MAGA no Médio Oriente

Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro israelita, decidiu fazer uma jogada estratégica, simultaneamente doméstica e internacional. Apesar da sua reputação internacional estar em mínimos históricos devido à guerra em Gaza, o poder efectivo de Israel na região está hoje em máximos históricos. Volvidos quase dois anos desde os ataques de 7 de Outubro, os dois principais proxies do Irão na região – o Hamas em Gaza e o Hezbollah no Líbano – estão hoje mais fracos do que nunca do ponto de vista operacional. Parece claro que Netanyahu percepcionou este momento como uma oportunidade histórica. Caso o ataque ao Irão lhe corra bem, Netanyahu não só afirma o seu domínio regional, e atrasará ou acabará com os planos nucleares do regime iraniano, mas poderá também convocar novas eleições em Israel e mesmo vencê-las. Há uns meses tal estava longe de ser verdade. Para além da oposição doméstica que sempre teve, muitos israelitas eram de opinião que, após o fim da guerra em Gaza, seria necessário apurar responsabilidades sobre as falhas de defesa, de intelligence e do próprio Estado que não conseguiram evitar os ataques de 7 de Outubro.
No momento em que escrevo, não se sabe qual será a decisão da administração norte-americana sobre um envolvimento militar directo dos EUA neste conflito. Donald Trump está ainda a ponderar e já afirmou que “poderá ou não” juntar-se a Netanyahu. Claramente, a decisão está a ser difícil. Por um lado, Trump sente-se seduzido pela ideia de se juntar a Netanyahu e poder vir a ter uma grande vitória militar contra um regime inimigo. A pressão israelita e dos seus aliados para um envolvimento norte-americano será grande, uma vez que a ajuda militar norte-americana poderá ser essencial para uma vitória decisiva sobre o Irão. Por outro lado, Donald Trump sabe também o custo político de envolver os Estados Unidos naquilo a que o próprio chamou uma “guerra eterna”, como foram as guerras do Afeganistão e do Iraque que Trump criticou ferozmente. Numa intervenção militar deste tipo, a fase inicial e puramente de ataque é relativamente mais fácil dada a superioridade americana. O problema, no entanto, é o momento que se segue, como o Afeganistão e o Iraque demonstraram. Por isso, neste momento, a escolha mais segura e mais racional para Trump seria utilizar o leverage actual da superioridade militar israelita, juntamente com a ameaça de envolvimento norte-americano, para negociar um acordo nuclear com o Irão favorável a Israel e aos interesses dos EUA. O autor do livro “The Art of the Deal” poderia então regressar a casa e declarar que ele, mais do que ninguém, sabe fazer acordos pelo mundo, com aliados e inimigos, que beneficiam os EUA e evitam a perda de vidas humanas e custos militares elevados.
No entanto, e de forma muito interessante, a coligação política que o elegeu aparenta estar dividida. Afinal de contas, num país com apenas dois partidos, as coligações que elegem presidentes são heterogéneas. De um lado, uma ala tradicional do Partido Republicano, a que outrora se dava o nome de neoconversadores, exemplificada pelos senadores Ted Cruz e Mitch McConnell, defende uma postura mais ofensiva. Acreditam que a melhor forma de proteger os interesses norte-americanos, dos seus aliados, e de afirmar a hegemonia norte-americana no mundo, é uma acção interventiva do exército norte-americano pelo mundo e, em particular, no Médio Oriente. Era esta a ala associada às principais figuras da administração de George W. Bush e que iniciou as intervenções no Afeganistão e no Iraque no início do século.
Do outro lado, existe uma ala mais recente que surgiu com o Trumpismo, exemplificada pelo ideólogo Steve Bannon, pela congressista Marjorie Taylor Greene e pelo jornalista Tucker Carlson, que é completamente isolacionista. Esta ala, onde se posicionou o próprio Donald Trump em todas as campanhas eleitorais que fez, é claramente contra uma nova intervenção militar no Médio Oriente e contra o esforço financeiro e militar daquilo a que chamou “guerras eternas”. Os isolacionistas acreditam que os Estados Unidos não se devem meter nos problemas políticos e bélicos de outras partes do mundo, mesmo dos seus aliados. Para Bannon, o foco principal e orientador da política externa norte-americana deve ser a defesa do território norte-americano e, para isso, investirem numa espécie de nova doutrina Monroe, onde o que interessa é a acção dos EUA no continente americano – desde o Canal do Panamá e da América Central à Gronelândia, passando pelos vizinhos Canadá e México.
Já a opinião pública norte-americana é, neste momento, clara: os americanos são simultaneamente a favor da necessidade de um acordo nuclear com o Irão, mas maioritariamente contra uma intervenção militar directa dos EUA na região. Note-se que, embora em graus diferentes, esta é a opinião maioritária de Democratas, Independentes e Republicanos, o que não é comum na maioria dos outros assuntos. Apenas 11% dos independentes, 15% dos Democratas e 23% dos Republicanos concorda com um envolvimento militar dos EUA no conflito entre Israel e o Irão. Mas, como mostrou Elizabeth Saunders no seu livro mais recente, The Insiders’ Game: How Elites Make War and Peace, a opinião pública não é o factor decisivo em grande parte das decisões sobre o envolvimento em guerras. Ao invés, o que interessa nestas alturas é a competição entre diversas facções de elites, que nem sempre têm a mesma opinião que o eleitorado, e onde se incluem membros e conselheiros do executivo, legisladores e militares. Neste momento, não é possível saber quem irá prevalecer e o que motivará a própria decisão de Donald Trump. Até porque nem todas as motivações são totalmente racionalistas.
Nas palavras de Francis Fukuyama, numa das várias reflexões que fez sobre as invasões do Iraque e do Afeganistão levadas a cabo pelos EUA no início do século, não há atalhos para a construção de democracias, de regimes e de Estados noutras partes do mundo. Foi por isso, aliás, que o intelectual norte-americano decidiu escrever a sua obra em dois volumes, The Origins of Political Order e Political Order and Political Decay. Na ciência política, sabemos que não há tarefa histórica mais difícil e mais enigmática do que a construção da ordem política e social através de um Estado. A promessa de regime change imposta de fora para dentro através de uma intervenção militar raramente funcionou. Os exemplos históricos mais bem conseguidos foram, sem dúvida, a construção das democracias alemã (ocidental), japonesa e italiana, no pós-Segunda Guerra Mundial. Mas estas democracias foram construídas após uma derrota total numa guerra mundial de seis anos e através de um esforço logístico, financeiro, burocrático e técnico norte-americano que nunca mais se veio a repetir. Durante a Guerra Fria, os EUA e a União Soviética ajudaram à implantação de vários regimes ditatoriais pelo mundo, na defesa dos seus interesses regionais. No entanto, desde 1990, as intervenções externas de mudança de regime parecem claramente não ter resultado. Podemos saber como começa a intervenção militar, mas nunca sabemos como acaba e qual a nova ordem política que se segue.
observador