanto sei, está sanado, mas deixou, obviamente, consequências graves. Acho que o novo governo e o novo Presidente estão a fazer um esforço no sentido de sair da bola de neve. Já houve uma missão do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial a Moçambique, que penso que vai voltar agora, por forma a fazer um relatório sobre a situação económica para proporcionar empréstimos ao país. Sei que recentemente houve uma missão dos Emirados Árabes Unidos, que esteve em Moçambique a estudar possibilidades de investimento. A China continua muito interessada em investir. Até mesmo empresas portuguesas, várias, não só de infraestruturas, de comércio, do ensino, etc.
Temos de ser otimistas e acreditar que, sobretudo agora que a situação estabilizou politicamente, pode haver uma evolução positiva. Moçambique merece que se olhe para ele de outra maneira, de uma maneira otimista.
Jornal Sol