Nacionalidade em suspenso

Enquanto países como a Alemanha encurtam prazos para atrair talento, Portugal ameaça fechar portas. A nacionalidade não se defende com desconfiança — defende-se com exigência e mérito. Manter os 5 anos, subir os critérios. Porque tempo, por si só, não prova nada.
O talento não espera. E o mundo também não
Há quem queira transformar Portugal num clube exclusivo, onde se espera uma década para receber o cartão de sócio. A proposta de aumentar de 5 para 10 anos o tempo mínimo de residência para acesso à nacionalidade portuguesa é isso mesmo: um retrocesso travestido de prudência. Mas se o país pretende atrair talento, reforçar a coesão social e competir no palco europeu, o caminho é outro.
A nacionalidade não é um prémio de consolação, é uma ferramenta de integração
Hoje, Portugal está entre os poucos países da Europa onde bastam 5 anos de residência legal para pedir a nacionalidade. E os resultados estão à vista: temos uma das taxas de naturalização mais altas da UE. Todos os anos, milhares de pessoas passam a ser cidadãos de pleno direito, com direitos, deveres e identidade partilhada. Isso não acontece por acaso. A naturalização precoce potência a integração e o investimento no país — económico, social e pessoal.
Agora, imagina duplicar esse prazo. Dez anos de espera. Dez anos a trabalhar, a pagar impostos, a criar raízes… mas sem pertencer. Isso não é prudência. É desconfiança institucionalizada.
Enquanto a Europa avança, Portugal ameaça andar para trás
A tendência nas democracias avançadas é clara: reduzir prazos, permitir dupla nacionalidade, simplificar processos. Alemanha, França, Irlanda, Países Baixos — todos reconheceram que a cidadania é uma alavanca de atração e retenção de talento. A mensagem é: “se vens por mérito, queremos que fiques.”
Por cá, discute-se o oposto. Nos últimos meses, o debate político trouxe à mesa a hipótese de subir o prazo para 10 anos. Várias forças parlamentares já a defenderam, com discursos sobre identidade nacional, segurança e coesão. Mas essa retórica não se sustenta. Aumentar o prazo não integra ninguém — adia a integração de todos.
Tempo em espera é vida em suspenso
Alargar o tempo de residência exigido à nacionalidade não resolve nenhum problema estrutural. Só prolonga a incerteza para quem já cá está, cumpre a lei e contribui para a sociedade. Sabemos que quanto mais tempo uma pessoa vive num limbo jurídico, menos confiança tem nas instituições, menor é a sua estabilidade no emprego, e mais frágil se torna o vínculo à comunidade.
Não é o tempo que prova o mérito. É o contributo
Faz muito mais sentido manter os 5 anos e reforçar os critérios qualitativos: domínio do português, participação cívica, histórico contributivo. Isso sim, distingue quem está cá apenas de passagem de quem escolheu este país como casa. O calendário não diz nada sobre o caráter. O compromisso sim.
Ser liberal é abrir portas ao mérito, não fechá-las com medo
Num tempo em que a escassez de talento ameaça travar o crescimento económico, endurecer o acesso à nacionalidade é um tiro no pé. A lógica liberal não é fechar-se à diferença — é abrir-se ao valor. E não há maior expressão de compromisso com uma sociedade do que querer fazer parte dela, plenamente.
5 recomendações para um modelo moderno, exigente e justo:
Manter os 5 anos como prazo legal — em linha com as democracias mais abertas e inovadoras da Europa.
Subir a fasquia no mérito: exigir português B1, ausência de registo criminal, e histórico de atividade contributiva.
Facilitar a integração precoce: mais investimento em língua, formação cívica e envolvimento comunitário desde os primeiros anos.
Digitalizar e acelerar os processos: o que trava a nacionalidade em Portugal hoje não é a lei — é a burocracia.
Assumir a narrativa: Portugal deve comunicar ao mundo que é um país exigente, mas justo. Que reconhece quem contribui, independentemente da origem.
Os países que mais integram são os que mais atraem
Se queremos talento, precisamos de oferecer pertença. Cidadania não é um presente — é um pacto. E quanto mais cedo esse pacto for possível, mais sólida será a ligação que se cria. Não é facilitismo. É estratégia.
Portugal pode ser uma porta de entrada para o mundo — ou um beco sem saída
O que está em causa não é apenas o destino de milhares de pessoas que aqui vivem. É o futuro do país que queremos ser. Um país envelhecido, com défice de qualificações e fuga de cérebros, não pode dar-se ao luxo de dificultar a vida a quem quer construir aqui o seu futuro.
Quando se trata de pertença, ou se inclui cedo, ou se perde tarde
Prolongar o tempo para a nacionalidade não é uma resposta — é uma fuga. Adia decisões, fragiliza comunidades e desincentiva o investimento pessoal. Não fortalece Portugal. Enfraquece o seu apelo.
A nacionalidade não se defende trancando-a. Defende-se qualificando-a
Exigir mais onde é relevante — e não onde é mais fácil. Porque o tempo, por si só, não mede nada. Só adia vidas.
observador