A revolução silenciosa da Semana de Quatro Dias

Cambridge evoca uma longa tradição de excelência académica. Mas desta vez, é nas políticas públicas que o seu nome surge associado à inovação. Um relatório publicado esta semana — elaborado pelas Universidades de Salford, Bradford e Cambridge — analisa os efeitos de uma experiência de dois anos da semana de quatro dias no South Cambridgeshire District Council, um município liderado pelos Liberais Democratas. Os resultados são claros: os serviços melhoraram ou mantiveram o nível de desempenho, e os trabalhadores estão mais motivados e saudáveis. O relatório surge num momento crítico para os governos locais, confrontados com dificuldades crónicas de recrutamento, orçamentos apertados e níveis decrescentes de satisfação pública.
Sob o modelo da semana de quatro dias, os funcionários do município foram desafiados a manter 100% da produtividade enquanto reduziam de 37 para 32 as horas de trabalho semanais — sem cortes salariais. Ou seja, trabalhar menos horas sem redução de rendimento, com o objetivo de reorganizar processos e aumentar a eficiência.
O projeto começou com uma fase experimental de três meses em Janeiro de 2023, foi depois prolongado por um ano e, atualmente, está em avaliação final após dois anos. A decisão sobre a adoção permanente será tomada pelo Conselho Municipal ainda este mês, agora baseado em dados objetivos.
Entre os 24 serviços monitorizados, 21 melhoraram ou mantiveram o seu desempenho. As melhorias mais significativas foram registadas em áreas críticas da administração local:
- Mais chamadas atendidas no centro de atendimento;
- Menos tempo para atualizar pedidos de apoio à habitação e impostos locais;
- Processamento mais rápido de candidaturas de licenciamento urbanístico;
- Aumento da percentagem de reparações em habitação social concluídas em menos de 24 horas;
- Maior cumprimento dos prazos para responder a queixas formais.
Um dos maiores desafios enfrentados pelos municípios britânicos tem sido a contratação. Antes do projeto, o Município conseguia preencher apenas 80% das vagas — em alguns departamentos, apenas metade. Durante o piloto, o número de candidaturas duplicou (+120%), e as saídas voluntárias dos trabalhadores caíram mais de 40%. Com menos saídas de trabalhadores e mais candidatos qualificados a entrar, os serviços públicos ganharam em estabilidade e qualidade.
Este impacto refletiu-se também nas contas públicas: a substituição de trabalhadores temporários por pessoal permanente gerou uma poupança líquida anual superior de 400 mil libras, o resultado de uma redução de gastos em 626 mil libras e custos de 226 mil libras com dois veículos e contratação adicional para a recolha de lixo.
A semana de quatro dias não trouxe apenas ganhos administrativos. O relatório destaca melhorias na saúde física e mental dos trabalhadores, na motivação e no desejo de permanecer ao serviço do município. As melhorias foram particularmente visíveis entre trabalhadores com deficiência, doenças crónicas ou responsabilidades de cuidado — demonstrando o potencial desta política para promover maior equidade e alargar a participação no mercado de trabalho.
Uma parte do processo de avaliação incluiu uma consulta pública, conduzida por uma entidade independente. Os resultados mostraram que, para a maioria dos serviços, os cidadãos não sentiram diferença significativa. Apenas três áreas registaram uma perceção negativa. Mesmo assim, 45% dos inquiridos disseram apoiar a semana de quatro dias — um valor expressivo num contexto em que, nacionalmente, a satisfação com os governos locais caiu de 72% (em 2012) para 56% (em 2024). Ainda assim, não será alheio o facto do antigo governo ter tornado a semana de quatro dias numa guerra cultural, chegando mesmo a proibir os municípios de a experimentarem.
A inovação não se limita à Europa. No Golfo Pérsico, também se testa a semana de quatro dias. O Dubai acaba de lançar o programa «Our Flexible Summer», que estará em vigor entre 1 de julho e 12 de setembro de 2025. Este teste vem na sequência de outro projeto-piloto que decorreu em 2024, em 21 departamentos governamentais, e que viu a satisfação dos trabalhadores aumentar em 98%. Desta feita, a experiência terá apenas três meses, mas vai abranger todos os funcionários públicos, que foram divididos em dois grupos: um vai cumprir quatro dias de oito horas, com sexta-feira de folga; o outro vai trabalhar quatro dias de sete horas e meio na sexta-feira.
A discussão sobre a semana de quatro dias no setor público também tem expressão nacional. O Governo Regional dos Açores aprovou um projeto-piloto semelhante na função pública. A equipa científica será a mesma que conduziu a experiência no setor privado, mas será agora coordenada pela Professora Rita Fontinha da Henley Business School. O projeto vai abranger diversos serviços e decorrer ao longo de seis meses, com início previsto ainda este ano. Tal como em Cambridge, o objetivo é reorganizar o trabalho, desburocratizar e melhorar os serviços públicos, e cuidar melhor de quem os presta. A redução será para as 32 horas semanais e os dois modelos testados serão semelhantes aos da experiência do Dubai, com a diferença que o dia livre não será fixado à sexta-feira — vai variar entre trabalhadores para manter a continuidade dos serviços.
O que os Açores estão a fazer — com método, cautela e ambição — mostra que a inovação no setor público é possível, mesmo nos contextos mais desafiantes. Talvez Portugal devesse prestar mais atenção a esta silenciosa, mas significativa revolução no meio do Atlântico.
Pedro Gomes, Professor Catedrático de Economia em Birkbeck, Universidade de Londres, Autor de Sexta-Feira é o Novo Sábado, e Co-Cordenador do Projeto-Piloto da Semana de Quatro Dias na Administração Regional Autónoma dos Açores.
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