Bairros de barracas, de novo? Será que não se aprendeu nada?

A recente demolição de barracas no município de Loures é a parte mais visível do início de processos de construção ilegal que já fizeram parte da realidade do país durante muitas décadas. No fim do século passado os bairros de barracas tinham desaparecido com as famílias realojadas e/ou encaminhadas. Atingir este objetivo foi, na minha opinião, um dos maiores sucessos do regime democrático.
Naquela época, apesar das divergências políticas, houve a real preocupação e o oportuno consenso para resolver as carências de habitação, e esse objetivo comum determinou o sucesso. Para isso também contribuíram os organismos públicos que se especializaram na promoção de habitação, e que hoje já não existem com o mesmo conhecimento, experiência e capacidade.
Do lado da iniciativa privada houve condições para as empresas se desenvolverem, o que permitiu construir o que foi necessário.
A legislação era incomparavelmente mais simples, e os custos muito mais baixos em comparação com os rendimentos e a capacidade do país.
Em Lisboa há dois Presidentes que se distinguiram nesse desafio, o Eng. Nuno Cruz Abecassis (CDS) e o Dr. João Soares (PS), bem como os Vereadores que tiveram estes pelouros, alguns dos quais de diferentes partidos.
As habitações públicas chegaram a 120.000 em 2001.
Desde então pouco mais foi executado. Esta é a realidade que diz muito sobre o estado da Nação durante este século, com políticas focadas no imediato, sem uma estratégia de desenvolvimento e planeamento para médio e longo prazo. A grave crise na habitação fomenta a construção ilegal, habitações sobrelotadas ou, no limite, há quem fique em situação de sem-abrigo. Porque as barracas não surgem de repente, são a consequência da ausência de políticas para construir habitação pública e para a classe média, e de políticas erradas que agravaram o problema.
Estamos a assistir ao início dos mesmos problemas, que pensávamos fazer parte da história, mas o contexto atual é bem diferente, começando pelo ambiente político. No passado havia um objetivo, acabar com as barracas, enquanto agora alguns políticos utilizam as dificuldades para o combate político, mas sem soluções.
Na minha opinião, os municípios deveriam:
- Assegurar uma ação preventiva para não permitir a construção de novos bairros de barracas, sob pena de voltarmos ao passado sem os instrumentos dessa época para assegurar os realojamentos, nomeadamente:
- O atual custo de construção/m2 de habitação social deixou de estar controlado e é muito elevado, para respeitar normas e regulamentos exigentes e desajustados. Os atuais custos de construção duplicaram face a 1995, em relação ao salário mínimo de cada época;
- As regras impostas para urbanizar terrenos não permitem os preços acessíveis do passado;
- As empresas que produziram os milhares de habitações para acabar com as barracas já não existem e só voltarão a crescer se o ambiente político permitir confiança na estabilidade do mercado, na fiscalidade e nas condições para contratação de trabalhadores, para além de não haver mão de obra qualificada;
- A administração pública não tem organismos com a capacidade técnica que já existiu, por muitas razões, entre as quais a ausência de carreiras atraentes e com remunerações adequadas às qualificações profissionais.
Enquanto o Governo deveria:
- Criar um programa de emergência para produzir habitação pública com uma profunda alteração do quadro legislativo e regulamentar para permitir construir com custo muito mais reduzido;
- Introduzir alterações legislativas para permitir aos municípios, à administração pública e aos cidadãos dispor dos meios legais para repor a legalidade e a normalidade perante a ocupação indevida de terrenos e habitações.
Os novos regulamentos e as exigências foram sempre agravando os custos, o que contribuiu para que a soma dos custos de produção ficassem inacessíveis para a maioria das famílias, antes de qualquer lucro.
O desafio é inverter o sistema, definir um custo máximo e as exigências para se produzir pelo preço ajustado aos rendimentos, como sucede em todos os outros setores.
Voltar às barracas é que não.
observador