Governo: um reforço na segurança, descida de IRS e uma proposta que pode ser ilegal

Luís Montenegro levou para o debate do Programa de Governo uma mão cheia de anúncios, a promessa de “humildade democrática” e “diálogo”, mas nunca se comprometeu nem com acordos à sua esquerda, nem à sua direita. E só se irritou com o Chega e com o PCP, partidos que acuso de estarem a falar de “um país que não existe”. De resto, pôs grande pressão sobre o Chega e o PS, afirmando que o Governo só não durará quatro anos “se os dois maiores partidos da oposição assumirem entre si uma coligação deliberada, ativa e cúmplice politicamente”, mas recusando responder diretamente a José Luís Carneiro, quando o socialista lhe perguntou se pretende aterrar à direita ou à esquerda, uma vez que tem mostrado andar a planar entre os dois lados políticos.
Montenegro só quer marcar golos, não importa com quem“É um Governo polivalente, que aproveita todos os elementos que tem em campo, mas é um Governo que quer marcar golo, que quando vê um jogador assim mais molengão, não deixa de jogar na mesma para a baliza, e portanto, de rematar para marcar golo, porque é isso que os portugueses exigem, é que sejamos consequentes, que possamos aproveitar a disponibilidade de todos para sermos consequentes e não ficarmos pela retórica política”. Foi com uma imagem futebolística – haveria de usar outra em resposta ao líder parlamentar do Chega, Pedro Pinto, para lembrar que o partido de Ventura “ainda não está na Champions” – que Montenegro driblou a pergunta de José Luís Carneiro sobre quem seria o seu parceiro preferencial.
Carneiro tinha acabado de fazer uma intervenção na qual dava todos os sinais de estar disposto a viabilizar o Governo, apelando mesmo a um pacto com o PS para uma reforma na Justiça que vá para além do que está no Programa do Executivo e instando a AD a, com o PS, revisitar o modelo de nomeações para cargos públicos. A acusação de que o PSD usou a último a legislatura para colonizar o Estado com os seus militantes foi, aliás, a maior farpa de José Luís Carneiro, num discurso que, na sua maior parte, foi para oferecer apoio ao Governo para várias reformas, incluindo a do Estado.
“Sabemos bem quem tem mostrado mais estar à altura dessa responsabilidade, e logo veremos se há novos protagonistas e novas forças a mostrar o mesmo sentido de responsabilidade”, disse Montenegro, não fechando a porta nem ao PS nem ao Chega, apesar de ter querido manter uma distância clara em relação a André Ventura no que toca a algum “saudosismo” que possa haver pela ditadura. “Não estou a ver que o senhor deputado queira regressar a esse tempo, espero sinceramente”, disse.
“Se disse que temos de romper inércias e obstáculos, o maior obstáculo dos últimos 50 anos foi o conluio entre PS e PSD”, tinha atacado Ventura, antes de criticar o “descontrolo imigratório”.
Mais polícias, menos IRSLuís Montenegro anunciou a abertura de concursos para reforçar os quadros da PSP e GNR com mais 1500 efetivos. “Até ao final do ano, prevemos o início de funções de cerca de 1.500 elementos na GNR e na PSP, correspondente sensivelmente 70% a guardas e agentes e 30% a oficiais, sargentos e chefes. Vamos igualmente abrir novos procedimentos para a formação de 600 guardas da GNR e 800 agentes da Polícia de Segurança Pública”, disse.
Se o reforço de polícias foi uma novidade, o anúncio de um alívio de cerca de 500 milhões de euros no IRS até ao 8.º escalão já constava do menu das promessas eleitorais.
“Por isso, nas próximas semanas, vamos decidir a redução de mais 500 milhões de euros no IRS já este ano de 2025. Nova redução essa a operar até ao oitavo escalão, beneficiando os rendimentos mais baixos, mas sobretudo a classe média, a classe que está no ativo”, afirmou, defendendo que essa redução de impostos se concentre sobre “a classe média” por ser “uma exigência de justiça social e de racionalidade económica”.
Uma promessa que pode ser ilegalJá se sabia que o Governo queria rever a lei da nacionalidade, dificultando a sua atribuição aos imigrantes. O que é novidade é que Luís Montenegro pondera retirar a nacionalidade a quem cometer crimes graves, uma proposta que no passado o Chega já levou ao Parlamento e que nunca passou.
Neste momento, a lei não prevê que se possa retirar a nacionalidade a ninguém, nem faz qualquer distinção entre a nacionalidade conseguida à nascença por quem tem pais portugueses e a que é atribuída a quem vem para Portugal e a obtém pelas vias legais. Segundo a lei em vigor, só o próprio pode renunciar à nacionalidade, não podendo essa perda de nacionalidade ser imposta a ninguém.
A promessa feita por Montenegro pode mesmo esbarrar no Direito Internacional e no Direito da União Europeia, que têm disposições que visam impedir que cidadãos se convertam em apátridas e limitam fortemente a possibilidade de retirada de nacionalidade. Como, em alguns casos, os cidadãos que se naturalizam portugueses têm de prescindir à sua nacionalidade de origem (há países que proíbem a dupla nacionalidade), a retirada da nacionalidade obtida pela naturalização poderia levar a que esses cidadãos se tornassem apátridas, ou seja, deixassem de ter vínculo com qualquer Estado.
“Na política migratória, aprovaremos nos próximos dias uma proposta de revisão da Lei da Nacionalidade, uma proposta de alteração da Lei de Estrangeiros com implicações na limitação do acesso a reagrupamento familiar, na simplificação do processo de repatriamento de imigrantes ilegais e voltaremos a propor a criação de uma unidade de estrangeiros e fronteiras na Polícia de Segurança Pública”, declarou Montenegro, prometendo que em breve serão conhecidos os detalhes do alargamento do prazo necessário para a atribuição da nacionalidade, os critérios do reforço da ligação efetiva ao país, à sua cultura e hábitos, mas também as situações em que se pode perder a nacionalidade, “nomeadamente em comportamentos muito graves e de natureza criminal”.
Montenegro irrita-se com “cheiro a troika” do PCPLuís Montenegro não gostou do ataque feito pelo PCP ao Programa do Governo, com Paulo Raimundo a acusar o “cheiro a troika” de medidas que incluem a flexibilização da legislação laboral, restrições ao direito à greve e cortes em organismos do Estado que não estavam no programa que a AD levou a votos.
“O seu programa cheira a troika“, disse o líder comunista, lembrando que no passado essa foi a “troika que o nosso povo já rejeitou e derrotou” e afirmando o PCP como a força que nunca dará respaldo a essa política. “Chega e Iniciativa Liberal nunca lhe faltarão para defender os interesses dos grandes grupos económicos. Bem podem encostar-se uns aos outros”, atirou, apontando também à forma como o PS está disponível para viabilizar o Governo, ao contrário do PCP que apresentou uma moção de rejeição do Programa de Governo.
“O seu discruso tresanda ao velho comunismo imobilista”, reagiu um primeiro-ministro visivelmente irritado, a lembrar a forma como por toda a Europa têm desaparecido os partidos comunistas e vaticinando o mesmo fim para o PCP, que nestas eleições perdeu um deputado e tem agora o seu grupo parlamentar reduzido a três eleitos.
“Com essa teimosia vai acabar infelizmente, por se condenar a si próprio”, disse, acusando o PCP de ver “um país que não existe”, curiosamente a mesma expressão que usou para contrariar o ataque que lhe foi feito pela deputada do Chega, Rita Matias, que o acusou de não ter políticas de apoio aos jovens.
Visao